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José Manuel de Mello 1927-2009

Há algo aparentemente contraditório na personalidade de José de Mello. Algo que o levava a contestar tudo e todos em alta voz, fazendo-se ouvir como uma pedrada no charco num país semi-temeroso. Assumindo-se desencantado, pouco confiante no futuro. E, ao mesmo tempo, confessando-se um amante da vida e aventurando-se, idade fora, em novos empreendimentos.

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Há algo aparentemente contraditório na personalidade de José de Mello. Algo que o levava a contestar tudo e todos em alta voz, fazendo-se ouvir como uma pedrada no charco num país semi-temeroso. Assumindo-se desencantado, pouco confiante no futuro. E, ao mesmo tempo, confessando-se um amante da vida e aventurando-se, idade fora, em novos empreendimentos.

A contradição só existia mesmo em aparência. José de Mello, que ontem faleceu vítima de doença prolongada, quase a completar 82 anos de idade, é apontado por muitos como o neto que mais se aproximou da personalidade do avô, Alfredo da Silva. Que vestiu e exibiu o seu inconformismo.

Contestou abertamente Américo Thomaz, discutiu "horas e horas" com Marcello Caetano, tentou sensibilizar Cunhal, criticou abertamente Cavaco Silva. Enfureceu políticos e empresários. Gostassem ou não, não era homem para ficar calado. E, por isso, dava "gritos de alma", como descreve José Morais Cabral, administrador não executivo do grupo José de Mello e antigo presidente executivo da Lisnave.

Foi assim quando, já com 76 anos, em 2004, colocou o país num alvoroço com a polémica entrevista ao "Expresso", intitulada "Façamos a Ibéria". Um ano antes, tinha sido um dos subscritores do "Manifesto dos 40", que uniu várias personalidades num apelo aos centros de decisão nacional. Agora reclamava a união com Espanha. "E rapidamente". José de Mello pedia um "país novo".

Este clamor ibérico nunca mais deixou de andar associado ao seu nome. Para Morais Cabral, este é o exemplo perfeito dos "gritos de alma" de José de Mello. "Uma chamada de atenção, de alguém desentendido com a gestão da Pátria. Ele nunca foi defensor de uma União Ibérica", traça o amigo. Desentendido, mas não ressentido, garante. José de Mello "não era pessoa de olhar para o passado e chorar sobre leite derramado. Era isso que lhe dava carácter de lutador. De um grande homem", recorda Morais Cabral.

"Era, surpreendentemente, uma pessoa muito moderna, muito virada para o futuro", confirma Pedro Ferraz da Costa, que com ele se cruzou, e construiu amizade, enquanto industrial e presidente da Confederação da Indústria Portuguesa. E, "surpreendentemente" mais uma vez, acrescenta, "não era uma pessoa triste com o país", mesmo depois das nacionalizações, das privatizações que criticou pela forma como foram conduzidas e das indemnizações que sempre reclamou ao Estado português.

"Encontrei mais revolta no Sr. Champalimaud. José de Mello tinha uma posição de grande revolta em relação às oportunidades que o país perdia, mas não era um sentimento medido ao sabor de si próprio", conta. "Portugal estava a caminhar no mau sentido e acho que a situação em que o país está hoje é a demonstração de que ele tinha razão", aponta Ferraz da Costa.

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