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Berlim avisa que proposta grega não chega. Bruxelas diz que há base para negociar

A carta de Varoufakis faz uma referência apenas indirecta à intenção de concluir o actual programa de ajustamento, e levanta, desde já, a proposta de um novo resgate financiado pela Europa e pelo FMI, ou seja da troika, para o período 2015-2019. Para Berlim, há pouco compromisso da parte de Atenas. Para Bruxelas, há base para conversar. Eurogrupo, que é quem decide, reúne amanhã.

Reuters
19 de Fevereiro de 2015 às 12:52
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A proposta de pedido de extensão da assistência financeira endereçada pelo ministro grego das Finanças não oferece uma solução "substantiva" para o problema da sustentabilidade financeira da Grécia e não está em linha com a decisão do Eurogrupo desta segunda-feira, afirmou esta manhã, segundo a Bloomberg, o porta-voz do ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble.

 

"A carta de Atenas não é uma proposta que conduza a uma solução substantiva. Na verdade, vai na direcção de um financiamento ‘ponte’ sem responder às exigências do programa [de ajustamento]. A carta não preenche os critérios acordados pelo Eurogrupo na segunda-feira",  refere o comunicado de Martin Jaeger, porta-voz de Schäuble.

 

Já a Comissão Europeia considera que a carta de Atenas é um sinal positivo que pode abrir caminho a um compromisso entre a Grécia e os demais países da Zona Euro.

 

O presidente do Eurogrupo – fórum que reúne os ministros europeus das Finanças e a quem cabe uma decisão final sobre a extensão do apoio à Grécia - já convocou para amanhã um encontro entre todos os ministros. Jeroen Dijsselbloem considerará, portanto, que há condições para retomar as conversações com as autoridades gregas. Marcou um Eurogrupo presencial, ao contrário da teleconferência que o ministro grego sugerira.

 

Na carta endereçada por Yanis Varoufakis ao Eurogrupo, revelada na íntegra no "The Guardian" e no FT, faz-se uma referência dúbia ao actual programa de ajustamento, que o Eurogrupo tem insistido ser a referência para qualquer novo acordo com a Grécia, devendo ser concluído com sucesso.

 

"As autoridades gregas estão agora a pedir a prorrogação do Acordo Quadro de Assistência Financeira [assinando originalmente com o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, entretanto rebaptizado Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), que é dirigido por Klaus Regling] para um período de seis meses após a sua conclusão [28 de Fevereiro], período durante o qual vamos proceder em conjunto, e fazer o melhor uso da flexibilidade dada pelo actual plano, com vista à sua conclusão bem-sucedida e avaliação com base nas propostas de, por um lado, o governo grego e, por outro, as instituições". A sintaxe escolhida por Atenas é complexa, mas parece sugerir que o seu compromisso é usar o empréstimo, não necessariamente cumprir as medidas e metas que têm de ser atingidas para que os desembolsos possam ser efectuados - o que não será aceite pelo Eurogrupo.

 

Por outro lado, carta de Varoufakis levanta, desde já, a proposta de um novo resgate financiado pela Europa e pelo FMI, ou seja pela troika, tendo uma fonte oficial do governo, citada pelo "The Guardian", precisado que esse novo programa cobriria o período 2015-2019, que coincide com a legislatura do novo Governo liderado pelo Syriza de Alexis Tsipras. 

 

Na carta, Varoufakis sugere que se  "iniciem os trabalhos entre as equipas técnicas sobre um enventual novo contrato para a 'Recuperação e o Crescimento' que as autoridades gregas prevêem [possa ser concluído] entre a Grécia, a Europa e o Fundo Monetário Internacional, que poderia seguir-se ao acordo actual".

 

Segundo afirmou Varoufakis ao jornal  To Vima, "haverá uma resposta 'Sim' ou 'Não'" no Eurogrupo.

 

O que quer dizer cumprir programa? 

O programa europeu de assistência à Grécia deveria ter terminado no fim de 2014 (o do FMI prolonga-se até Março de 2016), se a quinta avaliação da troika tivesse sido bem-sucedida. Não o foi devido a divergências profundas entre a troika e o então Governo de Antonis Samaras sobre o realismo do Orçamento de 2015, que está em vigor. Nas contas da troika, o orçamento apresenta um "buraco" de 1,7 mil milhões de euros face ao excedente orçamental primário de 3% do PIB aí previsto. Perante o impasse, e a pedido de Atenas, o programa foi, então, prolongado em dois meses até 28 de Fevereiro. Consequentemente, as transferências financeiras programadas, da parte da Zona Euro e do FMI, foram suspensas, porque só há novos cheques quando as metas traçadas pela troika são atingidas no terreno. No total, há cerca de sete mil milhões de euros ainda por transferir.  


"Eu não tenho nenhuma informação nova, mas não temos [na União Europeia] contratos de empréstimo, temos programas de assistência. É neste detalhe, aparentemente sem importância, que reside a chave: a Grécia gostaria de receber empréstimos, mas não cumprir as condições para permitir uma recuperação económica ", advertira já ontem o ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, em entrevista a uma tv alemã.

Após dois encontros fracassados, nos quais a delegação grega ficou isolada, o Eurogrupo passou na segunda-feira a bola à Grécia. Se quer mais assistência financeira dos demais países europeus, Atenas tem de seguir as regras e pedir uma "extensão do programa" - empréstimos mas também compromissos -, independentemente do nome que se lhe quiser dar. Essa extensão, caso seja acordada pelo Eurogrupo, terá de ser aprovada em pelo menos quatro parlamentos nacionais, caso do alemão, do finlandês, do holandês e do estónio.

 

A oferta europeia que está sobre a mesa é a que havia sido feita ao anterior Executivo conservador de Samaras: prolongar o programa por mais seis meses, findos os quais se voltará a analisar a situação grega e a sua capacidade de se financiar de forma autónoma, dispensando o apoio da comunidade internacional que está a financiar o país desde 2010. Na carta hoje enviada a Bruxelas, Varoufakis diz querer começar, desde já, os trabalhos preparativos com vista a um novo resgate sob o lema "Recuperação e Crescimento" e pede o envolvimento das instituições da União Europeia mas também do FMI.

 

Grécia à beira da ruptura financeira

 

As informações que chegam de Atenas sugerem que Estado e bancos estarão praticamente sem fundos. O BCE decidiu, ontem, aumentar em 3,3 mil milhões de euros, para 68,3 mil milhões de euros, a linha de liquidez de emergência à banca helénica. Mas, segundo a Reuters, o banco central grego pedira um aumento de 10 mil milhões, o que sugere a persistência do risco de os bancos terem de impor controlos de capitais.

 

Dados divulgados pelo Banco da Grécia sugerem, por seu turno, que os cofres do Estado estarão já no vermelho. No fim de Janeiro, as contas públicas fecharam com um défice primário (excluindo juros) de 149 milhões de euros, o que compara com um excedente de 812 milhões de euros no mesmo mês de 2014. Muitos gregos não pagam impostos quando há eleições, e essa pode ser uma explicação para o rombo nas contas, já que foram as receitas fiscais que caíram a pique: em Janeiro, entraram 3,13 mil milhões de euros de receitas,  contra 4,46 mil milhões em igual mês do ano passado. Já as despesas do Estado reduziram-se para 3,2 mil milhões de euros, face a 3,6 mil milhões em Janeiro de 2014.

 

Em Atenas, a ministra-adjunta das Finanças, Nadia Valavani, anunciou ontem um perdão fiscal que pode ser interpretado como uma tentativa desesperada de encaixe de receitas, mas que seguramente vai gerar anti-corpos no FMI e nos demais países europeus que estão a financiar a Grécia desde 2010. Singulares e empresas com dívidas ao Estado que aceitem fazer um primeiro pagamento não inferior a 200 euros podem beneficiar de um perdão de até 50% da dívida restante. Segundo a responsável helénica, as dívidas ao fisco e à segurança social elevam-se a 76 mil milhões de euros, mas, realisticamente, apenas nove mil milhões de euros podem ser recuperados. "O dinheiro que pode ser pedido e recuperado é apenas nove mil milhões, ou seja, 11,6% do total", disse a ministra-adjunta, citada pela agência France Presse.

 

Um dos próximos credores que baterá à porta de Atenas será o FMI. Embora ainda tenha previsto transferir 2,8 mil milhões no âmbito do segundo resgate (acordado em 2012), em Março chega a hora de Atenas começar a pagar os empréstimos recebidos no quadro do primeiro resgate (negociado em 2010): 1,4 mil milhões de euro é o valor do primeiro reembolso.

 
 

(notícia actualizada às 15h00)

 

 

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