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Os recados de Marcelo Rebelo Sousa para António Costa
O Presidente da República falou ao país um dia depois do primeiro-ministro. Os mais de 100 mortos causados nos incêndios de Junho e Outubro levaram Marcelo a fazer o discurso mais duro até agora.
O Presidente da República falou esta terça-feira à noite ao país a partir de Oliveira do Hospital, o concelho onde se registaram mais vítimas mortais nos incêndios deste mês. O discurso de Marcelo Rebelo de Sousa foi duro para o Governo e cheio de recados para Costa.
Marcelo arrancou a intervenção com um lado emocional muito forte. Descreveu o que que aconteceu, fez o relato de imagens chocantes de quem teve de enfrentar o fogo agora, a 15 de Outubro, depois de em Junho o país ter passado pela tragédia de Pedrógão. "Sozinhos tiveram de resistir pelas suas terras pelas suas gentes", disse também. O chefe de Estado explicou antes demais é uma pessoa por isso, alongou-se por mais de três minutos com um discurso bastante emotivo, a contrastar com o que António Costa fez um dia antes. Mais, Marcelo defendeu que "na vida e na política", "o fundamental é o que vai na alma de cada um dos portugueses".
O primeiro sinal de alerta. É com esta declaração que se percebe que Marcelo entende que os incêndios de Junho e Outubro que mataram mais de 100 pessoas o convocam a ele - até politicamente. O Presidente lembra que foi eleito para que a Constituição da República Portuguesa seja cumprida. "Ora se há realidade que objectivamente ocorreu com estas mortes, e estas duas e tão diferentes provações de um Verão interminável, foi a fragilização de muitos portugueses. Não vale a pena negá-lo." Ao levar os acontecimentos para o campo político, Marcelo sinaliza que o discurso que se segue será duro para o Executivo de António Costa, porque o seu próprio mandato está afectado pelos acontecimentos. De seguida, Marcelo enuncia os motivos pelos quais considera que os portugueses estão fragilizados. O Presidente serve aqui de intérprete do sentimento popular. "Ficaram sobretudo fragilizados perante a ideia da impotência, da sociedade e dos poderes públicos em face de tamanha confluência de catástrofes no tempo e no espaço." E lança a pergunta.
De seguida Marcelo entra na parte mais dura do discurso ao detalhar ponto por ponto o que pretende que seja feito daqui para a frente e coloca toda a pressão do lado do Governo ao assumir que esta é também uma missão sua.
Uma nova crítica ao Governo, quando Marcelo exige ao Executivo que faça mais por quem está longe e que sofreu com os incêndios, do que faz pelos grupos profissionais que se manifestam em Lisboa para reivindicar mais rendimentos, mais carreiras. Nos últimos tempos, o Governo tem mantido negociações com vários grupos profissionais para tentar chegar a acordo perante ameaças de greve e manifestações.
Marcelo valida a moção de censura que o CDS anunciou terça-feira, pedido assim aos partidos que clarifiquem posições para este novo ciclo. O Presidente entende que o novo ciclo exigirá reformas e que para isso é perceber se todos os agentes políticos estão confortáveis com as suas posições, incluindo o Bloco de Esquerda, o PCP e os Verdes que suportam o PS no Parlamento. E rejeita a ideia até agora defendida por António Costa que admite que podem voltar a acontecer novas tragédias, como a de Junho e Outubro, enquanto não estão no terreno as reformas que o Governo quer adoptar. "Pode e deve dizer que reformar a pensar no médio a longo prazo não significa termos de conviver com novas tragédias até lá chegarmos."
"Todos os seus poderes" - a expressão é forte e em linguagem presidencial pode querer dizer que Marcelo pode estar disposto a deixar cair o Governo caso as fragilidades do Estado se mantenham. O chefe de Estado coloca assim uma espada sobre a cabeça de António Costa. E avisa o primeiro-ministro - que tem rejeitado ter responsabilidades no que se passou, preferindo apontar para justificações estruturais - que tem de pedir desculpa. "Quem não entenda isto – humildade cívica e ruptura com o que não provou ou não convenceu – não entendeu nada do essencial do que se passou no nosso país."
É nesta declaração que Marcelo coloca o seu mandato também sob pressão. Ou seja, o sucesso desta tarefa será também o seu sucesso, mas falhas neste domínio serão também entendidas por Marcelo como um falhanço no seu mandato.