Notícia
Costa contra Costa por causa de Isabel
É uma guerra aberta entre o primeiro-ministro e o antigo governador. Depois de António Costa ter anunciado um processo judicial, Carlos Costa afirma que foi o chefe de governo a confirmar uma “tentativa de intromissão”.
O anterior governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, garante que o primeiro-ministro lhe comunicou, em 2016, que “não se podia tratar mal a filha do presidente de um país amigo”, numa referência ao momento em que Carlos Costa tentava afastar Isabel dos Santos do Banco Bic (hoje Eurobic). É o contra-ataque do ex-governador ao chefe de governo, que anunciou um processo judicial contra o antigo supervisor.
António Costa reagiu quase de imediato, repetindo que estas alegações, como as anteriores, são “falsas” e “ofensivas” do seu bom nome e honra, insistindo que vai “agir legalmente” contra Carlos Costa.
Na apresentação do livro “O Governador”, da autoria do jornalista Luís Rosa, o antigo líder do BdP elevou a fasquia da guerra aberta com o chefe do executivo: “Confirmo que o primeiro-ministro me contactou no dia 12 de abril de 2016 e que nessa chamada me comunicou que não se podia tratar mal a filha de um país amigo”, afirmou, para logo de seguida acrescentar – e repetir a ideia – que há poucos dias o primeiro-ministro enviou “uma mensagem em que confirma que tinha feito esse telefonema a comunicar que não se podia tratar mal a filha do presidente de um país amigo”.
“É o próprio primeiro-ministro que confirma a tentativa de intromissão do poder político junto do Banco de Portugal”, reiterou.
Marques Mendes quer investigação à venda do Banif
As afirmações de Carlos Costa pareceram servir de resposta ao discurso imediatamente anterior, de Luís Marques Mendes. O social-democrata e comentador, que apresentou a obra, questionou: “O primeiro-ministro considerou inoportuna a saída de Isabel dos Santos? Fez algum contacto com o governador nesse sentido? Sim ou não? Houve ou não uma intervenção junto do Banco de Portugal?”
Constatando que “vai haver um processo” na justiça, Marques Mendes realçou que “uma intervenção desta natureza é grave e ilegítima, como seria uma intervenção no poder judicial”.
O comentador sublinhou ainda aquela que diz ser a “mais explosiva” revelação do livro: o processo de resolução do Banif e da posterior venda ao Santander. “Espero que o Ministério Público possa ler os capítulos na parte que tem a ver com o Banif. E, sendo Portugal um Estado de Direito, não pode deixar de abrir um inquérito”, disparou.
Marques Mendes lembra que “no final de 2015 havia um processo de venda do Banif”, mas argumenta que o livro mostra que, “ao mesmo tempo, de forma confidencial e nas costas de toda a gente, o Governo informava Bruxelas que o Banif estava em resolução”. Isto numa altura em que o BdP “ainda não tinha tomado qualquer decisão nesse sentido”, afirmou. “Por muito menos já vi o Ministério Público abrir inquéritos e constituir arguidos”, acrescentou.
Na altura, afirmou, “havia pessoas e entidades em Bruxelas que, em articulação com o Governo, diziam quem devia ser o comprador do Banif”. Essas pessoas, continuou, são “dois portugueses e uma cidadã estrangeira”. O comentador considera que “os principais intervenientes nesta história devem explicações às autoridades e ao país”.
O antigo Banif foi vendido ao Santander em 2015 por 150 milhões de euros, mas a operação envolveu um apoio total de 2,4 mil milhões de euros de dinheiro público.
“Multiplicidade de intervenções” do BdP
Sobre os dois mandatos de governador, Carlos Costa afirmou que “o Banco de Portugal nesse período contou muito mais do que aparentemente se pensa quando se olha para as notícias”. Querendo oferecer “um contributo para a compreensão dos problemas”, uma tarefa que considera “de interesse público”, o ex-governador afirmou que houve “uma multiplicidade” de intervenções do regulador durante a década em que esteve à frente do banco. Costa destacou duas: “Estabilidade macrofinanceira e a estabilidade financeira”, áreas em que o BdP “esteve presente intensamente”.
O livro “O Governador” relata o período de dez anos (entre 2010 e 2020) durante os quais Costa liderou o Banco de Portugal.
Cavaco, Passos, e Teixeira dos Santos na plateia
A apresentação do livro na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, ficou também marcada pela presença do líder do PSD, Luís Montenegro, e de várias figuras sociais-democratas do tempo da troika, como Cavaco Silva e Passos Coelho, e de vários ministros desse governo, como Pires de Lima ou Aguiar Branco. O ex-chefe de Estado Ramalho Eanes, e o ex-ministro Teixeira dos Santos também estiveram presentes. Já Francisco Assis deveria ter apresentado a obra mas faltou, justificando a ausência, numa mensagem, com o processo anunciado por António Costa.