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Carlos Costa: "Não vejo por que razão é que não devo prosseguir" no Banco de Portugal
Em entrevista ao Público, o governador do Banco de Portugal fala em relações "normais" com o Governo. Carlos Costa recusa ter omitido informação à comissão de inquérito e diz que só não enviou a documentação noticiada pela SIC por estar sob sigilo.
Carlos Costa, que tem mandato para governador do Banco de Portugal até 2020, recusa sair antes dessa data. "Não vejo por que razão é que não devo prosseguir", considera o governador em entrevista ao jornal Público publicada esta quarta-feira, 8 de Março, dias depois de publicada uma reportagem na SIC sobre o trabalho do regulador no BES e de se terem renovado as críticas ao seu líder por parte dos partidos políticos.
"Se eu não cumprir o meu mandato, não cumpro a minha obrigação de salvaguardar a independência do Banco de Portugal", assinala o governador na sua resposta na entrevista. Para Carlos Costa, só se não fosse capaz de garantir a independência da autoridade monetária é que não teria condições para estar no cargo. E não acredita que isso esteja a acontecer.
O número 1 do Banco de Portugal defende ter "um compromisso muito forte com a missão e os objectivos" do regulador, sendo que, na sua opinião, eles estão a ser alcançados, "nomeadamente o objectivo da estabilidade financeira".
Carlos Costa, governador desde 2010 quando entrou para substituir Vítor Constâncio, foi reconduzido em Maio de 2015 para o cargo, depois da derrocada do BES. Na altura, os partidos de esquerda, que estavam na oposição, criticaram a decisão do Governo de Passos Coelho e Paulo Portas por ser tomada após a queda do BES. Mais de ano e meio depois, os ataques a Carlos Costa voltam a ganhar força, com o próprio PS, por Carlos César, a dizer que a continuidade do governador teria de ser avaliada.
Costa não consegue "imaginar" porque Governo o afastaria
Apesar desta afirmação do líder da bancada parlamentar socialista, Carlos Costa refere que as relações com o Governo "são normais". E recusa a ideia de que, após a venda do Novo Banco, possa vir a ser destituído: "As relações que tenho com o Governo do ponto de vista institucional não me permitem, de forma nenhuma, imaginar uma situação dessas".
Uma afirmação feita apesar do braço-de-ferro que se tem mantido entre o regulador e o Ministério das Finanças no que diz respeito à nova composição da administração. O governador insiste em Rui Carvalho para administrador mas Mário Centeno não dá o seu aval ao nome.
"Um governador só pode ser demitido das suas funções se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se tiver cometido falta grave", indica o Protocolo relativo aos estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu, para o qual remete a Lei Orgânica do Banco de Portugal no que diz respeito à saída do governador. Ao longo da entrevista ao Público, o governador recusa ter cometido falhas que justifiquem a sua saída.
Documentos não trazem novas provas, segundo Carlos Costa
A reportagem da SIC, da autoria de Pedro Coelho, dava conta de um documento interno do regulador, datado de 8 de Novembro de 2013, que não fora entregue na comissão parlamentar de inquérito à gestão do BES e GES. Esse documento defendia uma actuação sobre Ricardo Salgado, na altura presidente do banco. "São documentos de trabalho e, tal como foi transmitido à comissão parlamentar de inquérito, os documentos de trabalho não são abrangidos pelo dever de divulgação", argumenta o governador.
Segundo o que diz ao Público, o documento é uma "reflexão interna" que sugere prosseguir com a reflexão que estava já a ser feita, de modo a permitir olhar para o que se passava no BES e o que poderia ser feito em relação aos seus administradores. Carlos Costa mantém, no entanto, que não poderia fazer mais: à data, a destituição do banqueiro, através da retirada de idoneidade, só poderia ser feita com condenações judiciais transitadas em julgado, o que não acontecia com Ricardo Salgado que, actualmente, é arguido em três processos (Monte Branco, Universo Espírito Santo e Operação Marquês).
A reportagem da SIC foi dividida por três dias (1, 2 e 3 de Março), sendo que nas duas primeiras emissões o Banco de Portugal optou por fazer dois esclarecimentos. No primeiro, o regulador dizia, por exemplo, que, "no final de 2013, o Banco de Portugal não dispunha de factos demonstrados que - dentro do quadro jurídico então aplicável e atenta a jurisprudência dos tribunais administrativos superiores - permitissem abrir um processo formal de reavaliação de idoneidade dos administradores em causa".
A mesma consideração é feita sobre o documento entregue por Fernando Ulrich ao regulador em Agosto de 2013, que também falava na situação do Grupo Espírito Santo. "O BPI entregou um documento que foi devidamente tido em conta, embora não acrescentasse ao que já conhecíamos". Nessa altura, havia já uma avaliação da situação devido às análises às carteiras de crédito dos bancos (ETRICC). "Assim, a avaliação do GES realizada pelo BPI em nada alterou a análise e o planeamento em curso no Banco de Portugal, nem contribuiu para os resultados que vieram a ser apurados no ETRICC 2", havia já dito o regulador no segundo esclarecimento da semana passada.
BES caiu por "mão humana"
Em relação ao BES, Carlos Costa frisa ainda ao jornal Público na entrevista publicada esta quarta-feira que a queda do BES se deveu a "mão humana". "Neste momento está em segredo de justiça, mas não foi senão mão humana que fez com que o BES, de um momento para o outro e surpreendendo todos (incluindo quadros do banco, apresentasse uma perda de uma dimensão que jamais poderíamos antecipar)". "Há motivos suficientes para pensar que o banco teve um processo de descapitalização que só se revelou no final do segundo trimestre", repete.
A 30 de Julho de 2014, o banco apresentou prejuízos de 3.577 milhões de euros. A 3 de Agosto, foi alvo da medida de resolução que o dividiu entre Novo Banco, com os activos e passivos considerados saudáveis, e o BES "mau". Nessa data, Carlos Costa foi mais agressivo: "O Grupo Espírito Santo, através de entidades não financeiras não sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, situadas em muitos casos em jurisdições de difícil acesso, desenvolveu esquemas de financiamento fraudulento entre as empresas do grupo". A queda do BES está a ser investigada nos processos Universo Espírito Santo.