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Nessa Ní Chasaide: "Dívida do Anglo Irish é ilegítima"

O esqueleto do edifício que seria a sede do Anglo Irish permanece ali no distrito financeiro de Dublin representando os excessos do passado, mas também o esforço que exigiu aos contribuintes irlandeses. Essa dívida não deveria ser paga, defende Nessa Ní Chasaide, promotora da campanha activista “Anglo is not our Debt”.

Rui Peres Jorge rpjorge@negocios.pt 03 de Maio de 2013 às 14:01

Por volta de 2008, o edifício na foto em baixo representava a pujança do sector financeiro irlandês: seria a sede do Anglo Irish Bank, uma mega instituição financeira irlandesa. Hoje é um símbolo da decadência financeira em que o país se embrenhou. Com a crise tudo parou, o Anglo foi nacionalizado, absorvendo pelo caminho cerca de 30 mil milhões de euros (numa dívida conhecida por “notas promissórias” que entretanto foram este ano transformadas em dívida pública), e entretanto foi fechado. O esqueleto do Anglo Irish permanece ali no distrito financeiro de Dublin representando os excessos do passado, mas também o esforço que exigiu aos contribuintes irlandeses. Essa dívida não deveria ser paga, defende Nessa Ní Chasaide, promotora da campanha activista “Anglo is not our Debt”.

 

Porque escolhem o Anglo Irish Bank?

O Anglo Irish é o elemento mais ilegítimo da dívida bancária que foi socializada e também o mais importante. Dos 60 a 64 mil milhões de euros colocados na banca, cerca de metade foi para o Anglo Irish.

 

O acordo com as notas promissórias veio dificultar o não pagamento das dívidas?

Eles apresentaram-nos a negociação como um triunfo na negociação com o BCE, mas nós vemo-lo como um falhanço total. O Governo assumiu que nunca pediu uma redução da dívida e entretanto transformou as notas promissórias em obrigações do Tesouro.  Foi um erro enorme. Teria sido muito melhor esperar e ganhar margem negocial. O Governo apenas adiou os pagamentos para 2038, reconhecendo que a dívida é legitima e que deve ser paga pelas gerações futuras.

 

Porque é que argumentam que a dívida não é legítima?

O Anglo Irish Bank é a instituição “poster” para negócios imprudentes; em segundo lugar, as próprias regras do capitalismo foram postas de lado pois os obrigacionistas receberam todo o seu dinheiro; e finalmente o Estado continuou a fazer pagamentos aos obrigacionistas mesmo depois de ser lançada uma investigação criminal contra os indivíduos que foram responsáveis pelo banco. Além de ser ilegítima, também sabemos o risco de não pagar as notas promissórias não eram elevados em termos de contágio – até porque o dinheiro, depois de pago ao banco central, será essencialmente destruído.

 

Qual o papel do BCE: o banco central emprestou dinheiro ao Anglo Irish com o acordo dos bancos centrais do euro. Não teria uma palavra a dizer?

As pessoas dizem que seria ilegal por constituir financiamento monetário, mas penso que isso é exagerado. Além disso, é também o papel do Estado irlandês decidir qual é o ponto limite em termos de sustentabilidade da sua dívida, assim como também é papel do banco central garantir a estabilidade das nossas instituições financeiras.

 

O Governo espera conseguir uma recapitalização retroactiva de alguns bancos por parte do mecanismo europeu de estabilidade. O acordo com as notas promissórias enfraquece a posição da Irlanda nessa negociação?

O Governo dirá que ao ter adoptado uma posição mais suave estará a melhorar as possibilidades de conseguir alguma troca de dívida pública por entrada de capital pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade. Se o Governo não adoptar uma posição mais dura, o resultado não poderá ser bom. Nós pensamos que se deveriam suspender os pagamentos associados ao Anglo Irish e agora, após o acordo, defendemos que não se paguem “as obrigações Anglo”. Os 64 mil milhões que foram injectados pelos contribuintes devem ser compensados.

 

O Governo diz que conseguiu vários sucessos que melhoraram o seu risco de crédito, como as notas promissórias e a extensão das maturidades. Concorda é importante para regressar aos mercados?

Uma forma melhor de regressar aos mercados seria suspender os pagamentos das notas promissórias. O sistema financeiro veria que a probabilidade da dívida entrar numa trajectória sustentável seria maior. Tudo isso é uma retórica que assenta na ideia de não assustar os mercados. Nós não acreditamos nisso: queremos uma economia mais saudável e que as pessoas não sejam obrigadas a pagar por especulação financeira do passado.

 

Com tanta austeridade, as pessoas aqui não se manifestam muito, porquê?

Os sinais estão lá, a nível mais local. A rejeição do acordo de Croke Park mostra que há grande insatisfação. É verdade que não é em larga escala como noutros países. Há algumas razões para isso: o Governo entrou num processo de comunicação muito confuso e as pessoas sentem-se confusas sobre a relação entre o Estado e a nossa dívida bancária socializada. Mas à medida que o tempo passa as pessoas começam a ficar convencidas de que pagámos as contas de um grande conjunto de investidores descuidados.  Além disso, as pessoas estão lutar com o stress da austeridade e a tentar manter os empregos. E a emigração é um grande válvula de escape.

 

Como lê o chumbo de Croke Park?

Penso que as coisas mudaram com o Croke Park porque significa que a concertação social já não existe como antes. Os modelos de concertação social promotores do diálogo e da negociação não estão a funcionar. Mas ainda se está para se ver o que vai acontecer.

 

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