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Bolsa e real desaprovam subida de Lula a "primeiro-ministro" do Brasil
A confirmação de que Lula da Silva será o chefe da Casa Civil da presidente Dilma Rousseff levou a um acentuar da queda da Bolsa de São Paulo e da cotação do real, que acumulam nestes três dias as maiores perdas desde 2008 e 2011, respectivamente.
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O real voltou a afundar e a Bolsa de São Paulo chegou a liderar as perdas nas praças mundiais na sequência da notícia de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, alvo de três inquéritos por suspeitas de corrupção, ocultação de património e de obstrução à justiça, será o novo chefe da Casa Civil – uma espécie de primeiro-ministro - da presidente Dilma Rousseff, também ela alvo de um processo de destituição ("impeachment") por ter alegadamente maquilhado as contas públicas e sido cúmplice do esquema de corrupção montado na Petrobras, empresa a que presidiu antes de, em 2010, subir à presidência do país.
O real acumula a maior queda em três dias (menos 5,3%) desde 2011 face ao dólar, refere a Bloomberg, e o Ibovespa, o principal índice da Bolsa de São Paulo, acumula, por seu turno, a maior queda (5%) desde 2008, ano da grande crise financeira mundial. As acções mais castigadas são as do Itaú Unibanco, do Banco Bradesco e da Petrobras, mas, ao fim do dia, o índice bolsista recuperava 0,5% depois de ter estado a cair quase 1% quando foi confirmada a subida de Lula a ministro.
A assustar os investidores está a perspectiva de um agravamento da crise política assim como a possibilidade de Lula substituir o presidente do banco central Alexandre Tombini, que tem resistido à pressão do governo de baixar as taxas de juro (em alta por causa da inflação) e de usar as reservas internacionais do país para financiar políticas expansionistas com o objectivo de tentar contrariar a maior recessão em mais de 30 anos. "É a mais rápida maneira de jogar o país numa crise financeira de proporções catastróficas. Ninguém aqui (da equipe económica) está discutindo isso até porque é uma ideia irresponsável", disse uma fonte do banco central citada pelo Valor Económico.
Na opinião de instituições internacionais, os gastos excessivos do governo explicam parte da crise actual e não são solução. "O Brasil chegou a meados de 2014 [período que antecedeu as eleições presidenciais, ocorridas em Setembro desse ano, e antes do início da queda da cotação do petróleo] com grandes desequilíbrios macroeconómicos decorrentes do diagnóstico de que a desaceleração económica observada desde 2010 era causada pela inexistência de suficiente procura", escrevia o FMI num relatório divulgado em 7 de Outubro, segundo o qual "embora factores externos como a deterioração dos preços das matérias-primas expliquem alguma contracção na actividade, os principais factores de travagem são domésticos".
O PIB brasileiro caiu 3,8% no ano passado, o rendimento per capita recuou 4,6%, a inflação ronda os 10%, valor semelhante ao do desemprego, que atingirá nove milhões de pessoas – quase a população portuguesa. O "rating" da República caiu para "lixo" na classificação das principais agências de notação de risco financeiro.
Para que serve Lula na Casa Civil?
O Palácio do Planalto e o Partido dos Trabalhadores justificam a entrada de Lula no governo como uma iniciativa destinada a melhorar a coordenação política entre o partido e o PMDB, seu aliado no Executivo, e também agilizar a aprovação de medidas no congresso e no senado, onde também proliferam acusações de corrupção. O ex-presidente deverá ficar com a articulação política e também económica, relegando Dilma - a mais impopular dos presidentes do país - para um segundo plano.
A subida a ministro tem sido, porém, amplamente interpretada como uma derradeira manobra de Lula para escapar a Sérgio Moro, o juiz responsável pela operação Lava Jato que esteve por detrás da detenção e condenação de alguns dos maiores empresários do Brasil, como Marcelo Odebrecht.
A nomeação de Lula surge uma semana depois de este ter sido levado a depor perante a Polícia Federal (no âmbito da Lava Jato), de o Ministério Público de São Paulo ter pedido a sua prisão preventiva (por ocultação de património), e de, ontem mesmo, a Procuradoria-geral da República ter pedido uma nova investigação ao ex-presidente com base na "delação premiada" do antigo senador "petista" Delcídio Amaral. Em causa, neste último pedido de investigação, estão suspeitas de obstrução à justiça, tráfico de influências e compra de votos no Senado para proteger os seus filhos da comissão parlamentar que averiguava casos de evasão fiscal. Lula terá ainda tentado evitar que a operação Lava Jato chegasse a si, através da "compra" do silêncio de Nestor Cerveró, antigo dirigente da Petrobras que, tal como Delcídio, concordou cooperar com a justiça a troco de redução de pena.
Pelo meio, no domingo, o Brasil assistiu às maiores manifestações da sua história: mais de três milhões saíram às ruas, pedindo o fim da corrupção com bonecos de Lula e Dilma.