Notícia
Presidente da República vai vetar lei do financiamento dos partidos
A decisão de Marcelo Rebelo de Sousa já está tomada e deverá ser comunicada no final da próxima semana, noticia hoje o Expresso.
O Presidente da República já tomou a decisão de optar por vetar a nova lei do financiamento partidário, embora só a deva anunciar no final da próxima semana, para não coincidir com a mensagem e Ano Novo aos portugueses.
A notícia é avançada este sábado pelo Expresso, que dá conta que o Presidente da República já tinha decidido devolver à Assembleia da República o polémico diploma, mesmo antes de ter sido alvo de uma intervenção cirúrgica. O veto já estará estudado e fundamentado, mas Marcelo quer distanciar este anúncio da mensagem que fará aos portugueses no dia 1 de Janeiro.
Na quarta-feira, o Presidente da República colocou uma nota na página oficial da Presidência onde desafiava o Governo e os deputados a enviarem a enviar o diploma para o Tribunal Constitucional (TC) a pedir a sua fiscalização preventiva, algo que estes se recusaram.
A Constituição da República prevê que, estando em causa Leis Orgânicas (como é o caso), "há um período de oito dias desde que o diploma chega a Belém durante o qual o primeiro ministro e um quinto dos deputados podem pedir a sua fiscalização e durante esse período o Presidente da República fica em suspenso, não podendo tomar nenhuma decisão", explica o constitucionalista Tiago Duarte.
O diploma chegou a Belém a 22 de Dezembro, um dia depois de ter sido aprovado no Parlamento, e os oito dias terminam este sábado.
Se como noticia o Expresso o Presidente optar pelo veto, "obrigará a que este debate do financiamento partidário seja feito já com grande visibilidade perante a opinião pública", afirma António Costa Pinto.
Um veto político do Presidente significará a devolução do diploma ao Parlamento para que este o confirme. Esta quarta-feira, o CDS-PP e o PAN vieram apelar a Marcelo nesse sentido, alegando que seria, precisamente, uma forma de o assunto ser novamente discutido no Parlamento, mas "com transparência" e "debate público alargado".
Jorge Pereira da Silva, constitucionalista e professor de Direito, acredita que será isso, precisamente, que Marcelo optará por fazer. Admitindo que não estará sobre a mesa uma potencial inconstitucionalidade, o veto "será o mais expectável, seja porque o Presidente não concorda com as alterações, seja porque considera que se justifica outro tipo de análise e debate do tema", defende Pereira da Silva. Se assim for, o veto será, como tem acontecido em ocasiões anteriores – até agora Marcelo vetou cinco diplomas – acompanhado de uma mensagem ao Parlamento e aos deputados.
Estes deverão depois reabrir o processo legislativo e, uma vez que se trata de uma lei orgânica, se quiserem manter as alterações tal como estão, estas terão de ser aprovadas por uma maioria de dois terços. Isso não será difícil se todos os partidos se puserem de acordo. Aliás, o CDS-PP e o PAN, que votaram contra, criticam mais a forma do que o conteúdo: os primeiros, o facto de as alterações polémicas, sobre a devolução do IVA ou sobre o fim dos limites à angariação de fundos terem sido introduzidas à socapa; e os segundos o facto de, como os próprios dizem, "não terem sido tidos nem achados".
Passados estes oito dias iniciais, durante os quais há a possibilidade de envio para o TC, Marcelo terá mais 12 (ao todo são 20) para promulgar ou exercer o direito de veto.
As alterações da lei
Actualmente, a Lei do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais diz que os partidos podem pedir ao Estado a devolução do IVA que suportaram em compras de materiais que "visem difundir a sua mensagem política ou identidade própria, através de quaisquer suportes, impressos, audiovisuais ou multimédia, incluindo os usados como material de propaganda e meios de comunicação e transporte".
Ou seja, a possibilidade de pedirem a restituição do IVA está circunscrita a um conjunto concreto de situações, e é este perímetro que tem levado a interpretações divergentes. O PS reclama, por exemplo, que as despesas das campanhas eleitorais são elegíveis face à letra da lei, mas tem esbarrado numa posição diferente da Administração Fiscal.
PS, PCP e Verdes garantem que foi para superar esta divergência – alegadamente criada pelas tais posições "arbitrárias" e "discricionárias" do Fisco – que se avançou para a proposta que está a gerar polémica.
Esta nova redacção prescreve, contudo, que os partidos ficam isentos do IVA "suportado na totalidade de aquisições de bens e serviços para a sua actividade".
Ou seja, a nova redacção não se limita a deixar claro que as despesas de campanha eleitoral também podem dar lugar à devolução de IVA. Introduz uma formulação ampla que permite que toda e qualquer despesa relacionada com a "actividade" dos partidos passe a ser elegível. À luz desta norma, os partidos passam por exemplo a poder invocar que a decoração da sua sede ou um arraial são essenciais à actividade política abrindo, no limite, uma nova ronda de polémica com o Fisco.
Privilégio em cima de privilégio
Como tivemos oportunidade de explicar, os partidos já gozam em matéria de IVA de uma situação de privilégio face às regras gerais.
Estão isentos de IVA nas vendas e ainda podem pedir a restituição de IVA suportado numa parte das compras, uma prerrogativa que só é concedida a meia dúzia de sectores: Forças Armadas e polícias, bombeiros, Igreja Católica, IPSS e partidos políticos.
Mas, precisamente porque já se trata de um benefício, esse pedido de restituição de IVA está limitado a um conjunto de despesas relacionadas com a actividade. Por exemplo, os bombeiros só podem ver restituído o IVA dos "bens móveis de equipamento"; as Forças Armadas e as polícias, podem pedir a devolução do IVA relativamente ao material de guerra e bens móveis destinados à defesa. No caso das IPSS, só pode ser devolvido o imposto referente a imóveis, equipamentos e alimentação e por 50% do seu valor.
Os partidos querem agora dar um passo em frente e passar a poder deduzir o IVA de todas as compras relacionadas com a sua actividade, sem qualquer restrição em termos de valor ou de tipologia de despesas.
A situação é anómala e, segundo fiscalistas ouvidos pelo Negócios, esbarra com a directiva europeia que regula estas matérias.