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Financiamento partidário: vale quase tudo nos grupos de trabalho
Os grupos de trabalho como aquele onde os deputados discutiram as alterações ao financiamento partidário são constituídos para agilizar o processo legislativo. Em teoria deviam seguir as regras das comissões onde são constituídos, mas na prática seguem um registo de informalidade que adapta casuisticamente o seu funcionamento.
Como são constituídos e como devem funcionar os grupos de trabalho criados dentro das diferentes comissões parlamentares para tratar de temas específicos? Deve o seu trabalho ser público, como acontece, em geral, com o das comissões? Ou podem funcionar à porta fechada, sem publicidade e apenas apresentando, no final, o trabalho concluído?
A questão, que está directamente relacionada com o princípio da transparência dos trabalhos parlamentares, saltou para a ordem do dia com o caso da alteração à lei do financiamento dos partidos políticos, que agitou a opinião pública nos últimos dias. E a verdade é que ninguém parece ter respostas concretas para as questões colocadas. Os grupos de trabalho têm níveis de informalidade que fazem com que não existam regras concretas e que permitem que o seu funcionamento seja, afinal, adaptado aos temas que debatem e às circunstâncias do momento.
Pedro Bacelar de Vasconcelos, presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1ª comissão), no âmbito da qual foi criado o grupo de trabalho para discutir as alterações à lei do financiamento dos partidos, explica que, em regra, "não há um princípio de publicidade", ou seja, "as reuniões são informais, não são gravadas, não são, em geral, sujeitas à exposição inerente às das comissões parlamentares, mas podem ser abertas, se o grupo de trabalho assim o entender".
Em suma, há "uma flexibilidade que não se aplica às comissões", ou seja, "aos grupos de trabalho aplicam-se analogicamente os princípios da comissão, mas sem a mesma rigidez", afirma o deputado, sublinhando que "não há uma norma que imponha um determinado modelo de funcionamento".
Assim terá acontecido com o financiamento dos partidos. O Regimento da Assembleia da República estabelece que "as comissões parlamentares podem, excepcionalmente, reunir à porta fechada, quando o carácter reservado das matérias a tratar o justifique". Tem acontecido, por exemplo, quando são avaliados os relatórios das Secretas. Ou acontecerá quando for discutido um dos capitulos do relatório sobre o fogo de Pedrógão Grande que a Comissão nacional de Protecção de Dados entende que não pode ser público.
Ora, entre os deputados designados pelos grupos parlamentares para o grupo de trabalho do financiamento dos partidos, decidiu-se, desde o início, que a "porta fechada" seria a regra. António Carlos Monteiro, deputado do CDS-PP que esteve presente desde o início, explica que se justificava que assim fosse dada a matéria em cima da mesa. O grupo de trabalho foi criado depois de ter chegado ao Parlamento uma carta do presidente do Tribunal Constitucional (TC) a alertar para a "necessidade imperativa" de mudar o regime jurídico da fiscalização das contas e das campanhas "para evitar uma inevitável paralisia" ou agravamento dos "atrasos crónicos". Estavam em causa "matérias sensíveis" e, até "para prevenir eventual alarme relativamente à questão do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais, numa altura em que estavam para acontecer as eleições autárquicas, entendeu-se que devia ser à porta fechada", concretiza Pedro Bacelar de Vasconcelos.
"Há uma caixa negra" nas discussões na especialidade
Um das pessoas ouvidas durante o processo legislativo foi precisamente o presidente do TC, numa audição que não foi pública. "Tratando-se de pessoas que são externas à Assembleia da República e que não têm de ser escrutinadas por ela, é admissível que a audição decorra à porta fechada", afirma, por seu turno, Helena Roseta, uma das deputadas com mais anos de experiência no Parlamento. Acérrima defensora de que os trabalhos sejam, em geral, abertos à comunicação social, Roseta considera que "deviam ser definidas regras sobre quando é que as reuniões devem ou não decorrer à porta fechada". Além disso, "devia constar em acta não só a decisão, mas também o fundamento, se é porque as entidades ouvidas pedem ou se é porque os deputados decidem e porquê", remata.
Da mesma forma, a bem da transparência, "deviam ser colocadas no site do Parlamento as propostas de alteração que, durante o processo legislativo, vão sendo apresentadas" pelos diferentes grupos parlamentares, sustenta a deputada socialista que, criou ela própria um site onde vai juntando essa informação nos processos que acompanha. "É informação pública, mas neste momento assemelha-se a uma caixa negra", lamenta.
No caso das alterações à lei do financiamento partidário, a proposta só acabaria por vir a público quando foi agendada a discussão na especialidade, na generalidade e a votação final global, tudo para o mesmo dia, 21 de Dezembro. Ora, se no início se justificava que não houvesse exposição pública, dada a matéria em causa, porque é que depois de as questões relativas ao Constitucional estarem acordadas entre todos se manteve o mesmo secretismo? "Os vários grupos parlamentares começaram a apresentar outras propostas de alteração à lei que já nada tinham a ver com o tópico para o qual fora criado o grupo de trabalho", recorda António Carlos Monteiro.
"Deputados podem sempre falar"
"Na verdade, o facto de um grupo de trabalho funcionar à porta fechada não significa que exista uma regra de confidencialidade", sublinha Pedro Bacelar de Vasconcelos. "Ninguém está impedido de falar, de dar entrevistas ou de partilhar tweets nas redes sociais e isso é também uma garantia de transparência". A verdade, porém, é que desta vez ninguém falou.
O Deputado faz ainda questão de afirmar que "os grupos de trabalho estão dependentes da comissão" onde são constituídos, pelo que neste caso, como acontece sempre, "o resultado do trabalho veio à comissão e foi aprovado numa reunião pública".
O facto de essa reunião pública ter sido precisamente a mesma em que os deputados, por larga maioria, aprovaram as alterações é uma das razões invocadas pelo PAN Pessoas-Animais-Natureza para o partido ter votado contra. Não estando no grupo de trabalho por ter apenas um deputado, o PAN "não foi tido nem achado nem informado" e entende que devia intervir e que "a sociedade civil deveria ser ouvida". Se Marcelo vetar o diploma, o processo legislativo terá de voltar ao princípio e isso já será possível. Nesse caso, é provável que os deputados já não considerem necessário debater à porta fechada as alterações à lei.