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François Pienaar: Nunca esquecerei a experiência extraordinária de ir ao pódio e receber um aperto de mão de Mandela

François Pienaar era o capitão da selecção sul-africana, no já longínquo ano de 1995, quando o mundial de râguebi disputado no país serviu para quebrar definitivamente o gelo da segregação racial. O Negócios volta a publicar uma entrevista com o capitão dos Springboks em 1995, ano em que a África do Sul foi campeã do Mundo de râguebi.

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Pienaar e Nelson Mandela juntaram-se e fizeram do râguebi o elemento unificador da África do Sul. Sem cor dominante, para promover o espírito de uma nação do arco-íris. "O desporto é incrivelmente poderoso. Vimos o que aconteceu em 1995 e vimos também quando a Espanha ganhou o campeonato do mundo de futebol, na África do Sul, em 2010. O orgulho gerado é um tópico fascinante."

 

Pienaar foi um dos participantes na grande conferência sobre liderança que a Porto Business School promoveu a 5 de Fevereiro na Casa da Música. Em entrevista telefónica ao Negócios, em Janeiro deste ano, o ex-jogador de râguebi fala sobre liderança e conta como nasceu a sua relação com Nelson Mandela, que é padrinho de um dos seus dois filhos. Aliás, o râguebi é um óptimo campo de treino da liderança. "É um desporto muito complexo, um jogo inteligente, que envolve constantes tomadas de decisão".

 

Como é que um jogador de râguebi se transforma num fenómeno à escala planetária? Basta fazer parte da história, no momento certo, e ver essa sua participação ser transportada para o cinema por um actor famoso, neste caso Matt Damon. E ver a realização do filme ("Invictus") ser entregue a um dos nomes mais icónicos de Hollywood, Clint Eastwood. Foi isso que aconteceu a François Pienaar, o capitão da selecção de râguebi da África do Sul que venceu o mundial, no seu país, em 1995.

 

Mais do que uma vitória desportiva, a conquista do título foi a cola que juntou um país dilacerado por décadas de "apartheid". E não aconteceu por acaso. Nelson Mandela (cujo papel no referido filme é desempenhado por Morgan Freeman), que no ano anterior assumira a presidência da África do Sul, convence as autoridades governamentais a apoiarem os "Springboks" (nome dado à selecção), considerando que a competição poderia ser um factor de

Dezoito anos depois, tenho memórias muito claras dessa final. Nunca esquecerei a experiência extraordinária de ir ao pódio e receber um aperto de mão de Mandela. Recordo-me de ele dizer 'obrigada pelo que fizeste pela África do Sul'. E eu respondi: 'obrigada eu'.
 
François Pienaar

união. Uma aposta arriscada, dado que o râguebi era um jogo dominado por brancos e conotado com um conceito de supremacia racial. Mandela quis quebrar o estigma, transmite a sua visão a François Pienaar e, juntos, fazem de um simples campeonato um momento agregador do conceito "uma equipa, uma nação". E que teve um epílogo feliz com a vitória dos "Springboks" sobre os "All Blacks" da Nova Zelândia, na final, por 15-12.

 

"Dezoito anos depois, tenho memórias muito claras dessa final. Nunca esquecerei a experiência extraordinária de ir ao pódio e receber um aperto de mão de Mandela. Recordo-me de ele dizer 'obrigada pelo que fizeste pela África do Sul'. E eu respondi: 'obrigada eu'. Eu nem queria acreditar. Se Mandela não tivesse abraçado o râguebi, este continuaria a ser um desporto 'afrikaner', de brancos. E a África do Sul, em peso, nunca iria apoiar a equipa. Pela primeira vez na história do país, unimo-nos. Eu nunca tomei consciência do quão poderoso, forte e simbólico foi esse momento. Nem mesmo hoje, acho eu", diz.

 

A história deste mundial de râguebi é também uma narrativa sobre lideranças. E é esta área de actividade que hoje preenche parte da vida profissional de Pienaar. "Para mim, a liderança é um tema fascinante e ando, de facto, pelo mundo, a dar palestras. Mas não é a minha actividade principal. Eu sou um homem de negócios, na área do desporto, media e marketing." E o que é preciso para ser líder? "Bom, diria que 70% da capacidade de liderança é algo natural. A restante resulta do trabalho. Ser um bom líder implica trabalhar bastante, porque os bons líderes devem servir de exemplo. Mas liderança é, também, capacidade de inspiração, de visão, de motivação", observa este sul-africano, nascido em 1967, formado em advocacia. Com uma advertência, pelo meio: "ser líder não é só ter carisma".

 

François Pienaar assume-se como um líder natural. "Na escola, eu era o capitão das equipas onde jogava desde tenra idade. Em geral, os líderes são líderes desde sempre". Como Nelson Mandela? "Mandela é um líder inacreditável, um extraordinário líder em tempos de adversidade, se tivermos em conta o que aconteceu na África do Sul. Mandela é um exemplo para o resto do mundo. Um exemplo da capacidade de perdoar, de reconciliar, um exemplo de alguém com uma visão clara de democracia. Fez da África do Sul um exemplo internacional. É uma pessoa altruísta, preocupa-se mesmo com os outros, tem espírito de sacrifício, capacidade de entrega. É alguém comprometido com os outros. Quem diz que Mandela é um produto da globalização, não percebe o seu verdadeiro comprometimento."

 

A amizade entre Pienaar e Mandela nasceu durante o mundial de râguebi, mas tem perdurado no tempo. Este é, contudo, um domínio que um ex-capitão dos "Springboks" mantém como reserva. "Não gosto de falar sobre a minha relação pessoal com Mandela. É algo muito privado e penso que não é correcto partilhar com a opinião pública. A minha relação com ele fortaleceu-se muito depois de 1995. Ele é padrinho de um dos meus filhos, mas não quero falar muito disso." 

 

Mandela é um exemplo para o resto do mundo. Um exemplo da capacidade de perdoar, de reconciliar, um exemplo de alguém com uma visão clara de democracia. Fez da África do Sul um exemplo internacional. É uma pessoa altruísta, preocupa-se mesmo com os outros, tem espírito de sacrifício, capacidade de entrega. É alguém comprometido com os outros. Quem diz que Mandela é um produto da globalização, não percebe o seu verdadeiro comprometimento.
 
François Pienaar

 

"Quem me dera ter feito mais perguntas"

 

Para François Pienaar, um "afrikaner" que cresceu num ambiente de segregação racial, num país onde a ideologia dominante era o "apartheid", a aproximação ao líder histórico do ANC (Congresso nacional Africano), significou também uma revisão da história. "Infelizmente, cresci sem fazer perguntas, a acreditar nos professores, que diziam que Mandela era um homem mau. Nós acreditávamos. Quem me dera que tal não tivesse acontecido, quem me dera ter feito mais perguntas, mas não fiz. Acreditei naquilo que os meus professores diziam, no que as pessoas da minha terra diziam. Tenho pena."

 

Em Agosto do ano passado, uma carga policial na mina de Marikana, nos arredores de Pretória, capital da África do Sul, fez 34 mortos e trouxe à memória de muitos os anos do "apartheid". François Pienaar classifica-o como um acontecimento "chocante e desnecessário", que nunca devia ter acontecido. "Os líderes do país devem trabalhar bastante para prevenir acontecimentos destes. Não queremos, internacionalmente, que a África do Sul seja vista como um país instável. Há uma comissão de inquérito para descobrir o que realmente aconteceu, quais foram as instruções dadas à polícia..."

 

Em matéria económica, a África do Sul é a maior potência do seu continente. E Pienaar olha para África como uma "terra de oportunidades" que está a fazer o seu trajecto. "Tem havido eleições democráticas, há um enorme potencial e recursos naturais". Por isso, assinala, "muitos países estão à procura de África para crescer". Em contraponto, a Europa está em crise. O seu olhar distanciado contraria a análise mais comum, do copo meio vazio, e vê-o como meio, embora ressalvando as suas limitações em matéria económica. "Estamos conscientes da crise em Portugal, Espanha, Grécia. E, como a África do Sul exporta muito para a Europa, se a economia europeia entra em recessão, sofremos com isso, claro. Por isso, sim, é uma preocupação. Eu não sei o suficiente da economia, mas parece-me que a liderança europeia está numa boa direcção e penso que Angela Merkel tem feito um trabalho fenomenal." François Pienaar, dixit.

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