Notícia
Partidos culpam o Fisco por mudanças no IVA
A Autoridade Tributária (AT) foi trazida para o centro das polémicas alterações à lei do financiamento dos partidos, com o PS, o PCP e os Verdes a garantirem que só mexeram no IVA por causa da actuação "discricionária" e "arbitrária" do Fisco.
Não é vulgar ouvirem-se deputados ou membros do Governo a fazerem ataques directos a organismos públicos, mas a recente polémica em torno do financiamento dos partidos quebrou a habitual contenção. Acossados pelas críticas que vêm recebendo de vários quadrantes, PS, PCP e os Verdes acabaram por meter o Fisco ao barulho. Em momentos distintos, mas com uma terminologia coincidente, cada um dos partidos culpa a "discricionariedade" e a "arbitrariedade" da Administração Fiscal pelo alargamento dos benefícios que querem ter no IVA.
Na declaração que fez esta quinta-feira, Ana Catarina Mendes, do PS, aludia por duas vezes às "interpretações discricionárias" e às "apreciações discricionárias" do Fisco. Isto, no discurso que estava preparado por escrito. Na intervenção oral, repetiria mais duas vezes os termos "discricionária" e "discricionariedade", para se preferir à actuação da Administração Fiscal em matéria de IVA dos partidos.
Minutos depois seria a vez do partido Os Verdes fazerem chegar um comunicado à Lusa, onde dizia que a actual lei "tem levado a Autoridade Tributária a usar de uma elevada arbitrariedade e discricionariedade na [sua] interpretação e aplicação", tornando-se "natural que se clarifique o texto" no sentido de "lhe dar a aplicabilidade que ela comporta, mas que a AT tantas vezes recusa".
Antes disso, ainda na quarta-feira, também o PCP se veio justificar, através de comunicado, com a necessidade de "pôr fim à discricionariedade de interpretações que tem existido por parte da Autoridade Tributária".
Nada muda?
Para estes partidos, o argumento é de que, se o Fisco tivesse uma interpretação correcta da Lei, não teria havido necessidade de mexer-lhe. E que, na prática, nada muda (face aquela que devia ser a interpretação certa).
Actualmente, a Lei do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais diz que os partidos podem pedir ao Estado a devolução do IVA que suportaram em compras de materiais que "visem difundir a sua mensagem política ou identidade própria, através de quaisquer suportes, impressos, audiovisuais ou multimédia, incluindo os usados como material de propaganda e meios de comunicação e transporte".
Ou seja, a possibilidade de pedirem a restituição do IVA está circunscrita a um conjunto concreto de situações, e é este perímetro que tem levado a interpretações divergentes. O PS reclama, por exemplo, que as despesas das campanhas eleitorais são elegíveis face à letra da lei, mas tem esbarrado numa posição diferente da Administração Fiscal.
PS, PCP e Verdes garantem que foi para superar esta divergência – alegadamente criada pelas tais posições "arbitrárias" e "discricionárias" do Fisco – que se avançou para a proposta que está a gerar polémica.
Esta nova redacção prescreve, contudo, que os partidos ficam isentos do IVA "suportado na totalidade de aquisições de bens e serviços para a sua actividade".
Ou seja, a nova redacção não se limita a deixar claro que as despesas de campanha eleitoral também podem dar lugar à devolução de IVA. Introduz uma formulação ampla que permite que toda e qualquer despesa relacionada com a "actividade" dos partidos passe a ser elegível. À luz desta norma, os partidos passam por exemplo a poder invocar que a decoração da sua sede ou um arraial são essenciais à actividade política abrindo, no limite, uma nova ronda de polémica com o Fisco.
Privilégio em cima de privilégio
Como tivemos oportunidade de explicar, os partidos já gozam em matéria de IVA de uma situação de privilégio face às regras gerais.
Estão isentos de IVA nas vendas e ainda podem pedir a restituição de IVA suportado numa parte das compras, uma prerrogativa que só é concedida a meia dúzia de sectores: Forças Armadas e polícias, bombeiros, Igreja Católica, IPSS e partidos políticos.
Mas, precisamente porque já se trata de um benefício, esse pedido de restituição de IVA está limitado a um conjunto de despesas relacionadas com a actividade. Por exemplo, os bombeiros só podem ver restituído o IVA dos "bens móveis de equipamento"; as Forças Armadas e as polícias, podem pedir a devolução do IVA relativamente ao material de guerra e bens móveis destinados à defesa. No caso das IPSS, só pode ser devolvido o imposto referente a imóveis, equipamentos e alimentação e por 50% do seu valor.
Os partidos querem agora dar um passo em frente e passar a poder deduzir o IVA de todas as compras relacionadas com a sua actividade, sem qualquer restrição em termos de valor ou de tipologia de despesas.
A situação é anómala e, segundo fiscalistas ouvidos pelo Negócios, esbarra com a directiva europeia que regula estas matérias.
As novas regras estão a ser apreciadas por Marcelo Rebelo de Sousa, depois de terem sido aprovadas pelo PS, PSD, BE, PCP e Verdes.