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Panamá Papers: "Toda a gente sabe que isto acontece"

Notícias como a do Panamá, ou da SwissLeaks, da UBS, ou do LGT não surpreendem pelo seu conteúdo - "toda a gente sabe que isto acontece" - diz o fiscalista João Luís Araújo. Mas ajudam a aumentar a pressão internacional e a forçar mudanças. Algumas delas estão a caminho.

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João Luís Araújo explica o que fazem empresas como a Mossack Fonseca e como se montam as operações de ocultação da titularidade de património. Sempre com um aviso: nem tudo o que passa por offshores é ilegal.

Em que consiste a actividade de empresas como a Mossack?
Fazem o que se chamam serviços fiduciários. Se eu tiver um cliente que quer abrir uma sociedade no Panamá, ligo-lhes e eles criam a empresa e criam os serviços à sua volta. Todas as empresas têm de ter directores, contas, uma sede, secretário. Fazem isso tudo por um "fee".

Constituem uma empresa de fachada?
Não se pode generalizar.

Como se consegue ocultar a origem do património?
Por exemplo, os directores representam a empresa e tudo o que a empresa faça, só eles aparecem. O que tipicamente se faz é criar uma sociedade no Panamá que por cima tem uma sociedade nas ilhas virgens britânicas que por cima têm um trust, depois ao lado têm outra estrutura - são tantas as camadas que às vezes a própria sociedade que está a criar aquilo não sabe quem são os beneficiários últimos. Houve um relatório interno da sociedade a dizer que em 95% dos casos não sabia quem era o "beneficiário último", agiam sob instruções de alguém. Acresce a isto que no Panamá trabalham muito com acções ao portador - e aí consegue-se incorporar uma sociedade, que transmite acções para alguém que, por mera posse das acções, é o accionista.

Se eu quiser ocultar o meu património, porque hei-de escolher o Panamá?
Porque o Panamá não reporta a informação sobre o beneficiário último accionista da empresa a ninguém. Tem muitos poucos tratados fiscais [de troca de informações], os que têm nunca os implementaram, e a OCDE já há muitos anos que o apontava como não cooperante. Mas atenção que nuns casos constituem-se sociedades para ocultar o património, noutras não. Não há nada de mal em ter uma sociedade no Panamá.

É possível fazer o que esta sociedade Mossack faz nas Ilhas Virgens britânicas, por exemplo?
Sim, há uns offshores que são mais usados para uns tipos de estruturas, outros para outras. A Mossak é uma das maiores sociedades de serviços fiduciários do mundo, tem operações em várias localidades.

Há grandes bancos envolvidos neste escândalo, como o HSBC, o UBS. Agem como intermediários?
Houve uma altura em que os bancos usavam essas sociedades em nome dos clientes, mas nos grandes bancos eu diria que isso tem tendência para acabar.

Por causa do FATCA e do CRS?
Sim, por causa dessas iniciativas e do aumento da pressão política. De cada vez que saiu uma notícia destas, o cerco aperta-se cada vez mais. Há já muita gente muito preocupada.

Há algum motivo licito para um particular colocar o seu dinheiro em offshores?
Há algumas razões. Em países com regimes governamentais pouco confiáveis, países com hiperinflação ou países violentos por exemplo, houve muita gente a colocar o dinheiro em paraísos fiscais ou para não se saber que o tinham, ou para não o perderem de um dia para o outro. Também há os casos de quem quer ocultar o património da família.

E no caso de uma empresa?
Imagine que estamos a fazer um negócio entre Portugal, a China e o Brasil, para o qual precisamos de criar um veículo, num território neutro, com pouca burocracia e poucas implicações fiscais. Estas são jurisdições muito flexíveis. Diria que nesse manancial de informação há uma percentagem grande de negócios que ocorrem por estes motivos. Outros serão ilícitos. Outros já estarão entretanto regularizados. Há de tudo.

Estas notícias para si são surpreendentes?
Não são. Toda a gente sabe que isto acontece. E muitas vezes estas são revelações históricas, que já têm vários anos. n
Elisabete Miranda
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