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Bem-vindos a 2017: o ano da recessão geopolítica
Segundo o Eurasia Group, o ano que agora começa será o mais volátil em termos de risco político para o globo em mais de 70 anos, desde a II Guerra Mundial.
O ano ainda agora começou e já se antevê, mundo afora, cheio de sombras negras, pedras no caminho e muitos pontos de interrogação, pelo menos a julgar pelo entendimento do Eurasia Group.
Para esta empresa, que aconselha investidores e decisores de negócios sobre o impacto da política nos riscos e oportunidades em mercados internacionais, 2017 será o ano da "recessão geopolítica", trazendo o ano mas volátil desde a II Guerra Mundial em matéria de risco político para o mundo, com um impacto nos mercados igual ou maior do que o sofrido na crise de 2008.
O Eurasia desenha um quadro emaranhado: os EUA com cada vez menos vontade em assumirem o papel de líder mundial; os parceiros europeus mais fracos; a Rússia e a China a tentarem impor-se como alternativa no xadrez aos EUA. E o fenómeno populista no Médio Oriente, Europa e na América do Norte a acelerarem estas tendências.
"Com a eleição choque de Trump para presidente dos EUA, o G-Zero [mundo sem um líder claro] está agora perante nós na sua plenitude", refere o documento, que destaca o unilateralismo dos EUA. Junte-se a isto a deterioração da aliança transatlântica (NATO), a decisão do Brexit e o voto "não" no referendo constitucional italiano, além da incerteza que marca as eleições na Holanda, Alemanha e França (onde a extrema-direita assoma) e temos a tempestade perfeita.
"Em 2017 entramos num período de recessão geopolítica", assume a organização no relatório "Top Risks 2017", divulgado esta terça-feira, 3 de Janeiro.
No documento de 25 páginas, analisa-se a "América Independente" saída das eleições de 8 de Novembro, com Trump apostado em trazer os actores económicos para o primeiro plano e numa defesa musculada do país, privilegiando o patriotismo e as alianças apenas no caso em que tragam benefícios económicos aos EUA, questionando as vantagens do comércio internacional.
O risco político saído desta situação está desde logo na aproximação de Trump a Putin e a movimentos de extrema-direita na Europa, no aparente menor empenho na NATO. Instituições como o Banco Mundial e a ONU, agora liderada pelo português António Guterres, ficarão pressionadas pelo enfraquecimento da arquitectura institucional.
Merkel fraqueja quando a Europa mais precisa dela
Para a Europa, a ameaça é desde logo uma situação mais fraca para a liderança de Angela Merkel, a braços com eleições na Alemanha (onde estão por resolver problemas na Volkswagen, Deutsche Bank e Lufthansa) e numa altura em que se põe o risco da ascensão de eurocépticos ao poder, perdurará a crise grega, o autoritarismo turco se evidencia e a guerra ao terrorismo está na ordem do dia.
Apesar de darem como certa a vitória de Merkel, a líder alemã terá uma Europa e um mundo menos unidos à sua volta: perde Obama, enfrenta o Brexit, a Itália regressará aos governos frágeis, França arrisca mudar Hollande por Le Pen. E mesmo que o candidato à direita, François Fillon, ganhe, a chanceler alemã terá de lidar com um líder que tende para Putin.
"A Europa nunca precisou tanto de uma Merkel forte. Em 2017, ela estará indisponível para esse papel," conclui o relatório. "Teriam os europeus resolvido as suas crises financeiras sem que os alemães forçassem uma solução? É difícil imaginar," acrescenta.
Perante uma "América Independente", a China sentir-se-á tentada a reforçar o seu papel de líder global, aumentando a possibilidade de conflitos mais frequentes com os EUA e num momento que, internamente, pode ser de tensão dentro do Partido Comunista, já que este é o ano do 19.º congresso.
A isto há a juntar a situação da segunda maior economia do mundo, que pode viver situações de novas bolhas de activos ou de controlo de capitais que podem afastar os investidores e criar volatilidade económica global. Já a Rússia agitará a "vitória" na situação síria para reforçar a sua posição no Médio Oriente.
Bancos centrais mais pressionados pela política
A intervenção dos bancos centrais – que têm desempenhado um papel fundamental na estabilização das economias europeias e norte-americana, com as políticas de estímulo implementadas durante o período da crise económica e financeira – deverá sofrer ataques por parte dos agentes políticos, que porão em causa a sua independência, antevê o documento.
Na origem dessa oposição estarão os dilemas políticos e económicos na zona euro e nos EUA, que deverão reduzir o apoio a Mario Draghi e ao seu desígnio de "fazer o que for preciso" para resolver a crise do euro e aumentar o conflito entre a administração Trump e o comité de política monetária da Fed, ainda liderado por Janet Yellen, quando Trump promete políticas inflacionistas que podem aumentar a pressão sobre a velocidade de subida dos juros nos EUA.
A ausência de grandes reformas nas maiores economias mundiais é também apresentada como risco, a que se juntam a fragilidade dos governos do Médio Oriente (com desafios como a guerra cibernética, a política energética e a falta de transparência), o potencial nuclear da Coreia do Norte (que pode estar próxima de ter um míssil balístico intercontinental para alcançar a costa Oeste dos EUA) e a fragilidade económica e política da África do Sul.
E, entre os emergentes, o Brasil merece atenção, com a economia a tentar recuperar da recessão, os escândalos de corrupção envolvendo políticos e empresas a deteriorarem o "innercircle" do presidente Michel Temer, que arrisca não conseguir terminar o mandato. Em simultâneo, o país precisa de continuar a fazer reformas - que precisam de apoio político - e os seus agentes políticos de se reconciliar com a população, farta dos escândalos dos últimos anos.
"O medo de que a queda de Temer possa provocar um regresso às crises política e económica que marcaram os últimos anos será o factor mais importante para manter o presidente em funções e a sua agenda reformista em curso em 2017," conclui o relatório.
(Notícia actualizada às 13:50 com mais informação)