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Reportagem: Empresas que criam filhos

Releia o trabalho “Empresas que criam filhos” da autoria de Alexandra Machado e Elisabete Miranda, jornalistas do Negócios, que venceu o prémio de jornalismo económico na categoria de economia e sustentabilidade da Nova e do Santander Totta deste ano.

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A nossa legislação trata de igual modo a maternidade e a paternidade, admite licenças iguais para pais e mães, flexibilidade horária, faltas para assistência a filhos e integra a temática da conciliação com a da igualdade de género. Na prática, as coisas não funcionam bem assim. Mas existem excepções. Boas.

Leonor não sabia o que a esperava. O processo de recrutamento tinha chegado ao fim, faltava-lhe aceitar a proposta de trabalho, mas havia uma notícia que podia mudar o rumo dos acontecimentos. Foi com algum receio que pegou no telefone para comunicar que queria ficar com o lugar e acrescentar que havia um dado novo. Estava grávida. "São boas notícias", ouviu do outro lado. Ao contrário do que chegou a temer, a Auchan não mudou de ideias e Leonor, grávida, foi contratada. Está longe de ser um caso comum.


Portugal foi precursor em matéria de parentalidade quando, logo em 1979 e 1984, acautelou as questões da igualdade e da conciliação do trabalho com a vida familiar. De então para cá, "a nossa legislação trata de igual modo a maternidade e a paternidade, admite licenças parentais para pais e mães e faltas para assistência a filhos, integra a temática da conciliação com a da igualdade de género", garante Maria do Rosário Palma Ramalho, professora de Direito do Trabalho. Mas, na prática, as coisas não funcionam bem assim. "Há uma divisão dos papéis sociais, aliados a práticas empresariais que promovem a discriminação. A estrutura de gestão das empresas é masculina. Há trabalhadoras despedidas por estarem grávidas, há outras que não são contratadas por quererem engravidar. Todo o quadro normativo peca por falta de efectividade", lamenta a catedrática da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.


Leonor Castro Caldas temia cair nesta teia discriminatória mas acabou por ser "agradavelmente surpreendida", conta ao Negócios. "Quando entrei, já estava com 13 semanas". Foi recrutada pela Auchan para lançar um novo segmento na empresa - tratava-se de um projecto novo entregue a uma nova trabalhadora que, ao fim de sete meses, estaria, por algum tempo, afastada da empresa. Trabalhou quase até ao fim da gravidez, preparando os meses em que estaria fora. "[Durante a licença de maternidade], não fui interrompida por questões ligadas ao trabalho. Só me ligaram para dar os parabéns", garante. Depois de regressar, a outra "boa notícia" não tardou em chegar. Leonor voltou a engravidar. "O facto de sermos mães não é um problema. Até é apoiado". Actualmente, é mãe de duas crianças e integra a estatística que a Auchan exibe com um certo orgulho: ali, as mulheres em idade fértil têm, em média, 1,9 filhos, o que compara favoravelmente com a preocupante média nacional de 1,28 filhos por mulher e se aproxima dos 2,1 que são necessários para que se garanta uma substituição de gerações.

 

Creches nas empresas: o fim da "angústia de fim de dia"
Portugal tem acompanhado a tendência internacional de declínio da natalidade, mas neste momento os alarmes começam a soar. Em 2012, apenas nasceram 89,9 mil crianças e, ao contrário do que acontece em outros países europeus, os portugueses aspiram a ter mais filhos do que aqueles que efectivamente acabam por ter. Embora a decisão de ter um filho seja eminentemente individual, os inquéritos recentes mostram que, com as políticas adequadas, é possível travar a preocupante quebra nos índices de fertilidade a que se vem assistindo.


Reflectir sobre políticas de incentivo à natalidade é uma tarefa gigante e multifacetada que convoca Estado, empresas e a sociedade em geral, mas as práticas internacionais e alguns inquéritos identificam o triângulo entre estabilidade na situação profissional, conciliação e equipamentos adequados como um dos que mais interfere na decisão de alargamento do núcleo familiar.


Na Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), a missão é, precisamente, sensibilizar as empresas e os sindicatos para a importância de implementarem um conjunto de políticas integradas que reequilibrem a relação trabalho-família. E, embora considere que há ainda um longo caminho a percorrer, Sandra Ribeiro, presidente daquela estrutura, garante que há um número crescente de empresas que começam a perceber que "há vantagens económicas para a sustentabilidade e produtividade das empresas" na adopção destas políticas. Fomos conhecer alguns desses casos.


Ivone Machado está há 18 anos na Auchan e dispensou parte da tarde de folga para falar com o Negócios. Levou consigo o filho David, e o mais novo, Diogo, que está em constante agitação. Preferia estar a brincar ou a dormir e não o esconde. Diogo está inscrito no Colégio Rik & Rok, em Alfragide, gerido pela Fundação Pão de Açúcar, que tem outra unidade na Amadora. Estes colégios dão prioridade aos filhos dos trabalhadores da Auchan e também aceitam crianças que não tenham familiares neste grupo de distribuição. Mas foi a pensar nos filhos dos seus colaboradores que foram criados. O de Alfragide abriu em Setembro de 2012, mesmo a tempo de Ivone Machado inscrever o seu mais novo.


"Quando fiquei grávida, entrei em estado de choque. Aos 42 anos, comecei a pensar no futuro, em tudo". O facto de ter a creche que aceita crianças, dos quatro meses aos seis anos, ao seu dispor deixou-a "mais tranquila". Ivone ainda se lembra de como fora difícil conjugar o horário de trabalho com a creche do David, agora já adolescente: "Saía daqui às 19.00/19.30, e era difícil chegar a horas ao colégio. Era uma ansiedade todos os dias", até porque pagava multa se chegasse atrasada. Os colégios que recebem os filhos dos trabalhadores da Auchan funcionam em horário alargado, das 7.00 horas à meia-noite e meia, ajustando-se aos horários de quem trabalha nos hipermercados. Não há multas. Não há pressão. Mas há exigências: não permite que uma criança fique mais de onze horas e só pode ficar cinco dias em cada semana, obrigando a um período de 30 dias de férias. Ivone não tem dúvidas de que este "é um exemplo que todas as grandes empresas deviam seguir".


Catarina Azevedo e o marido Tiago integram os 9% de colaboradores da Auchan que são casados e estão de acordo com Ivone. O Pedro nasceu há oito meses e Catarina reconhece que a creche ali ao lado "facilita imenso". O RiK & Rok é uma IPSS onde os pais pagam a tarifa normal, sem descontos, mas a proximidade é o factor mais valorizado. No Jumbo de Alfragide, Catarina e Tiago tiram folgas e férias juntos. O filho Pedro também. "Acompanha os nossos horários. Folga connosco e vem trabalhar connosco", diz Catarina que, aos 28 anos, assume que poderia ter adiado a maternidade se não tivesse estas condições. O trabalho por turno complica. As escolas privadas e públicas não têm horários adaptados.


A manutenção de creches nas grandes empresas tem vindo a cair em desuso, assistindo-se ao encerramento de muitas delas. Um dos últimos casos foi o da CP, que justificou a sua decisão com a "absoluta necessidade de controlo e redução de custos" e "a desproporção de encargos de manutenção".


Mas há outros casos que se mantêm, contra-a-corrente. A Jerónimo Martins, por exemplo, tem, na Azambuja, um jardim infantil gratuito e com horário alargado (segunda a sábado das 5h45 às 18h00) pensado para os trabalhadores da parte logística e onde alberga 85 crianças. Dispõe ainda de uma creche em Braga com 20 crianças.


Também a TAP mantém o infantário fundado em 1972 junto à sede em Lisboa, onde acolhe mais de 360 filhos de funcionários. Ao longo da visita guiada que fez ao Negócios, Maria Conceição Carvalho mostra as instalações e vai chamando as crianças pelo nome. "Já passei noites no Hospital de Santa Maria", diz a directora do infantário da TAP, concessionado desde 1997 ao Externato Champagnat, que assegura a actividade todos os dias, a toda a hora. Afinal, há, nesta empresa, pais que têm de voar à noite e até de pernoitar noutros países e que têm crianças que precisam de ficar mais do que um dia no infantário.

 

 

 
TAP "Com a Violeta aqui, estou descansada" 
Violeta é uma das 300 crianças que o infantário da TAP acolhe. Ana, a mãe, fica descansada, mesmo estando a trabalhar ao lado. Nunca teve a tentação de ir espreitar Violeta nas horas de trabalho.

 

 

 

 

 

Maria da Conceição Carvalho é a directora do infantário da TAP, que tem berçário e jardim infantil. São mais de 360 crianças que entram e saem a todas as horas. Afinal, há que ajustar aos horários dos pais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Violeta está no infantário da TAP desde os seis meses. Agora, mais crescida, com quatro anos, está no Externato Champagnat, a extensão da creche. A mãe, Ana, garante que é um descanso. Até pelas condições. Não têm de levar nada, nem bibes nem comida. 

 

 

 


Ana, que integra os quadros da TAP desde a aquisição da Portugália, está nos escritórios. Não voa. Mas o seu horário não é sempre o mesmo. Violeta, a filha que há poucos dias fez quatro anos, conhece todos os cantos do infantário e é popular entre as auxiliares. Fala pouco, mas sorri muito. Espreita as salas com o à vontade de quem sabe o que está em cada uma. Aos seis meses, Violeta foi para o infantário. Ana desconta 8% do salário para este equipamento que dá prioridade aos filhos de pais que trabalhem por turnos ou tripulantes. Há quem fique em lista de espera. Mãe de outros dois rapazes, Ana ficou presa na ansiedade de saber se tinha lugar, até se lembra do "stress" por que passou com os outros filhos. "Tenho dois filhos mais velhos e, ao fim do dia, era uma angústia terrível". Agora, sabendo que a creche lhe cobre as "pontas" de horário que por vezes resvalam, "trabalho melhor, mais descansada", garante. Há anos em que parece haver um "baby boom" na TAP, conta, a sorrir, Maria da Conceição. Em 2013, um total de 563 trabalhadores da TAP gozaram licenças de parentalidade: 275 mulheres e 288 homens, entre os 10 mil empregados.


Conciliação: "conseguimos gerir o nosso tempo"
Arlindo Dias, há 15 anos na IBM, sabe o quanto cansa correr contra o tempo. A escola dos filhos, em Setúbal, fecha às 17h30. Arlindo tem três filhos e é sua missão ir buscá-los. O alargamento do horário na Função Pública condicionou a partilha desta tarefa com a mulher, trabalhadora do Estado, mas Arlindo não se queixa. E garante que na IBM também não. "Tenho uma rotina pouco flexível, mas não sou penalizado", garante ao Negócios, ao mesmo tempo que vai dizendo que "a IBM é o exemplo do que a administração pública deveria estar a fazer. E o que acontece é que está a fazer o contrário".

 

 

 
IBM "Argumento filhos sobrepõe-se aos outros"
Nas férias escolares há sempre alguma criança na IBM. "Elas até gostam". Arlindo Dias e Lígia Cabeçadas, que trabalham na empresa tecnológica, conseguem acompanhar os filhos sem prejudicar o trabalho. Flexibilidade é o segredo.

 

 

 

 

Lígia Cabeçadas trabalha há 18 anos na IBM. Tem dois filhos, de 10 e 8 anos. Tirou a licença devida por lei. A IBM cobre até à totalidade do salário o subsídio de maternidade. Arlindo Dias está na IBM há 15 anos. Tem três filhos de 10, 7 e 5 anos. É Arlindo Dias que vai buscar os filhos à escola, em Setúbal. O seguro de saúde é extensível aos filhos. 

 

 

 


A IBM não tem creche nem jardim de infância, mas atribui um subsídio aos colaboradores com filhos em idade pré-escolar. No levantamento efectuado pelo Negócios junto das empresas do PSI-20, este é um apoio que várias já concedem, quer ao nível das creches e jardins de infância, quer nos restantes segmentos de ensino. A IBM tem, também, flexibilidade de horários para facilitar a conciliação dos tempos profissional e familiar, ferramentas previstas no Código do Trabalho, mas que acabam por ser pouco usadas porque, em geral, "os empresários portugueses gostam de trabalhadores extensivos, não intensivos. De quem esteja muito tempo no local de trabalho, de sol a sol, ainda que esteja a jogar computador", aponta a especialista em direito do trabalho Maria do Rosário Palma.


Mas voltemos aos bons exemplos. Lígia Cabeçadas também trabalha na IBM. Tem dois filhos de dez e oito anos. O marido também é colaborador na mesma empresa. Nunca faltam às festas da escola dos filhos, nem às consultas. E vão os dois. A IBM disponibiliza portáteis e telemóveis caso exista necessidade de contacto quando os funcionários não estão no escritório. "Conseguimos gerir o nosso tempo", assegura Lígia, que tem objectivos e resultados a atingir, mas tem autonomia para ajustar e organizar o seu tempo e o seu trabalho.


António Cerejeira, director de recursos humanos da multinacional, explica que dando mais flexibilidade e controlo alcançam maior produtividade. As valências vão desde "o horário flexível, ao teletrabalho, ao trabalho em tempo parcial, até à disponibilidade de ferramentas que lhes permite trabalhar remotamente", e António Cerejeira está convencido de que esta flexibilidade acaba por ser "determinante para a satisfação pessoal de todos os colaboradores", conferindo-lhes "sentido de autoconfiança e de compromisso".


Lígia Cabeçadas não tem dúvidas: "É uma questão cultural dentro da organização".


Na TAP, uma empresa com grande leque de profissões e idades, a generalização de horários adaptados a casos concretos é impossível, sublinha ao Negócios o director de recursos humanos. Mas há práticas em curso, como é o caso dos projectos-piloto de teletrabalho na área da contabilidade e finanças, lançados há dois anos. Outro exemplo que facilita a organização da vida familiar está na possibilidade de os casais conciliarem os voos, sendo-lhes dada prioridade no agendamento. Vítor Vale garante que "é por convicção, não por tradição" que estas práticas existem. Até porque "a tradição tem um custo".


Igualdade de género: "ainda há muito a fazer"
A persistente discriminação das mulheres no mercado de trabalho tem sido referenciada como outra das questões intimamente relacionada com as políticas de natalidade. Num relatório intitulado "Doing Better for Families", a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) mostra-se preocupada com o que considera ser um "ciclo vicioso" difícil de quebrar em torno de um ajustamento de percepções. Face à assimétrica distribuição das tarefas familiares que continua a existir, as empresas sabem que são as mães quem tem de fazer escolhas entre a família e o trabalho. Consideram-nas, por isso, menos comprometidas com a carreira e apostam menos na sua progressão. As mulheres, por seu turno, como percebem que têm menores probabilidades de chegar mais longe, acabam por aceitar encarregar-se da maior parte das tarefas associadas à família, ficando para trás no mercado de trabalho, e alimentando a perpetuação do estereótipo. Outras há que adiam ou nem sequer consideram ter filhos para não perderem a posição, adensando o défice demográfico.


Nas empresas visitadas pelo Negócios, referenciadas como alguns dos casos exemplares em matéria de responsabilidade social, não se pode falar em igualdade plena, mas encontram-se manifestações de preocupação com esta questão.


Na IBM, a primeira política de promoção da igualdade de género, raça e direito à vida privada, data de 1953. Com mil colaboradores em Portugal, 30% são mulheres que, nos cargos de chefia, chegam aos 26%. O mundo da tecnologia era, tradicionalmente, dos homens.


Na TAP, onde há funções ainda marcadamente masculinas, até aos anos 90 não havia mulheres-piloto. Hoje há 34, às quais se somam mais 30 na área da manutenção de aeronaves. Nos quadros séniores, o sexo feminino ocupa 30% dos lugares. São exemplos que Vítor Vale realça, mas para reconhecer que "ainda há muito a fazer".


A Auchan tem 66% de trabalhadores mulheres, mas a representação do sexo feminino vai descendo à medida que a hierarquia sobe. Nas chefias, as mulheres ocupam 45% dos lugares e, nos lugares de direcção, 25% - são três num total de 12 pessoas. Jorge Filipe diz que é preciso continuar o caminho, mas considera que os números são um bom indicador das preocupações da empresa com as questões de igualdade de género. O director de recursos humanos do grupo dá como exemplo o esforço que foi feito a nível interno para contrariar a divisão do trabalho que ainda hoje em dia se nota nos supermercados do país. Tradicionalmente, no talho trabalhavam homens. Na peixaria, mulheres. E operar caixas nos hipermercados era também função feminina. A decisão de terminar com a segmentação de género leva a que hoje em dia haja 30 homens nas caixas, mulheres talhantes e homens peixeiros. Como as funções masculinas são mais bem remuneradas, esta mistura contribui para esbater diferenças salariais.

 

 

 
Auchan "Colégio era pedido recorrente dos trabalhadores"
O projecto era para cinco colégios, mas o corte nos apoios fez com que a Fundação Pão de Açúcar, braço social da Auchan, só tenha construído dois: um em Alfragide, outro na Amadora. A empresa diz que era um pedido recorrente dos trabalhadores. O colégio tem horários alargados, sem multas, e trabalha quase todo o ano.

 

 

 

 


Tiago e Catarina Azevedo trabalham na Auchan. Pedro tem oito meses. Está no Colégio Rik & Rok, em Alfragide, no qual os trabalhadores Auchan têm prioridade de acesso. As mensalidades variam entre os 50 e os 350 euros, consoante os rendimentos.

 

 

 

 

 

 

 

Jorge Filipe é director de recursos humanos da Auchan e da administração da Fundação Pão de Açúcar. É a Fundação que trabalha o braço da responsabilidade social da empresa que lhe entrega 0,5% da massa salarial líquida. Jorge Filipe garante que a Fundação é diferenciada dentro do grupo e não existe, por exemplo, em França, origem da casa-mãe.

 

 

 

 

 

 

 

Ivone Machado, com o filho Diogo, no Colégio Rik & Rok, da Fundação Pão de Açúcar, em Alfragide. Ivone deixou de ter a ansiedade de ir a correr buscar o filho a uma escola com horários rígidos. Ivone foi mãe, pela segunda vez, aos 42 anos. No seu grupo de trabalho na Auchan, todas as trabalhadoras são mães.  

 

 

 


Da mesma forma que se combate a discriminação de funções pelo sexo, também o factor idade não é relevado. "A Auchan foi a empresa que mais contratou colaboradores com mais de 45 anos" - Jorge Filipe soube-o por um investigador do ISCTE que lhe telefonou para comentar os resultados do levantamento. "Recrutamos pelas competências, não em função do género ou da idade. E não é uma directriz, é uma prática que faz com que tudo isto seja natural", garante o responsável.


A persistente divisão dos papéis sociais é fruto de uma cultura profundamente enraizada na sociedade portuguesa, mas não é inexpugnável. A Auchan tem um bom exemplo disto mesmo, quando em 2008 (ainda não havia a partilha obrigatória), criou o prémio "pai do ano" para quem ficasse um mês em casa com os recém-nascidos. Jorge Filipe lembra que andou atrás dos funcionários para que se candidatassem. "O primeiro disse-me que tinha falado com a mulher e que ela respondeu: 'nem penses nisso'"; o segundo respondeu que os amigos lhe fariam a vida negra, quando soubessem. Conclusão: no primeiro ano, o prémio ficou sem galardoado. No ano seguinte, obrigou um dos psicólogos da empresa a ficar um mês em casa e a receber o troféu. E, a partir daí, a maior participação dos pais começou a ser mais natural - até porque o Estado também ajudou quando introduziu a licença obrigatória de 10 dias e promoveu a partilha do resto.


Num mercado de trabalho cada vez mais feminizado, Sandra Ribeiro, da CITE, considera que a promoção da igualdade e a partilha de responsabilidades parentais é benéfico para as próprias empresas. "Nunca existiu em Portugal uma mão-de-obra feminina tão especializada, com tanto 'know-how', mas, paradoxalmente, não chegam aos quadros de direcção, faltam muito mais ao trabalho devido ao apoio à família - dos mais novos e dos mais velhos. São mulheres que, a uma altura, se eclipsam e a empresa não retira tudo o que podia retirar delas. Os empresários percebem que não é bom perderem tanta força feminina" por causa das questões familiares", explica ao Negócios. Ainda assim, os números voltam a mostrar que da teoria à prática há um grande hiato. Segundo números fornecidos pela CITE ao Negócios, no ano passado quase 30% dos homens não chegou a tirar licença parental, apesar das sanções que a renúncia ao direito acarreta para os empregadores. Outro dado paradigmático é o das faltas ao trabalho: as mulheres têm um grau e absentismo incomparavelmente maior e, na esmagadora maioria das situações, para prestarem assistência à família.


Boas práticas: boas, mesmo quando não são mensuráveis
Entre alguns dos casos referenciados como tendo boas práticas ao nível da responsabilidade parental, há a convicção de que, embora lentamente, elas acabam por ter um retorno positivo para as empresas. "As políticas de recursos humanos não têm resultados imediatos", começam a ser visíveis ao fim de cinco, seis anos, explica Jorge Filipe, da Auchan. Mas, a prazo, compensam. Mais do que práticas avulsas, Jorge Filipe orgulha-se de ter desenvolvido uma política que actua em várias dimensões da vida laboral - "não é pelo facto de estarmos num sector conotado como feios, porcos e maus que não podemos fazer diferente", sustenta. Desde logo, na estabilidade profissional: a Auchan diz ter 94% dos funcionários no quadro, 80% dos quais a tempo inteiro e uma taxa de rotatividade de apenas 6%. E estabilidade é um valor precioso para dar maior segurança a quem trabalha. Depois, a igualdade ao nível dos benefícios: "tudo o que tem o director-geral tem o colaborador-base". Desde o seguro de saúde, até à distribuição de lucros. 80% dos trabalhadores recebem o prémio anual que varia em função dos resultados - em 2013, foram distribuídos 11 milhões de euros. Para alguns trabalhadores, chega a representar mais três salários. Medidas que "promovem um clima social diferente na empresa", com mais produtividade e menor absentismo, considera.


No Banco Santander, que também integra o "Fórum Empresas para a Igualdade de Género" promovido pela CITE, também não há uma medida exacta sobre o impacto das medidas de conciliação da vida pessoal e profissional e igualdade do género na produtividade. "Mas os níveis de satisfação dos nossos colaboradores, que são avaliados a cada dois anos, indicam um aumento gradual ao longo dos últimos anos", garante Isabel Viegas, directora de recursos humanos do Santander Totta, para quem o banco "está no bom caminho".


António Cerejeira, da IBM, também não tem dúvidas de que "as políticas de flexibilidade e as medidas que facilitam a conciliação entre vida pessoal, familiar e profissional contribuem para a empregabilidade, para a retenção e atracção de talentos". Afinal, acrescenta, não é apenas o salário que é valorizado no momento de escolher o emprego.

 

 

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