Notícia
10 respostas para perceber a queda do Banif
A implosão do Banif foi tão surpreendente quanto uma longa deterioração financeira pode ser. Na ressaca da decisão do Governo, o Negócios explica os temas mais elementares da nova crise bancária.
1 - Qual era o problema do Banif?
O Banif foi um dos quatro bancos nacionais a recorrer ao dinheiro emprestado para cumprir os rácios de solidez. No último dia de 2012, foi acordada a injecção de 1,1 mil milhões (700 milhões em acções, que deu a maioria do capital ao Estado; 400 milhões por instrumentos híbridos, os CoCos), autorizada provisoriamente pela Comissão Europeia. Um dos compromissos assumidos pelo banco fundado por Horácio Roque era a reestruturação, com a redução da estrutura. O banco teria de ir devolvendo a ajuda estatal, para que a autorização de Bruxelas fosse permanente. Foram devolvidos 275 milhões de euros em CoCos. Não foram reembolsados, na data marcada, os 125 milhões em falta. Motivo que levou Bruxelas a uma investigação aprofundada, para averiguar se a ajuda estatal era ilegal por conferir um benefício concorrencial ao Banif. O Estado não foi capaz de encontrar um comprador para a sua participação accionista no banco e, no final de 2015, Bruxelas pressionou para uma solução. Sem a venda, e se Bruxelas considerasse a ajuda ilegal, o Estado teria de ir buscar o dinheiro ao banco, o que colocaria os seus rácios em risco e obrigaria a uma intervenção, que poderia ser desordenada.
2 - Porque não foi resolvido antes?
A Direcção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia não aceitou nenhum dos oito planos de reestruturação apresentados pela gestão de Jorge Tomé. E só com um plano aprovado é que era viável a salvação da instituição. Ao mesmo tempo, o Governo de Pedro Passos Coelho também se foi deparando com a dificuldade de vender a participação de 60,5% que o Estado detinha no Banif. A antiga ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, defendeu que havia interessados mas nunca chegou, ao Ministério das Finanças, qualquer proposta de compra. Jorge Tomé lamentou, na semana antes da queda do Banif, em entrevista à SIC, que nunca tenha sido lançado um processo formal de venda (a não ser aquele que ocorreu na última semana de vida da instituição, em Dezembro deste ano). Entretanto, um processo de alienação, a ocorrer na primeira metade do ano, teria colidido com o concurso, falhado, de venda do Novo Banco. A ex-governante defende que os dois processos não estavam relacionados e nenhum colocou obstáculos ao outro.
3 - O que precipitou a intervenção do Estado?
No início de Outubro, a auditora do banco escreveu ao Banco de Portugal avisando para novas dificuldades de capital na instituição, nomeadamente para garantir rácios de capital mais exigentes que entrarão em vigor no próximo ano. Injectar mais dinheiro público sem uma resolução da instituição não era uma opção permitida por Bruxelas, que exigia também que o Estado não perdesse dinheiro na venda do Banif. Além disso, as novas regras de resolução de instituições financeiras, que entrarão em vigor em 2016, poderão obrigar ao envolvimento dos depositantes com mais de 100 mil euros, o que não era desejado pelo Governo de António Costa que tomou posse no final de Novembro. Foi assim tomada a decisão, apoiada por Bruxelas, de encontrar uma solução para o banco até ao final do ano. Uma corrida aos depósitos na última semana após uma notícia que dava conta do risco de fecho da instituição, precipitou a necessidade de uma solução urgente.
4 - Porque custou tanto dinheiro?
O Estado poderá ter de mobilizar 3.001 milhões de euros nesta intervenção. Com a intenção de salvaguardar a estabilidade financeira (uma liquidação representaria, para o Banco de Portugal, "um enorme risco sistémico e uma séria ameaça para a estabilidade do sistema financeiro e dos interesses públicos em presença"), o Estado pagou 2.100 milhões para que o Santander Totta ficasse com o negócio tradicional do Banif (foram gastos 2.255 milhões nesta parte da operação, mas o banco devolveu 150 milhões pela compra). O montante é elevado porque o Estado tem de fazer face à desvalorização dos activos do Banif (perdem valor no contexto de uma resolução) e também porque o Totta compra o negócio do Banif a cumprir os requisitos mínimos a serem exigidos, pelos reguladores, no próximo ano. Há mais 323 milhões numa garantia, para o caso dos activos transferidos sofrerem uma desvalorização adicional. A somar a isto, 422 milhões de euros foram aplicados no veículo de gestão de activos, onde está por exemplo a participação na Açoreana. Só que o auxílio do Estado ainda é maior porque há a acrescentar ainda os 825 milhões que o Estado não viu serem-lhe devolvidos da injecção de 1,1 mil milhões do final de 2012.
5 - Quem é que paga a intervenção?
Na sua grande maioria pagam os contribuintes. A medida de resolução implica perdas para os restantes accionistas (os 450 milhões de euros que foram injectados no aumento de capital em 2013), assim como os detentores de obrigações subordinadas (268 milhões de euros), mas os cofres públicos são os que mais sofrem. Para começar, perderam-se os 825 milhões de euros que estavam no banco desde a recapitalização pública de 2013. A esse valor juntaram-se agora 1.776 milhões de uma nova recapitalização feita pelo Tesouro (dinheiro irrecuperável) e 489 milhões de euros de uma injecção de capital pelo Fundo de Resolução (que teve de pedir emprestado dinheiro ao Tesouro, mas que depois o pagará ao longo dos anos com as contribuições que forem pagas pelos bancos). Foram ainda concedidas garantias públicas de 750 milhões de euros a activos que transitaram para o Santander, e que constituem perdas potenciais para os contribuintes.
6 - O Banif acabou?
O Banif não acabou, mas não durará muito. O Banif passa a ser um banco de transição no qual "permanecerá um conjunto muito restrito de activos, que será alvo de futura liquidação, bem como as posições accionistas, dos créditos subordinados e de partes relacionadas", como anunciou António Costa. É um "zombie". Depois há ainda a sociedade de gestão de activos criada pela resolução – a Naviget – como fundos imobiliários, a Açoreana ou a Banif Imobiliária, bem como a rede de balcões e a de banca empresarial, que foi comprada. O Santander Totta aceitou pagar 150 milhões de euros para ficar com a carteira de clientes do Banif. Isto é, ficou com os depósitos das famílias e empresas, mas também com os créditos que estes contraíram junto da instituição. Os clientes do Banif passam a ser do Santander Totta que só a prazo irá realizar a integração da rede agora adquirida. Até Março, os balcões roxos passarão a adoptar o vermelho do banco detido pelo grupo espanhol Santander.
7 - O Estado ainda pode recuperar dinheiro?
Pode, mas pouco. O Governo garante que com esta operação as perdas dos contribuintes ficam limitadas a 2,4 mil milhões de euros de injecções de capital (o resultado das injecções de capital de 825 milhões de euros em 2013 e 1.776 milhões em 2015, subtraídas dos 150 milhões de euros pagos pelo Santander para ficar com o negócio do Banif). A este montante podem somar-se as garantias de 750 milhões de euros concedidas pelo Estado. O Governo tem no entanto a expectativa de conseguir realizar algum dinheiro com a venda de activos de um veículo financeiro que transitou para o Fundo de Resolução. Esses ganhos são no entanto incertos. O dinheiro injectado pelo Fundo de Resolução na sequência da resolução – 489 milhões de euros financiados com um empréstimo do Tesouro – será recuperado ao longo dos anos com contribuições da banca.
8 - O que ganha o Santander Totta?
Ao comprar os activos bons do Banif, o Santander Totta ganha dimensão no sistema financeiro nacional. Consegue superar o Banco BPI, considerando-se o "segundo maior banco privado português". Fica atrás do privado BCP e também da CGD e do Novo Banco, que continua na órbita do Estado já que o Fundo de Resolução é o accionista. Ficará com "uma quota de mercado de 14,5% em créditos e depósitos", diz. São mais 2,5 pontos percentuais do que antes da operação. Considerando os dados do Banif ao final do terceiro trimestre, o Totta conquista um total de 3.211 milhões de euros em crédito só de clientes particulares, a que se juntam mais 6.182 milhões de euros em depósitos das famílias. E aumenta a sua rede de balcões, mas essencialmente conquista geografias. O Banif contava com 161 agências bancárias no final de Setembro que agora vão passar para o Totta, sendo que uma parte substancial destas são na Madeira, de onde o banco é originário. O Santander Totta contava com apenas 10 balcões na região. O Banif tem 26.
9 - Quem é o responsável pela queda do Banif?
É uma pergunta de difícil avaliação e com muitos "se" e vários intervenientes. O banco cai agora na sequência de, em 2012, ter recebido um auxílio estatal decidido pelo Executivo de Pedro Passos Coelho. Na altura, o compromisso assumido era o de apresentar-se um plano de reestruturação que limitasse a distorção da concorrência. A equipa de Jorge Tomé e de Luís Amado nunca foi capaz, ao longo destes anos, de apresentar um plano que recebesse a aprovação da Comissão Europeia. O anterior Executivo não encontrou comprador para a posição do Estado. O actual Governo de António Costa decidiu, numa semana, aplicar uma medida de resolução ao banco porque, defendeu, estava sob pressão da Comissão Europeia para o fazer. Fê-lo com a venda do negócio ao Totta, recebendo 150 milhões mas pagando 2.225 milhões. Também o Banco Central Europeu teve uma palavra a dizer porque terá ameaçado deixar de reconhecer o Banif como seu contraparte. Em todos estes anos, o Banif esteve sempre sob o olhar do Banco de Portugal, que não impediu a queda.
10 - Qual a diferença em relação ao BES?
Resolução: a palavra entrou nos últimos anos no léxico português e europeu e deve-se ao facto de a Europa querer deixar de impor perdas aos contribuintes para salvar bancos; as perdas devem ser impostas a accionistas e detentores de dívida subordinada (a partir de 2016, os prejuízos ficarão também a cargo de quem tem dívida sénior e depósitos com mais de 100 mil euros). O BES foi alvo de uma medida de resolução em Agosto de 2014 e o Banif foi-o em Dezembro de 2015. No primeiro, a decisão deveu-se a operações descobertas pouco antes da resolução, que colocaram o banco em incumprimento face às exigências do BCE. Uma situação de pressão que impediu encontrar-se um investidor privado que capitalizasse o banco. Além de tudo isto, o Banco de Portugal falou em indícios de fraude na administração de Ricardo Salgado. Não há esses indícios no Banif; mas, de resto, há algumas parecenças. O que estava em causa era a possibilidade de o Estado ser obrigado a "ir" buscar ao banco o dinheiro que emprestou, se Bruxelas considerasse a ajuda de 2012 ilegal, o que destruiria a viabilidade da instituição, obrigando a uma liquidação e colocando-a em incumprimento face às exigências do BCE (o que teria impacto nos depósitos e nos postos de trabalho).