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A história do papel comercial tem dois anos e meio. Estará no princípio do fim?

Ricardo Salgado liderou o BES, que colocou papel comercial do GES nas mãos de particulares. Carlos Costa quis proteger o BES da colocação mas acabou a proteger o Novo Banco da deterioração dos rácios. Também arranjou um problema com Carlos Tavares.

Miguel Baltazar
30 de Março de 2016 às 17:06
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Recuemos a 15 de Outubro de 2013. A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários assume que está a acompanhar, "com especial atenção", a colocação de títulos de dívida de curto prazo do Grupo Espírito Santo. É o papel comercial, que está a ser vendido aos balcões do Banco Espírito Santo. A comercialização junto de clientes do banco é a forma encontrada para contornar um limite colocado a um fundo que estava a financiar as empresas do grupo encabeçado por Ricardo Salgado. Empresas que acabariam por entrar em insolvência, deixando os clientes sem o investimento e sem os juros acordados. Dois anos e meio depois, inicia-se um caminho para que seja possível arranjar uma solução para estes investidores. 

 

Não foi fácil chegar-se aqui. Há um ano, a ideia de uma solução parecia distante. Esta quarta-feira, 30 de Março de 2016, assina-se um memorando de entendimento que une várias entidades: Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, Associação de Indignados e Enganados do Papel Comercial, BES "mau" e Governo. É um memorando e não uma solução. Vai apenas criar as bases de negociação, definir um calendário para que possa haver uma solução. Não há, ainda certezas. Mas há, pelo menos, uma sintonia entre as entidades que nem sempre houve.

 

Nas últimas semanas, realizaram-se reuniões, dinamizadas por indicação do primeiro-ministro António Costa, que nomeou o representante Diogo Lacerda Machado (que também negociou a reversão da privatização da TAP), para tentar criar um mecanismo de conciliação entre as partes. Começaram por ser apenas entre os reguladores mas, depois, a porta abriu-se ao BES e à associação que reúne alguns dos titulares de papel comercial da Espírito Santo International e da Rioforte.

 
O papel comercial como ataque de Costa contra Costa

A mudança de Governo, com a subida de António Costa ao poder, trouxe um novo ímpeto ao caso do papel comercial. "Não cabe ao Estado resolver" a polémica destes títulos, era a posição do anterior primeiro-ministro Pedro Passos Coelho.  O antigo líder do Executivo mostrou-se, sim, disponível para criar uma subscrição pública que permitisse pagar aos lesados sem recursos para irem para tribunais reclamar as suas dívidas. Uma indicação que não foi bem recebida e que mereceu críticas. A subscrição pública nunca chegou a avançar.

 

A associação de lesados, a AIEPC, sempre acreditou, contudo, que o Governo PSD/CDS pudesse ajudar os lesados na sua luta. Motivo pelo qual, antes das eleições, nunca quis mostrar preferências – a associação presidida por Ricardo Ângelo até promoveu um protesto junto do Museu da Electricidade, local onde foi feito um debate eleitoral entre António Costa e Passos Coelho. Foi António Costa a ganhar as eleições. 

 

Antes e depois das eleições, o socialista usou o papel comercial como ponto de batalha. Não fez compromissos mas foi dando sinais de que queria intervir. Usou o tema, também, para atacar: fê-lo contra o governador Carlos Costa a quem, publicamente, acusou de estar a adiar uma solução para os detentores de papel comercial do GES. "Tenho de lamentar a forma como a administração do Banco de Portugal tem vindo a arrastar uma decisão sobre estas matérias", declarou.

 

O governador foi uma peça central na questão do papel comercial. Foi Carlos Costa que obrigou o grupo BES, sob o comando de Ricardo Salgado, a constituir uma provisão para cobrir o papel comercial nas mãos de clientes. Objectivo? Proteger o BES de um risco reputacional, por ter vendido papel comercial emitido por empresas que estavam em insolvência. Mais grave: uma das empresas, a de topo (ESI), tinha contas manipuladas.

 

A provisão foi constituída mas, depois, veio a resolução do BES, a 3 de Agosto de 2014. Inicialmente, tanto o Novo Banco como o Banco de Portugal disseram que a responsabilidade relativa ao papel comercial tinha transitado para a instituição primeiro presidida por Vítor Bento e depois por Eduardo Stock da Cunha. A partir de Janeiro de 2015, o regulador deixou de dizê-lo: o Novo Banco não tinha qualquer obrigação de pagar o papel comercial.

A luta entre reguladores

 

Carlos Costa retirou do Novo Banco a responsabilidade de pagar o papel comercial
Carlos Costa retirou do Novo Banco a responsabilidade de pagar o papel comercial Bruno Simão/Negócios

Veio, daí, a guerra jurídica entre os reguladores, com argumentos sobre quem deve pagar e com acusações sobre quem deveria ter assegurado a supervisão daqueles títulos.

 

No primeiro ponto, a CMVM entendia "que foram criadas expectativas jurídicas aos subscritores destes produtos, quanto à restituição do capital investido, susceptíveis de determinar ou de interferir com decisões quanto à manutenção ou não dos investimentos". 

O Banco de Portugal, por sua vez, recusava que o Novo Banco tivesse obrigação de pagar – fazê-lo poderia inverter a hierarquia de credores da instituição e levantar dúvidas legais. Além disso, o banco estava a ser vendido - uma responsabilidade adicional seria um entrave a uma boa operação de compra. 

 

cotacao [Os títulos de papel comercial] constituem inequivocamente instrumentos financeiros cuja supervisão compete à CMVM Carlos Costa Governador do Banco de Portugal

No segundo ponto da discórdia, o regulador da banca dizia que os títulos de papel comercial "constituem inequivocamente instrumentos financeiros cuja supervisão compete à CMVM". O regulador presidido por Carlos Tavares discordava. A colocação de papel comercial junto de investidores sempre foi particular. Só teria de haver um prospecto público se a distribuição fosse dirigida a 150 pessoas. As várias emissões foram distribuídas, em separado, a um máximo de 149 investidores.

 

Ao todo, são cerca de 2.000 investidores, com perto de 500 milhões (os números vão variando porque, no âmbito das reuniões, foram retirados determinados investidores que se percebeu não serem tradicionalmente de retalho), aqueles que aguardam uma solução que passe pelo reembolso. Chegou a haver propostas de devolução. Os lesados pediam poupanças no Novo Banco em troca do reembolso gradual. A CMVM também propôs a troca de papel comercial por dívida subordinada. Nenhuma avançou.

 

Veio, depois, a ideia do mecanismo de mediação e conciliação. A assinatura do memorando de entendimento é esta quarta-feira, 30 de Março. Para novidades, é preciso avançar no tempo. 

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