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Rocha Andrade: o SEAF que pôs os proprietários a pagar mais impostos

Rocha Andrade esteve 19 meses no Governo e sai sem concluir a prometida redução de IRS, por via do aumento dos escalões. Ao seu consulado ficará associada a criação do AIMI e a redução do IVA na restauração.

Miguel Baltazar
09 de Julho de 2017 às 23:16
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Pouco tempo depois de ter tomado posse como secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de Mário Centeno, a 26 de Novembro de 2015, Fernando Rocha Andrade rumou a Coimbra onde defendeu a sua tese de doutoramento. O tema escolhido, ainda antes sequer de saber que haveria de assumir a secretaria de Estado do Fisco, tinha sido o das deduções à colecta no IRS, área onde defendia mudanças substanciais em relação ao regime em vigor, desde logo a introdução de uma dedução fixa para todos os contribuintes.

Tal orientação, contudo, não constava sequer do Programa do Governo e nunca sairia do papel. Ao nível dos impostos sobre o rendimento, Rocha Andrade desenhou a redução progressiva da sobretaxa do IRS – que só será totalmente eliminada no final deste ano – mas não chegou a introduzir alterações de substancial relevo susceptíveis de efectivamente reduzirem a carga fiscal sobre as famílias.

No Orçamento do Estado para 2016, o primeiro que orientou, não foi além da eliminação do quociente familiar no IRS, uma herança do Executivo PSD-CDS/PP e reposição do regime anterior, do quociente conjugal. Em simultâneo, verificou-se um aumento das deduções à colecta referentes aos dependentes.

Ficou para o ano seguinte a reposição dos escalões do IRS, cujo número havia sido reduzido a cinco pelo ministro Vítor Gaspar, mas acabou por não haver tempo para avançar. Também não se mexeu nas deduções à colecta, como queria o Bloco de Esquerda, parceiro do Governo no Parlamento.

As principais promessas de alterações transitaram para o Orçamento do Estado para 2018, mas não será já Rocha Andrade a dar-lhes seguimento, nomeadamente à criação de pelo menos mais um escalão no IRS, que tem vindo a ser duramente negociada com PCP e Bloco.

O secretário de Estado do AIMI

Ainda em 2016, seria Rocha Andrade a pôr no terreno a descida do IRS para a restauração, promessa de António Costa durante a campanha eleitoral. Ao nível do consumo foi também ele que avançou com um imposto sobre as bebidas açucaradas, mas a principal alteração acabaria por ser ao nível dos impostos sobre o património, com a criação de um Adicional ao IMI (AIMI), que veio substituir o anterior imposto do selo para prédios acima de um milhão e que pôs os grandes proprietários a pagar mais, uma vez que este novo imposto incide sobre a soma do valor patrimonial tributário dos vários imóveis que detenham e sempre que este total ultrapasse os 600 mil euros.

Já sob a sua tutela, a Autoridade Tributária e Aduaneira passa por alguns momentos polémicos, o mais recente dos qual relacionado com o apagão das transferências para offshores. Foi no consulado de Rocha Andrade que a confusão – ocorrida ainda durante o mandato do antecessor Paulo Núncio – veio a lume, e seria o SEAF socialista a repor a obrigatoriedade de as transferências anuais para offshores serem sempre publicadas.

Rocha Andrade pediu auditorias à IGF, explicações à AT e, insatisfeiro com as conclusões obtidas pela IGF, remeteu o caso para o Ministério Público, que, aliás, tinha já dito que estava também a analisar o que se teria passado.

As viagens da Galp e o contencioso com o Fisco

E seria uma investigação do Ministério Público, esta visando factos em que Rocha Andrade fora um dos protagonistas, a fazer cair o secretário de Estado de Mário Centeno. A polémica rebentou no Verão de 2016, mais exactamente em Agosto. Com o país a banhos, soube-se que o secretário de Estado do Fisco aceitara que a Galp lhe pagasse duas viagens para ver jogos da selecção no Euro. E a associação que imediatamente se fez foi que a Galp tinha contenciosos de muitos milhões com o Fisco e que poderia haver ali um conflito de interesses.

A notícia, dada pela Sábado, fez correr tinta durante várias semanas, até porque entretanto ficou a saber-se que Rocha Andrade não fora o único governante a aceitar este tipo de viagens.

O secretário de Estado, no entanto, relativizou. Veio dizer que achara o "convite natural" e garantir que não existia qualquer conflito de interesses. "No entanto, para que não restem dúvidas sobre a independência do Governo e do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais", dizia então fonte oficial das Finanças, Rocha Andrade contactou a Galp no sentido de reembolsar a empresa da despesa efectuada.

Mais tarde o secretário de Estado diria, no Parlamento, que, dada a polémica que se levantara em torno do assunto das viagens com a Galp, não iria tomar quaisquer decisões sobre a empresa e que as questões relacionadas com ela passavam a ficar nas mãos do Ministro das Finanças, Mário Centeno.

António Costa, seu amigo de longa data, sempre o apoiou, sublinhando que era um "excelente secretário de Estado" e nunca colocou em dúvida a sua "imparcialidade e isenção".

O tema acabaria por sair da agenda mediática, mas o Ministério Público iniciou uma investigação ainda em Agosto, recolhendo elementos sobre o que se passara e realizando buscas na empresa, onde apreendeu documentação.

Quase um ano depois há arguidos constituídos e Rocha Andrade, juntamente com João Vasconcelos, secretário de Estado da Indústria, e Jorge Costa Oliveira, da Internacionalização, os três que viajaram para França a convite da Galp, demitem-se antecipando que eles próprios iriam fazer parte da lista.
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