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Opinião
07 de Julho de 2024 às 21:44

Luís Marques Mendes: "França ficará agora politicamente ingovernável"

No seu habitual espaço de opinião na SIC, Luís Marques Mendes fala das eleições em França, da escolha de António Costa para o Conselho Europeu, do OE 2025, entre outros temas.

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 ELEIÇÕES EM FRANÇA

 

  1. Aparentemente a Frente Popular ganhou as eleições. O que prova, em primeiro lugar, que a decisão de convocar eleições, transformadas em referendo, foi um erro colossal para Macron: ele pensava ganhar e acabou a perder; o seu partido era poder e deixa de ser; o governo de centro moderado que a França tinha acabou; e a esquerda radical fica com um poder político que nunca imaginou ter. Para combater um radicalismo, a direita radical, Macron sacrificou a moderação e potenciou um radicalismo de sentido contrário.
  1. A França ficará agora politicamente ingovernável: ninguém terá maioria absoluta para governar. E qualquer governo vai ser precário e provisório. É certo que todos cantarão vitória, mas é tudo muito relativo.
  • A extrema-direita cantará vitória, como sempre faz, mas a verdade é que não consegue sequer ganhar as eleições. É um monumental banho de água fria.
  • A esquerda radical cantará vitória porque ganha e impediu a maioria absoluta da extrema-direita, mas a verdade é que dificilmente conseguirá governar.
  1. Socialmente, a França vai ficar pior do que já estava: um barril de pólvora; em clara rutura social; um país literalmente dividido ao meio. Com o Brexit muitos investidores mudaram-se de Londres para Paris. Se a esquerda radical fizer governo, os investidores farão o caminho inverso: sairão de França para o RU ou para outros Países.
  1. O Presidente ainda vai pensar que no meio deste caos emerge como o fiel da balança e o garante da estabilidade. Mas isso é pura ficção. Ele está sem autoridade política: porque foi derrotado; porque está muito fragilizado; porque cada vez mais é visto como um ativo tóxico.

 

COSTA E CARGOS EUROPEUS

  1. Com o almoço desta semana entre Luís Montenegro e António Costa encerrou-se o debate em Portugal sobre a eleição do ex-primeiro-ministro para o Conselho Europeu. Como já disse repetidamente, esta escolha é boa para a Europa e boa para Portugal.
  1. Mas há um tema, não menos importante, de que quase nunca se fala entre nós e que é de vital importância para a defesa dos interesses nacionais na Europa: é que Portugal está sub-representado ao nível dos cargos europeus. Tem poucos cargos de topo ao nível da estrutura da Comissão Europeia. Vejamos:
  • Há 39 diretores-gerais na Comissão Europeia: mas nenhum é português. No passado, já tivemos. Nos últimos anos deixámos de ter.
  • Ao contrário, a Alemanha e a França têm quatro diretores-gerais; a Espanha, a Itália e a Polónia têm três; a Finlândia, a Irlanda, os Países Baixos, a Dinamarca, a Bulgária e Chipre têm, cada um, dois diretores-gerais.
  • Por outro lado, há 250 diretores na Comissão Europeia. Destes, só oito são portugueses (3,2%).
  • E há 3.400 funcionários em escalões iniciais da carreira. Aqui, neste segmento, temos 75 portugueses (2,2%).
  1. Estamos manifestamente sub-representados na Comissão Europeia. O que não é nada bom. Afinal, os burocratas de Bruxelas mandam muito, influenciando fortemente as decisões da União Europeia. Aqui está um tema a merecer a atenção do governo e da nossa diplomacia. Até porque o Ministro Paulo Rangel tem uma especial sensibilidade nesta matéria.

 


O "PACOTÃO" DA ECONOMIA
 

  1. É um programa ambicioso, exigente e bem estruturado. Para já, no que tem de mais concreto, há dois aspetos que merecem destaque:
  • O primeiro, é um conjunto de incentivos para fusões e concentrações de empresas. É essencial. As empresas portuguesas precisam de ganhar escala e reforçar dimensão.
  • O segundo, é a redução do IRC. Como dizia um estudo académico recente da FFMS, o IRC não é o imposto dos patrões. É uma medida para atrair novo investimento, reforçar o crescimento do PIB e favorecer o aumento dos salários.
  1. É essencial acelerar a economia para criar novas oportunidades e estancar o drama da emigração. A este respeito, numa conferência promovida pela Associação BRP, foram divulgados números brutais sobre a nossa emigração:
  • Em duas décadas, um milhão e meio de portugueses saiu de Portugal, um número equivalente à eliminação de seis distritos do país; dos que continuam cá, 1 em cada 4 pensa sair do país; dos que saíram, 3 em 5 não querem regressar; e 1 em cada 3 jovens vive já hoje fora de Portugal. É impressionante.
  • De geração em geração a tendência para emigrar aumenta: na geração dos anos 60 a 80, só 12,5% tinham vontade de emigrar; na geração dos anos 90, a tendência aumentou para os 24%; e, na geração dos anos 2000 a 2010, a vontade de emigrar subiu para o dobro (48%). Dá que pensar.
  • A emigração sucede, em grande medida, por falta de oportunidades e baixos salários. E este défice tem muito a ver com o baixo crescimento da economia. Nas últimas duas décadas, o nosso PIB cresceu 26%; no mesmo período, o PIB da UE cresceu 41%. É bom refletir.
  • Além de perder população e talento, Portugal está a desperdiçar também vultuosos recursos públicos que investiu em educação. Se o custo público de um licenciado é de 98.700 euros, por todo o percurso escolar; se saíram de Portugal nos últimos 10 anos 16 a 20 mil jovens; então o Estado desaproveitou 16 a 20 mil milhões de euros só numa década. Inverter tudo isto não será fácil e rápido. Mas é decisivo.

POLÍCIAS E VENTURA

  1. Comecemos pelos factos. Este assunto é um grande berbicacho. Digo-o desde antes das eleições. Se não fosse, António Costa tinha-o resolvido. A verdade é que não só não o resolveu como foi ele que criou o problema: resolveu a situação da PJ mas adiou a equivalência na PSP e GNR. Este é o erro original deste processo. E tudo porquê?
  • Porque tudo junto custa muito dinheiro. Até porque, a seguir às Polícias, vêm os militares. E não há dinheiro para tudo. Os recursos do Estado não são ilimitados.
  • Era bom que houvesse acordo. Mas, não havendo, o governo devia começar a pagar já, imediatamente, os valores que propôs. É que cada mês que passa os policias estão a perder dinheiro. Num salário de 1.000 euros, mais 200 ou 300 euros faz toda a diferença.
  1. A seguir, temos a política. Neste caso, a tentativa do Chega de instrumentalizar os policias. André Ventura é um líder inteligente e cheio de talento. Mas teve mais um erro e mais um flop.
  • Primeiro, um erro. Um partido de direita é por norma um partido adepto da ordem e da autoridade. Não convida os polícias à desordem. Isso é papel da extrema-esquerda. Depois, um flop. Os principais sindicatos demarcaram-se de Ventura e deixaram-no sozinho. Tudo lhe correu mal.
  • Nada disto sucede por acaso. Desde 10 de março, o Chega entrou em desorientação política. Falhou ao não ter conseguido influenciar a formação do governo. Descredibilizou-se com as piruetas na eleição do PAR. E teve uma pesada derrota nas europeias, da qual ainda não recuperou. Não está a ter vida fácil.

 

CRISE NO ORÇAMENTO?

  1. Temos três questões distintas: o ruído; a realidade; e, no final, o Orçamento do Estado (OE) aprovado.
  2. Temos muito ruído e ainda vamos ter mais. O Governo dirá que, se houver crise, a culpa é do PS. O PS responderá que a responsabilidade é do Governo. Este passa-culpas é normal: faz parte da encenação política e anima a bolha político-mediática. Mas é preciso dar um grande desconto a esta conversa: ninguém quer crise e não vai haver crise.
  3. Depois, temos a realidade: Montenegro e Pedro Nuno vão negociar o OE para 2025. Nenhum dos dois tem alternativa.
  • O Governo não tem alternativa. É um governo minoritário. Tem que negociar. Doutra forma, ou não tem OE; ou, pior ainda, tem um OE desfigurado. E Montenegro, neste momento, até tem uma vantagem: está em alta, pela ação do Governo e pelo apoio a António Costa. É mais fácil negociar em alta.
  • O PS também não tem alternativa. De outra forma, gera divisões internas e fica responsável pela crise. Por isso, Mendonça Mendes já avisou: a atitude é negociar. Só que para viabilizar o OE o PS tem que ter ganhos de causa na negociação. É normal. Foi o que sucedeu no OE de Guterres, então negociado pelo PSD. Marcelo, o líder do PSD de então, teve a sua vitória: o fim da Coleta Mínima.
  1. No final, teremos OE aprovado. Passou despercebido, mas o primeiro sinal de vontade de aprovação foi dado esta semana: o governo não incluirá a descida do IRC no OE. Para não contaminar as negociações com o PS. A medida surge à parte e será aprovada com o Chega.

 

BIDEN VAI DESISTIR?

  1. Depois do desastre de Biden no debate com Trump, os democratas americanos estão aflitos e com razão. Só que qualquer solução tem tudo para correr mal: se Biden desistir, já não há tempo para escolher um novo candidato, consensual e ganhador- soa a remendo; se Biden se mantiver na corrida, o risco de derrota é cada vez maior. A idade não perdoa.
  1. Tudo corre a favor de Trump. E, todavia, a sua eleição, se acontecer, será uma calamidade perfeita.
  • Uma calamidade para a UE. Trump despreza a Europa.
  • Uma calamidade para a NATO. Trump desvaloriza a NATO.
  • Uma calamidade para a Ucrânia. Trump é amigo de Putin.
  • Uma calamidade para a segurança na Europa. O imperialismo russo reforçará as suas garras.
  • Uma calamidade para as democracias liberais. Com Trump, o populismo e a extrema-direita no mundo ganharão novo fôlego.
  1. Salva-se no meio disto a vitória trabalhista no Reino Unido. Seja-se socialista ou não, saúda-se o facto de ser uma vitória da estabilidade e da moderação. E saúda-se a eficácia da democracia britânica: na quinta-feira houve eleições e no dia seguinte já havia governo. Um exemplo notável. Quanto aos Conservadores "pagaram" pelo desastre: primeiro, o Brexit; depois, a falta de decência na governação; por fim, a falta de resultados.
  1. Uma reflexão final. Nós, portugueses, queixamo-nos dos nossos problemas domésticos. Com razão. Mas, como se vê, é tudo muito relativo. Não somos nenhum oásis. Mas estamos muito longe da calamidade que se instalou em França e que se pode instalar nos EUA.
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