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Onde estão as rendas da energia?

Para o Governo são excessivas, para os produtores de electricidade são justas. As rentabilidades do sector eléctrico estão na agenda do Ministério da Economia, mas pôr de dieta o "monstro eléctrico" que Mira Amaral abomina não será tarefa fácil. Em jogo estão centenas de produtores, com a EDP à cabeça, e milhões de euros.

22 de Março de 2012 às 12:16
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A Secretaria de Estado da Energia avaliou em 299 milhões de euros por ano a margem excessiva que os produtores de electricidade ganham por via dos contratos e leis hoje existentes, que os salvaguardam da volatilidade dos preços de mercado da energia. Mais de metade dessas rendas estão nos Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC), pagos à EDP. Mas a eléctrica nacional não é a única visada.

Com 165 milhões de euros de rendas excessivas por ano, pela análise do Governo, os CMEC são a principal fonte de desequilíbrio do sistema eléctrico, no que respeita à partilha de custos entre os produtores e os consumidores. O presidente da EDP, António Mexia, já disse que “a questão da existência de rendas é um falso problema” e disse que os números em que o Governo se baseia “não têm nenhuma base científica”. Será?

O conceito de rendas excessivas de que o anterior secretário de Estado da Energia, Henrique Gomes, vinha falando, designa, genericamente, a diferença entre a taxa de rendibilidade obtida pela empresa e a que ela teria se vivesse em ambiente concorrencial (medida pelo WACC – Weighted Average Cost of Capital). As rendas são, por isso, obtidas por monopólios ou por rendibilidades garantidas pelo Estado acima da remuneração adequada num regime de mercado.

Para calcular os montantes de rendas excessivas, o Governo apoiou-se em trabalhos académicos sobre os custos de capital e os retornos associados aos investimentos que beneficiam de CMEC, de Contratos de Aquisição de Energia (CAE) ou das tarifas garantidas da Produção em Regime Especial (PRE). A Cambridge Economic Policy Associates foi uma das instituições com quem a Secretaria de Estado da Energia trabalhou.
Para os Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual o Governo estimou rendas excessivas de 165 milhões de euros por ano, mais de metade dos 299 milhões de rendas que os produtores eléctricos estarão a receber.

Nas contas do Executivo, os CMEC têm não só as rendas mais excessivas em valor absoluto como também em termos relativos. Estas contrapartidas, que são pagas desde 2007 à EDP como compensação pelo fim dos CAE que o grupo tinha para uma série de barragens e centrais térmicas, acarretam rendas de 165 milhões de euros, que correspondem a uma margem excessiva de quase 6,7% (que é o diferencial entre o retorno efectivo apurado para os activos da EDP com CMEC, que ronda os 14,2%, e o respectivo WACC, que é de 7,5%).

A segunda maior fonte de rendas serão os parques eólicos, com uma rentabilidade em excesso que a Secretaria de Estado da Energia estimou em 54 milhões de euros, apesar de no ano 2010, pelas contas do Governo, este tipo de produção ter registado até uma margem negativa entre as taxas efectivas de retorno e o WACC de referência para as eólicas.

Seguem-se as cogerações (tal como as eólicas, estão abrangidas pelas condições da Produção em Regime Especial), com 42 milhões de euros de rendas excessivas, a que correspondem margens 4,2 pontos percentuais acima do que seria expectável em condições de mercado (com taxas efectivas de retorno estimadas em 14,4% e WACC de 10,2%). A Cogen, associação das indústrias de cogeração, já afirmou desconhecer estes números, notando que no sector convivem centrais com perfis de rentabilidade muito distintos.

Os CAE, que apenas se mantêm para as centrais da Tejo Energia (carvão) e da Turbogás (gás natural), geram, por seu lado, rendas anuais de 21 milhões de euros, com margens que ficam 5 pontos percentuais acima do WACC tido como normal para aquele tipo de projectos.

Dentro da PRE, há ainda fontes como a solar fotovoltaica, a biomassa e as mini-hídricas, onde o estudo do Governo detectou rendas de 9, 5 e 3 milhões de euros, respectivamente.

O que fazer?

O primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, que chegou a afirmar que a demissão de Henrique Gomes “não tem história”, mantém o objectivo do Governo de combater as “rendas excessivas” dos produtores de electricidade, no que tem sido secundado pelo ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira. Do novo secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, não se ouviu ainda uma palavra sobre o tema.

A verdade é que a missão do Governo não é fácil, dada a blindagem da EDP em instrumentos como os CMEC. Legislados como contrapartida indemnizatória para compensar a eléctrica pela cessação antecipada de CAE que venciam no longo prazo, os CMEC prevêem um conjunto de remunerações para a EDP, fixas e variáveis, de que a eléctrica não deverá prescindir.

Na PRE, onde os beneficiários estão muito mais pulverizados e são na sua maior parte regulados por decretos-lei com fórmulas de cálculo transversais aos vários produtores, o trabalho do Governo poderá ser um pouco mais fácil.

Para já está em cima da mesa a criação de uma equipa de três elementos com especialistas em finanças, em negociação e no sector eléctrico. O maior desafio do Executivo em matéria de rendas excessivas será conseguir efectiva e definitivamente baixá-las e não apenas adiar o problema.

Produtores dispostos a receber menos agora… mas com prazos maiores

O que as empresas de cogeração, os produtores de energia eólica e a própria EDP têm sugerido ao Governo ao longo dos largos meses de estudo dos custos do sistema eléctrico é que as tarifas e condições actualmente existentes possam ser reduzidas nos próximos anos, enquanto durar o programa de assistência financeira a Portugal… mas estendendo o prazo das tarifas por mais alguns anos.

Esse seria o modelo que permitira aos produtores de electricidade não perder o valor económico previsto para os seus projectos, e no qual se basearam, há anos, para conseguirem financiamento da banca para os investimentos. A neutralidade do ponto de vista dos promotores dos projectos energéticos pode aliviar a factura eléctrica hoje, mas acabará, no longo prazo, por continuar a deixar a sua marca nas contas energéticas nacionais.

Para o Estado poderá ser apelativo, mas não resolve o problema de acumulação de défices tarifários. Em 2007, quando a EDP pagou 759 milhões de euros pela prorrogação das concessões das suas barragens (estendendo por mais de 20 anos o seu direito a explorá-las), o encaixe para as contas públicas foi importante. De igual modo, a conversão de CAE em CMEC nesse mesmo ano permitiu ao sistema eléctrico baixar os encargos desses contratos no curto prazo (até 2010), projectando para o período de 2011 até 2017 o “grosso” das compensações à EDP.

A negociação com os agentes do sector eléctrico será uma das tarefas mais complexas a cargo do Ministério da Economia, dado que a ambição do Executivo de limitar a 1,5% ou 2% as subidas reais (antes de inflação) dos preços da electricidade implicará o controlo rigoroso da dívida tarifária.

O Governo, por diversas vezes, assumiu a meta de reduzir a zero a dívida tarifária da electricidade até 2020. Essa dívida, que ronda os 3 mil milhões de euros e irá crescer nos próximos anos, é a garantia de que nas contas da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) o futuro próximo reservará sempre um avolumar do “bolo” de custos do sector eléctrico.

O antigo ministro Luís Mira Amaral já lhe chamou o “monstro eléctrico”. Agora está nas mãos do Governo pôr o “monstro” de dieta.
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