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Factos e números de Passos e Costa no segundo debate. Verdadeiros ou falsos?

Ao longo do segundo debate que os opôs nesta pré-campanha para as legislativas, António Costa e Pedro Passos Coelho referiram vários indicadores e referências a políticas económicas e de âmbito social. Veja a avaliação do Negócios às declarações dos dois líderes partidários.

Bruno Simão/Negócios
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ESCOLARIDADE OBRIGATÓRIA DE 12 ANOS 

"Houve um Governo do PS que prometeu escolaridade obrigatória de 12 anos mas foi este Governo que o fez em 2012, este ano tivemos os primeiros jovens que concluíram a escolaridade obrigatória".

Passos Coelho

Foi efectivamente em 2012 que a escolaridade obrigatória de 12 anos entrou em vigor. Neste aspecto, a afirmação de Pedro Passos Coelho está correcta. A partir desse ano, e já com o Ministério da Educação tutelado por Nuno Crato, foi aumentado em três anos o período de frequência obrigatória do ensino para crianças e jovens entre 6 e 18 anos, cessando essa obrigação quando o aluno obtenha o diploma de um curso correspondente ao nível de ensino secundário, ou quando complete os 18 anos de idade.

Esta medida não deve contudo ser encarada como uma "promessa" eleitoral do anterior Governo socialista, cuja pasta da Educação era tutelada à altura por Maria de Lurdes Rodrigues. É certo que em 2009 foram realizadas eleições legislativas, mas a decisão já havia sido aprovada na Assembleia da República no dia 10 de Julho desse mesmo ano.

PS, PCP, BE e PEV aprovaram então a proposta de lei do Governo - tendo PSD e CDS-PP optado por abster-se – que veio estabelecer o regime da escolaridade obrigatória para as crianças e jovens em idade escolar. O Presidente da República viria a promulgar o diploma em pleno mês de Agosto de 2009.


DISCRIMINAÇÃO DAS FAMÍLIAS MONOPARENTAIS NO IRS

"Tivemos um tratamento mais favorável para as famílias monoparentais" no IRS
Passos Coelho 

No IRS, há, grosso modo, dois tipos de deduções fiscais especificamente dirigidas aos filhos: através do novo quociente familiar, onde os filhos são levados em conta no apuramento do escalão e da taxa que a família vai pagar (artigo 69º do Código do IRS); e nas deduções pessoais, onde cada filho vale um desconto automático de IRS (as chamadas "deduções de ascendentes e dependentes, previstas no artigo 78º-A do CIRS).

Esta segunda categoria, de "deduções de ascendentes e dependentes", sempre existiu, e foi aumentada em 2015. Cada filho vale um desconto automático na colecta dos pais de 325 euros e, caso a família seja monoparental, o desconto é reforçado para 435 euros. Antes já existia este acréscimo para famílias monoparentais (a dedução era de 213,75 por filho que, caso estivesse numa família monoparental, subia a 403,75 euros).   

 

A mudança de fundo ocorrida em 2015 foi a introdução do quociente familiar, que não existia. Este quociente vem permitir que cada filho seja levado em conta na hora de apurar a taxa de IRS que a família paga, mas a poupança que este quociente permite tem limites. E é nestes limites que as famílias monoparentais saem negativamente discriminadas. Esses limites são os seguintes: 

Quando as famílias optam por ter tributação separada (os filhos são divididos ao meio no quociente, pelo que o limite é por cada sujeito passivo) 

    i) 300 euros nos agregados com um dependente ou ascendente;

    ii) 625 euros nos agregados com dois dependentes ou ascendentes; e

    iii) 1 000 euros nos agregados com três ou mais dependentes ou ascendentes;

Nas famílias monoparentais:

    i) 350 euros nos agregados com um dependente ou ascendente;

    ii) 750 euros nos agregados com dois dependentes ou ascendentes; e

    iii) 1 200 euros nos agregados com três ou mais dependentes ou ascendentes;

Famílias com tributação conjunta:

    i) 600 euros nos agregados com um dependente ou ascendente;

    ii) 1 250 euros nos agregados com dois dependentes ou ascendentes; e

    iii) 2 000 euros nos agregados com três ou mais dependentes ou ascendente

 

Como se vê, a poupança que as famílias monoparentais podem ter é inferior à que as famílias "tradicionais" obtém, quer optem pela tributação separada (já que os limites multiplicam por dois) quer na tributação conjunta.

É argumentável que, como a reforma do IRS veio beneficiar todas as famílias com filhos, em geral, as famílias monoparentais também estão mais beneficiadas do que no passado. Tal é factualmente verdadeiro. Contudo, o que está aqui em causa é que quando comparadas com as famílias "tradicionais", as famílias monoparentais passaram a beneficiar menos do que as primeiras. 


QUOCIENTE FAMILIAR E AS CRIANÇAS RICAS 

"As crianças das famílias com maior rendimento beneficiam mais do que as de menor rendimento" no IRS 

António Costa

O PS vai acabar com o quociente familiar e substituí-lo por uma dedução fixa por filho de igual montante porque, argumenta, este método do quociente permite um desconto maior às famílias que ganham mais, o que torna o imposto regressivo.

Embora a reforma do IRS tenha tido o cuidado de impor tectos máximos aquilo que cada família pode poupar com o quociente, no fim, continua a resultar que um agregado com 2.000 euros e um filho tem um desconto menor no IRS do que um agregado com um filho também, mas que ganhe o dobro. Isto, por via do quociente familiar apenas.

A dedução dos dependentes e ascendentes (que já existia e agora foi reforçada) é fixa e afecta de modo igual todas as famílias, desde que tenham colecta. 



COMPROMISSO DE DESCIDA NO IRC

"O PS [disse que] viabilizaria a reforma do IRC com a condição de, até ao orçamento deste ano, haver reforma do IRS e do IVA. Sem reforma do IRS e do IVA nós não acompanharíamos". António Costa 

Passos Coelho acusou o secretário-geral do PS de roer a corda no compromisso assumido relativamente ao IRC, que previa uma descida programada da carga fiscal sobre as empresas ao longo dos próximos anos. António Costa respondeu que o PS se tinha comprometido a aceitar uma descida do IRC mas apenas se o Governo também empreendesse reformas no IRS e no IVA. Mas não foi bem assim.

A reforma do IRC foi viabilizada por António José Seguro sob a contestação de parte da bancada parlamentar socialista. Depois de avanços e reveses nas negociações, o PS traçou como linha vermelha intransponível que o IRC só desceria no futuro se houvesse um alívio no IRS e no IVA. Isto foi o que foi dito, mas não foi o que ficou escrito no compromisso. 

A proposta que acabou por vingar, apresentada pelo PSD e pelo CDS, dizia que a taxa "deve ser reduzida" e deve baixar para 21% já em 2015 e para um intervalo entre 17% e 19% em 2016. Esta redução tem de ser precedida de uma "ponderação" da reformulação dos regimes do IVA e do IRS, especialmente no que diz respeito à redução das taxas destes impostos". E "será objecto de "análise e ponderação por uma comissão de monitorização da reforma". Ou seja, a formulação adoptada já dizia que o IRC devia continuar a baixar, e não vinculava a decisão a que aconteceria nos outros dois impostos. Apenas se exigia uma "ponderação". 


O QUE IMPLICA O PROCEDIMENTO CONCILIATÓRIO DO PS

"O que propomos nestes casos da rescisão por mútuo acordo é que possa não ser haver uma majoração da sua indemnização como possa também haver recursos ao subsídio de desemprego".
António Costa 

Ou o PS encara o novo mecanismo conciliatório que propõe como uma "rescisão por acordo" ou como um "despedimento". António Costa tem preferido o primeiro termo. E se é certo que o programa eleitoral prevê que o novo mecanismo conciliatório dê acesso ao subsídio de desemprego – o que hoje não acontece em todas as rescisões por acordo – não se pode dizer que a proposta do PS "aumente" as indemnizações pagas face às actuais situações de rescisão.

O programa eleitoral prevê que se formalize, na lei, para novos contratos, um "procedimento conciliatório", ou seja, uma espécie de acordo. A novidade está na indemnização mínima, que é fixa: "pelo menos dezoito dias por cada ano de antiguidade nos primeiros três anos e 15 dias por cada ano adicional, com um mínimo de 30 dias e um máximo de 15 meses", indemnizações que estarão "isentas de impostos".

Ora, se esta fórmula pode implicar indemnizações mais altas do que as que são pagas nos despedimentos colectivos ou por extinção de posto de trabalho de pessoas contratadas mais recentemente, o mesmo não se pode dizer em relação às rescisões por acordo. Nestes casos, o montante a negociar não está fixado, dependendo do poder negocial do trabalhador. É aliás frequente que as empresas aumentem a indemnização – para valores próximos de um mês por cada ano trabalhado, por exemplo – para conseguirem precisamente convencer o trabalhador a aceitar um acordo, que dá às empresas muito mais segurança jurídica, já que diminui drasticamente a probabilidade de ser contestado em tribunal. Para as empresas, é também essa a vantagem do novo "procedimento conciliatório": se houver acordo a pessoa prescinde de ir para tribunal, tal como o Negócios explicou em Abril e tal como António Costa deixou hoje implícito.

O PS compromete-se a garantir, em todos estes casos, acesso ao subsídio de desemprego. Actualmente, isso nem sempre acontece nas cessações por acordo. Para que uma rescisão dê direito a subsídio de desemprego é necessário que o número de trabalhadores que, num espaço de três meses, o número de trabalhadores rescindam com a mesma empresa não tenha ultrapassado 25% do quadro de pessoal (ou até 3 trabalhadores) nas empresas que empreguem até 250 pessoas; e 20% do quadro de pessoal (ou entre 62 e 80 trabalhadores) nas empresas que empreguem mais de 250 trabalhadores. Estes limites, que admitem excepções por decreto, têm sido muito contestados pelas confederações patronais. 


QUANTO VALEM OS CORTES DO PS NAS PRESTAÇÕES NÃO CONTRIBUTIVAS?

"É muito dinheiro", referiu Passos Coelho, referindo-se a um corte de mil milhões de euros nas prestações não contributivas.

"É uma despesa de 250 milhões por ano", referiu António Costa.

O debate ficou marcado pela recusa de António Costa em esclarecer como vai poupar dinheiro com a aplicação da condição de recursos a todas as prestações não contributivas. Apesar da insistência de Passos Coelho, o secretário-geral do PS não esclareceu. A discussão foi ilustrada com uma troca de valores que geram, no mínimo, algumas dúvidas.

No estudo sobre o impacto financeiro do programa eleitoral do PS, está previsto a alargamento da condição de recursos a "todas as prestações não contributivas", medida que terá um impacto de 180 milhões de euros em 2016, e de 280 milhões de 2017 em diante. Serão retirados cerca de mil milhões ao longo dos quatro anos, mas em 2019 a despesa não estará cerca de mil milhões abaixo do que em 2015, devido a esta medida. A diferença será de 280 milhões.

António Costa fez questão de esclarecer à saída do debate que o valor é mais baixo – "250 milhões por ano", disse.


QUEM APLICOU A CONDIÇÃO DE RECURSOS AO COMPLEMENTO SOLIDÁRIO PARA IDOSOS?

"O Partido Socialista disse que tinha de aplicar a condição de recursos [ao complemento solidário para idosos] mas não aplicou. Fomos nós que aplicámos essa condição recursos".
Pedro Passos Coelho

Aplicar uma condição de recursos é determinar que determinado apoio social só estará acessível a pessoas com rendimentos abaixo de um determinado limiar. Quando foi criado, em 2005, pelo Governo do PS, o Complemento Solidário para Idosos já tinha essa componente de teste aos rendimentos. Diz o decreto 232/2005 que o complemento corresponde à diferença entre os recursos do idoso em causa e o valor de referência, que nessa altura foi fixado em 4.200 euros por ano.

Para aplicar esta condição de recursos foram considerados rendimentos do trabalho, empresariais e patrimoniais, pensões, incrementos patrimoniais, entre muitos outros, incluindo o rendimento dos filhos, o que, na altura, foi até bastante polémico.

O valor de referência foi sendo sucessivamente actualizado.

O que o Governo de Passos fez foi apertar os critérios que constam dessa condição de recursos, reduzindo o limiar de referência e dessa forma excluindo pessoas dessa prestação. A não ser que, para conseguir uma quebra de 25% no número de beneficiários em dois anos, o Governo também tenha apertado o controlo prático dos requisitos que já constavam da lei sem que, no entanto, que o tenha explicado.

Um decreto-lei do início de 2013, que reduziu várias prestações sociais, estabeleceu também um corte no valor de referência do complemento solidário para idosos, de 5.022 euros para 4.909 euros, numa redução nominal de 2,25%.

A redução do valor de referência foi decidida ao mesmo tempo que o Governo decidia aumentar as pensões mínimas, o que significa que, em teoria, pode ter anulado o efeito do aumento das pensões mínimas aos pensionistas comprovadamente pobres.

Tradicionalmente, o PS defendia uma política assente no aumento do CSI enquanto o CDS preferia aumentar as pensões mínimas, mas António Costa promete agora as duas coisas.

 

REDUÇÃO DA DÍVIDA DE LISBOA POR CAUSA DOS TERRENOS DO AEROPORTO

"Se alguém fez algum favor a alguém foi a câmara de Lisboa ao Estado, que vendeu os terrenos para que a empresa pudesse ser privatizada".
António Costa

Passos Coelho voltou a trazer para o debate a redução da dívida da câmara de Lisboa (já o tinha feito há uma semana), assumindo ter sido parcialmente responsável por ela. Segundo o primeiro-ministro, "consegui até assumir uma parte significativa da dívida de Lisboa quando comprei os terrenos do aeroporto". "Só para lhe dar nota que a sua retórica sobre gestão da divida em Lisboa é vazia".

Costa negou, sublinhando que não foi o Estado que fez um favor à câmara de Lisboa mas o contrário. E reiterou que a autarquia de Lisboa amortizou a dívida.

Olhando para 2012, o ano em que o negócio foi feito, é fácil de perceber que o negócio foi proveitoso para ambas as partes. O Estado queria privatizar a ANA, empresa que gere a infraestrutura aeroportuária, e para o fazer precisava de resolver um contencioso com a câmara de Lisboa, que se arrastava desde 1989, sobre a titularidade da posse de terrenos da aerogare.

Para o negócio ir em frente foi necessário resolver esta ponta solta. Por isso, o Governo firmou um memorando de entendimento com a câmara de Lisboa, a 20 de Julho, em que se compromete a assumir "277 milhões de euros de dívida de médio e longo prazo do município de Lisboa, a que acresce um pagamento ao município de Lisboa de nove milhões de euros, totalizando 286 milhões de euros". O documento foi assinado, entre outros, pelo então ministro das Finanças, Vítor Gaspar, e por António Costa.

 

A dívida de médio e longo prazo da câmara registou, nesse ano, uma descida brutal, passando de 626 milhões de euros em 2011 para 321 milhões em 2012 (tendo registado uma subida em 2014 para 485 milhões). Isto porque, como referiu e bem Passos Coelho, a dívida de 277 milhões de euros foi assumida pelo Estado, tendo a câmara recebido em dinheiro apenas 9 milhões de euros, que teve obrigatoriamente de aplicar na liquidação da Parque Expo.

 

É que, no âmbito desse acordo, a autarquia ficou responsável por pagar 40,1 milhões de euros "no âmbito do processo de liquidação da Parque Expo".

Actualizado com pequenas correcções às 17h35

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