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Helena Borges: “AT não tem nenhuma resistência” a uma conta corrente com o contribuinte
Helena Borges diz que a lei já prevê o pagamento de dívidas tributárias por compensação de créditos e admite uma consolidação da legislação e alguma evolução. Deixa, porém, alertas e defende que o mais eficiente e benéfico para os contribuintes seria aumentar os valores até aos quais é permitido o pagamento em prestações sem prestação de garantia.
A diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) defende que pode ser aumentado para o dobro o valor até ao qual é permitido o pagamento a prestações de dívidas ao Fisco sem que os contribuintes tenham de apresentar garantia e que atualmente tem um teto de cinco mil euros no caso das pessoas singulares e de dez mil euros, se o contribuinte for uma empresa. Esta opção faria sentido "nesta altura em que as empresas se veem em dificuldades e que não traria custos de contexto e seria de fácil aplicação". Para Helena Borges, uma medida deste tipo é de maior utilidade para os contribuintes do que propriamente os mecanismos de compensação de dívidas fiscais com créditos que os sujeitos passivos tenham sobre a AT, mecanismos que, sublinhou, já estão previstos na lei e devidamente implementados, mas que são pouco ou nada utilizados pelos contribuintes.
Helena Borges falava esta quarta-feira no Parlamento, no âmbito de uma audição a propósito de uma iniciativa legislativa do CDS-PP que prevê que seja estabelecida uma conta corrente entre a AT e os contribuintes. A diretora-geral defendeu que há neste momento legislação dispersa sobre a matéria que devia ser consolidada, mas também sublinhou que evoluir para situações em que a conta corrente se estenda a outros créditos que não os Fiscais, incluindo, por exemplo, também a Segurança Social, é algo que deve ser avaliado com muito cuidado e levando em linha de conta a Lei de Enquadramento Orçamental, já que esta "exigiria hoje uma reflexão adicional para verificar como se refletiriam essa operações de conta corrente".
O projeto de lei do CDS-PP, recorde-se, surge no contexto da recuperação pós-pandemia e prevê a criação de um regime excecional de extinção das prestações tributárias por compensação que perdure no tempo pelo menos até ao final de 2024, podendo, entretanto, ser prorrogado. A ideia desta "conta-corrente entre os contribuintes e o Estado" é a de que se o Fisco estiver a dever aos contribuintes, estes possam pagar os seus impostos com os créditos que têm sobre o Estado, tenham ou não origem tributária. Numa primeira discussão e votação na generalidade, a proposta passou, com os votos favoráveis de todos os partidos menos do PS, que votou contra, e do PAN, que se absteve.
Na discussão na generalidade levantaram-se já muitas dúvidas quanto à inclusão de créditos não fiscais na conta corrente e Cecília Meireles, do CDS-PP, concretizou esta quarta-feira que se pretende que o mecanismo "ocorra entre créditos e compensação de dívidas tributárias ou de natureza contributiva, excluindo autarquias e setor empresarial do Estado".
Compensação existe, mas é pouco frequente
No caso das dívidas e créditos tributários, a lei prevê já a compensação, mas isso pouco acontece, desde logo porque o Fisco efetua a tempo e horas os reembolsos a que os contribuintes têm direito, explicou Helena Borges aos deputados. "O quadro legal já prevê essa compensação e não há razão para legislar nem n temos razão para pensar que não está operacionalizado", afirmou a diretora-geral. "Pode acontecer casos em que o contribuinte acha que já tem direito ao crédito e este ainda não está reconhecido, ou porque um reembolso está a ser objeto de controlo, ou porque há indícios de crime fiscal'', exemplificou.
"De outra forma isso não se coloca. Nunca há necessidade de fazer compensação porque o contribuinte tem logo o dinheiro na sua conta", garantiu. "E em caso de demora, a lei prevê juros de mora e em todos os casos, quando assegura as restituições, a AT paga os correspondentes juros de mora. E quando alguém pede a compensação numa dívida fiscal, isso está assegurado".
Só um caso de compensação com créditos não fiscais
Outra coisa é o mecanismo, também previsto na lei, que permite a efetivação da compensação das dívidas tributárias em fase de cobrança coerciva com dívidas da administração direta do Estado de que o contribuinte seja titular. Esta medida estava prevista no Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) desde 2010, mas só em 2017 foi regulamentada através de portaria e apenas nos casos em que o crédito tenha sido reconhecido por decisão judicial transitada em julgado, que sejam certos, exigíveis e líquidos.
E também aqui, pouco uso é dado à lei, admite Helena Borges. "Temos um único pedido de compensação de créditos tributários e não tributários" e "tivemos custos elevadíssimos de implementação" do mecanismo, revelou aos deputados, admitindo que "talvez se pudesse alargar o âmbito da portaria, que agora exige trânsito em julgado" ou mesmo alargar a portaria "a outros créditos, desde que certos, líquidos e exigíveis".
A AT, diz, tem "sistemas para o aplicar em qualquer momento". "Não temos dificuldades nenhumas de operacionalização e de aplicação desse direito", garante. A diretora-geral entende, no entanto, que há "uma fragmentação do quadro legal que talvez possa justificar uma menor compreensão por parte das pessoas".
"Teríamos todas as condições para iniciar um processo que nos libertasse desta teia de legislação avulsa, que os próprios executados não usam por desconhecimento", continuou Helena Borges, defendendo que "a AT tem tudo a ganhar com isso", até porque também tem "recursos, escassos, envolvidos na avaliação de garantias" que os contribuintes têm de apresentar para pagar as suas dívidas em prestações.
"Da nossa parte não há obstáculo, desde que haja um processo de 'vacatio legis' mais alargado, mas nada que não seja compatível com outros graus de complexidade que já nos vimos obrigados a implementar". Em suma, rematou "genericamente não há nenhuma resistência da AT".
Alertas para um alargamento da conta corrente
Ainda assim, a responsável do Fisco deixou alertas: "A Segurança Social é também uma autoridade tributária para estes efeitos, mas não podia nunca ser uma conta corrente conjunta", até porque "isso traria uma dificuldade ao nível das próprias fontes de financiamento e teria de estar a DGO envolvida se algum dia a legislação evoluísse nesse sentido"
E, por outro lado, lembra, a AT assegura a cobrança de tributos para muitas entidades, incluindo autarquias, juntas de freguesia e "a conta corrente não pode abranger este tipo de tributos", pois "se isso acontecesse poderíamos ficar sem condições de assegurar a distribuição da receita para as entidades".
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