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A teia política russa que Khodorkovsky quer desemaranhar
O ex-magnata do petróleo Mikhail Khodorkovsky não desiste de tentar derrubar Vladimir Putin. Mas o presidente russo parece ter tudo a seu favor para manter as rédeas do poder.
Mikhail Khodorkovsky, o ex-dono e presidente da petrolífera Yukos que foi detido em 2003 por alegada fraude fiscal e posteriormente condenado também por lavagem de dinheiro – acusações que sempre refutou –, conta com vários anos de prisão no seu currículo e ainda hoje, exilado em Londres, faz da luta contra Vladimir Putin uma das suas principais bandeiras. Mas conseguirá ele abanar o Kremlin?
Putin não parece minimamente preocupado. Aliás, é tão forte a sua convicção de que se manterá no poder, aquando das presidenciais do próximo ano, que até permitiu que Khodorkovsky possa vir a desafiar o partido Rússia Unida - a casa política do Presidente russo - nas eleições parlamentares do próximo dia 18 de Setembro. E como? Ajudando os adversários de Putin.
Através do seu projecto Eleições Abertas, Khodorkovsky tem estado a apoiar os oponentes de Putin na qualidade de mentor. Dos 19 candidatos que tem vindo a preparar politicamente, somente um não foi aceite pelas autoridades que supervisionam o acto eleitoral, sublinha a Bloomberg. Outrora um dos homens mais ricos da Rússia, o ex-dono da Yukos tem gasto o que resta da sua fortuna a tentar apressar o fim da era Putin.
Mas não vai ser fácil. Não parece, aliás, ser para um futuro próximo. "As coisas estão de tal modo controladas que nem um rato consegue passar por eles sem ser notado", afirmou Khodorkovsky, actualmente com 53 anos, à Bloomberg.
Muitos responsáveis e conselheiros do Kremlin têm a mesma opinião. A contínua popularidade de Putin, o seu controlo sobre a informação e as mudanças a nível legislativo apontam num mesmo sentido: para a vitória do Rússia Unida nas eleições do próximo dia 18. E no ano que vem também se espera que Putin se mantenha como Presidente do país por mais seis anos.
Nas eleições de 2011, os assentos no Parlamento foram atribuídos em proporção da sua percentagem dos votos. Mas actualmente, com as reformas introduzidas, o vencedor em cada círculo eleitoral fica de imediato com metade dos mandatos, sendo os restantes assentos atribuídos pela via da proporcionalidade.
Este novo sistema confere ao Rússia Unida uma enorme vantagem em matéria de "recursos administrativos". Como? As entidades estatais, por exemplo, podem pressionar os funcionários quanto ao sentido de voto. Por isso, não há necessidade sequer de falsificar os resultados eleitorais, explica à Bloomberg um professor da Faculdade de Economia de Moscovo, Nikolai Petrov. "O ‘slogan’ do Kremlin é: manipular, sim, falsificar não", sublinha.
O Rússia Unida pode até acabar por conseguir obter a maioria de dois terços necessária para alterar a Constituição, como aconteceu quando se alargou o mandato presidencial de quatro para seis anos, em 2008, considera por seu lado Alexei Makarkin, vice-director do Centro de Tecnologias Políticas, sediado em Moscovo.
Se Putin vencer em 2018 e levar o mandato até ao fim, terá sido presidente da Rússia durante 20 anos. Ocupou a presidência durante dois mandatos seguidos – quando ainda eram de quatro anos cada um – entre 2000 e 2008. Entretanto, "trocou de lugar" com o actual primeiro-ministro, Dmitry Medvedev, tendo regressado "ao seu posto" em 2012 para um mandato de seis anos.
O "sonho" de Khodorkovsky parece, pois, difícil de se concretizar, uma vez que se revela improvável que o partido de Putin não vença as eleições parlamentares e que o próprio não renove o seu lugar na presidência.
E se o Kremlin se mostra aberto aos candidatos apoiados por Khodorkovsky é porque não quer ver surgirem motivos para que seja posta em causa uma futura vitória de Putin, actualmente com 63 anos.
"Não só as autoridades não estão a impedir os ‘candidatos de Khodorkovsky’ de concorrerem às eleições como até parecem estar a incentivá-los", diz Sergei Markov, consultor político do Kremlin, à Bloomberg.
Khodorkovsky tem ajudado os candidatos através do seu projecto, que dá apoio jurídico, estratégico e organizacional. Não dá, contudo, dinheiro – isso violaria as regras do financiamento externo.
De magnata do petróleo a "criminoso"
O empresário exilado, que gere a fundação Rússia Aberta, sempre disse ter sido "tramado" pela Justiça russa. À conta das acusações de evasão fiscal, o governo russo acabou por conseguir desmantelar a Yukos, vendendo os seus activos – entre os quais cinco refinarias bastante cobiçadas - com vista ao pagamento das alegadas dívidas ao Estado contraídas entre 1998 e 2003.
A Yukos foi a segunda maior petrolífera da Rússia, extraindo um de cada cinco barris produzidos pelo país. Em 2004, a lei relativa às dívidas fiscais levou a que principal subsidiária da Yukos, Yuganskneftegaz, fosse expropriada pelo governo e vendida em leilão – tendo acabado por ser comprada pela petrolífera estatal Rosneft. No dia 21 de Julho, com o anúncio da venda da Yuganskneftegaz, as acções da Yukos afundaram 11% em bolsa.
O ex-presidente da Yukos sempre defendeu que a alegação de dívidas era uma vingança do Kremlin pelas suas actividades políticas. Mikhail Khodorkovsky foi detido em Outubro de 2003 e em 2005 foi condenado a uma sentença de prisão de oito anos na Sibéria – acusado de fraude e evasão fiscal, tal como o seu braço-direito, Platon Lebedev.
O líder da Yukos entrou em rota de colisão com o presidente russo, Vladimir Putin, quando tentou impedir que o governo aumentasse os impostos aplicados às petrolíferas, e sobretudo quando começou a financiar partidos políticos da oposição. No entanto, Putin sempre rejeitou a tese de que as acusações contra a Yukos e Khodorkovsky tivessem motivações políticas, sublinhando que se trataram de meras investigações fiscais, à semelhança do que aconteceu nos EUA com a Enron e a WorldCom.
Em 2010, acrescentou-se a lavagem de dinheiro ao rol de acusações, tendo sido decretados mais seis anos de prisão – e elevando assim a pena para um total de 14 anos. No entanto, em 2013, Khodorkovsky foi indultado por Putin e exilou-se na Alemanha.
Vive, agora, em Londres. Não pode regressar à Rússia, sob pena de ser novamente detido, já que em Dezembro do ano passado foi acusado de ter ordenado o assassinato de Vladimir Petukhov, presidente da câmara da cidade siberiana de Nefteyugansk.
Uma "vitória" para Khodorkovsky foi o facto de, em 2014, um tribunal arbitral internacional em Haia ter concluído que os responsáveis russos tinham manipulado o sistema jurídico de modo a levarem a Yukos à falência e a prender o seu então presidente.
O mesmo tribunal exigiu que a Rússia indemnizasse os ex-accionistas da Yukos, condenando o país a pagar-lhes 50 mil milhões de dólares (44,7 mil milhões de euros).
A "saga" Khodorkovsky: cronologia dos acontecimentos
Mikhail Khodorkovsky consta de uma lista internacional dos "mais procurados" desde que, em Dezembro de 2015, foi acusado de ter ordenado a morte de um político e de um empresário (este último sobreviveu).
Desde 2013, quando Putin o indultou e saiu da prisão onde permanecia há 10 anos, Khodorkovsky tem vivido exilado na Europa.
Veja os principais acontecimentos, compilados pela BBC, que levaram à ascensão e queda daquele que foi um dos maiores multimilionários do sector do petróleo:
1963 – Nasce em Moscovo
1987 – Funda o banco Menatep
1995 – Compra a petrolífera Yukos por 350 milhões de dólares, com o Menatep a assumir dois mil milhões de dólares em dívida
2003 – É detido, acusado dos crimes de evasão fiscal, peculato e fraude
2005 – Considerado culpado de seis das sete acusações, é sentenciado a 8 anos de prisão
2007 – A Yukos declara falência
2010 – Condenado pelos crimes de peculato e lavagem de dinheiro, com mais 6 anos de pena
2013 – Perdoado pelo presidente Putin após pedido de clemência; deixa a Rússia e segue para a Alemanha
2015 – Acusado de ter ordenado o assassinato de um político russo; reage, dizendo que as autoridades do país "endoideceram"
2016 – Vive em Londres (que lhe concedeu asilo político) e ajuda, na qualidade de mentor, e com aconselhamento jurídico, estratégico e organizacionais, os adversários políticos de Putin