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Depois do não, não e não, virá o sim para desbloquear o Brexit?
Colocados perante oito cenários alternativos ao acordo de saída de Theresa May, os deputados britânicos rejeitaram todos e cada um deles. Agora cabe à primeira-ministra fazer um último esforço para aprovar os termos do divórcio já duas vezes chumbados pelo parlamento. Para o conseguir May oferece a sua demissão, mas pode não bastar.
O parlamento do Reino Unido chumbou ontem oito moções que definiam vias alternativas ao acordo de saída da primeira-ministra Theresa May, já duas vezes chumbado. Isto significa que os deputados britânicos já sabem o que não querem do Brexit e que apenas falta definirem o que querem? Mais ou menos.
Por partes. Sendo certo que as soluções alternativas (que não vinculativas) foram chumbadas, estas poderão regressar ao parlamento se, entretanto, o governo conservador continuar sem conseguir reunir o apoio necessário à aprovação do tratado jurídico negociado com Bruxelas que enquadra legalmente o Brexit.
Há uma alternativa em particular (Moção J, que propõe uma união aduaneira com a União Europeia e que foi chumbada por apenas oito votos) com margem para ser aprovada num cenário de persistente bloqueio e agudizar da atual crise político-institucional que o Reino Unido atravessa. O resultado inconclusivo das votações desta quarta-feira confirmou quão grande é a divisão no parlamento tanto entre como intra-partidos
Mas nesta fase a prioridade em Downing Street passa por fazer regressar à Câmara dos Comuns o acordo de saída da primeira-ministra. Theresa May jogou porventura o trunfo que lhe restava para, à terceira tentativa, assegurar finalmente a aprovação do seu acordo.
Num encontro com o grupo parlamentar dos "tories" (Comité 1922) que precedeu o debate e votação das moções alternativas, Theresa May comprometeu-se a deixar a liderança do Partido Conservador (e consequentemente do governo) se os rebeldes conservadores (que incluem as alas pró-brexit e "hard brexit") mudarem de posição e suportarem o acordo de saída.
May prometeu ainda afastar-se de forma a permitir que a próxima fase de negociação com os líderes europeus (sobre a relação futura Londres-Bruxelas) fosse já conduzida pelo seu sucessor. Recorde-se que, em dezembro, para sobreviver à censura interna para a derrubar, Theresa May já se havia comprometido a não se recandidatar nas eleições gerais previstas para 2022.
Tomorrow’s Guardian
— Paul Johnson (@paul__johnson) March 27, 2019
-The mess that is Brexit pic.twitter.com/oXm5iEph60
As difíceis contas do Brexit
Com esta cartada, May assegurou desde logo o apoio dos maiores opositores internos, em particular de parte dos deputados membros do European Reserach Group (ERG, a ala eurocética dos "tories").
A BBC contabiliza 25 "tories" dispostos a mudar o sentido de voto, porém este número é insuficiente para mudar aquilo que foram as estrondosas derrotas sofridas pela primeira-ministra nas duas primeiras votações. O ERG conta com mais de 60 deputados.
Além de que os unionistas norte-irlandeses (DUP, cujos 10 deputados viabilizam, no parlamento, o governo minoritário de May) mantêm a posição de recusa ao acordo por considerarem que entre a primeira e a segunda versão nada de substancial mudou, sobretudo na questão do backstop para a fronteira irlandesa (que persiste como o maior obstáculo à validação de um Brexit ordenado).
O líder do ERG e rival de May, Jacob Rees-Mog, foi um dos conservadores a anunciar que poderá apoiar o acordo de saída após May revelar disponibilidade para sair de cena. Só que Rees-Mog condiciona esse apoio a uma mudança de posição do DUP, o que agrava a incerteza quanto às reais possibilidades de Theresa May ainda ir a tempo de superar o atual bloqueio.
Por outro lado, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, Boris Johnson, teve a mais surpreendente inflexão ao admitir apoiar o acordo. Note-se que além de ser um dos maiores críticos internos ao plano da primeira-ministra é apontado como um dos principais pretendentes à sua sucessão.
May faz último esforço
A primeira-ministra joga agora tudo num esforço de última hora para ainda esta sexta-feira promover uma terceira (e derradeira?) votação ao seu acordo de saída, sabendo de antemão que o líder do parlamento, John Bercow, já avisou que só será novamente votado se for alvo de alterações substanciais. Ou seja, não aceita que o acordo de saída seja votado uma terceira vez se permanecer inalterado.
Assim 29 de março continua a ser determinante, já não por ser a data para a concretização da saída britânica da UE, mas por ser eventualmente o dia em que May esgota as possibilidades para aprovar o acordo firmado com Bruxelas.
Se é improvável que a primeira-ministra obtenha o apoio necessário junto de deputados trabalhistas, May está obrigada a negociar com o DUP e com um Partido Conservador muito dividido não apenas em relação ao melhor caminho para o Brexit mas também quanto à sucessão da líder. Em ambos os casos o jogo é disputado, em grande medida, por três tendências: "remainers", "brexiters" e "hard-brexiters".
O secretário-geral trabalhista, Jeremy Corbyn, não deixou passar em claro a disponibilidade agora demonstrada pela fação rebelde "torie" para apoiar o acordo de May defendendo que o impasse no Brexit acontece apenas porque os conservadores estão a colocar as suas ambições pessoais acima do interesse do país.
Esta sexta-feira ficam a faltar precisamente duas semanas para o dia 12 de abril, data até à qual o Reino Unido tem de fazer chegar uma proposta alternativa para o Brexit, isto se até lá não for aprovado nenhum acordo de saída. Caso não se verifique nenhuma das situações, consuma-se o cenário mais temido de um Brexit caótico.
Se até ao final do dia de amanhã a primeira-ministra May tiver alcançado a pretendida aprovação do acordo, então a Grã-Bretanha abandona o bloco europeu a 22 de maio. Ainda com tantas possibilidades em cima da mesa, a UE não exclui um adiamento mais longo do Brexit (possivelmente até março de 2020). Cenários não faltam, as certezas é que escasseiam.