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Puigdemont insiste no diálogo e diz ao rei de Espanha que “assim não”
Depois da via de ruptura até aqui seguida pelo governo catalão, o presidente da Generalitat insistiu no diálogo e conciliação e repetiu a necessidade de conversações mediadas por um terceiro actor. "Assim não", diz Puigdemont ao rei Felipe VI.
Carles Puigdemont ensaiou um recuo face ao processo de escalada independentista até aqui seguido pelo governo autonómico da Catalunha (Generalitat). No discurso feito esta quarta-feira, 4 de Outubro, o presidente da Generalitat repetiu o apelo ao diálogo já feito na ressaca do referendo do passado domingo e insistiu na necessidade de conversações mediadas por uma entidade terceira. Ao discurso de ontem do rei de Espanha deixou duras críticas.
O líder catalão lamentou que as "aspirações" do povo da Catalunha tenham sido "tratadas de forma criminal e ilegítima", numa referência à repressão policial ordenada por Madrid contra os catalães que pretendiam votar no referendo de domingo e que provocaram mais de 800 feridos.
Tendo em conta a violência utilizada, Puigdemont explicou que "por isso fazemos um apelo ao diálogo". Porém, o presidente da Generalitat afiança que permanecerá intacto o direito dos catalães a expressarem-se livremente e "vamos fazê-lo com o compromisso de manter sempre uma porta aberta ao diálogo".
"Estou disposto a um processo de mediação porque a paz, o diálogo e a negociação fazem parte da nossa alma política", declarou. E dirigindo-se ao governo liderado por Mariano Rajoy precisou que "seria uma grave irresponsabilidade não atender a estes apelos ao diálogo e à negociação".
Ainda sobre a consulta popular de 1 de Outubro (1-O), que as autoridades judiciárias, políticas e de segurança tentaram (sem sucesso) boicotar, Puigdemont sustentou que "fizemos o referendo apesar de uma repressão sem precedentes e, nos próximos dias, voltaremos a mostrar a nossa melhor cara para aplicar os resultados do referendo".
Esta referência feita pelo também membro do Partido Democrata Europeu da Catalunha (PDeCAT, que sucedeu em 2016 à Convergência Democrática da Catalunha) sinaliza a intenção já anunciada de aprovar, no parlamento catalão, uma declaração unilateral de independência conforme disposto pela lei do referendo aprovada por aquela instituição em Setembro último.
Apesar de tal declaração não produzir efeitos jurídicos, até porque a lei do referendo e da desconexão foram suspensas pelo Tribunal Constitucional (TC) logo após a respectiva aprovação pelo parlament, assume claro significado político.
??#President @KRLS: "El rei fa seu el discurs i les polítiques del govern Rajoy que han estat catastròfiques per Catalunya" pic.twitter.com/bL0FzpdYdV
— Govern. Generalitat (@govern) 4 de outubro de 2017
Carles Puigdemont recordou ainda que a greve geral que paralisou boa parte da Catalunha na terça-feira decorreu "sem incidentes e de forma pacífica".
Mas o tom mais duro terá porventura sido utilizado para se referir ao discurso feito na última noite pelo rei de Espanha. Felipe VI acusou a Generalitat de "deslealdade inadmissível" e instou mesmo o executivo de Rajoy a recorrer, se necessário, a todos os instrumentos legais para garantir a "ordem democrática".
O monarca referia-se ao artigo 155 da Constituição que prevê a suspensão da autonomia catalã, inclusivamente mediante o recurso à força. "Assim não", atirou Puigdemont ao rei acusando-o de com a sua intervenção ter "decepcionado muitas pessoas na Catalunha".
"A Constituição outorga-lhe um papel moderador que ontem não teve e declinou", acrescentou para o acusar ainda de "ignorar os catalães alvo de agressões" e de também não querer "ouvir a opinião" da Generalitat.
Rajoy continua a rejeitar dialogar com quem usa "chantagem"
Antes ainda de Puigdemont voltar a propor a via do diálogo inexistente entre Madrid e Barcelona há vários anos, já Mariano Rajoy tinha voltado a colocar de parte qualquer possibilidade de negociação, mediada ou não, com os actuais dirigentes catalães, que beneficiam de uma maioria parlamentar de carácter nacionalista.
Pablo Iglesias, líder do Unidos Podemos, voltou esta tarde a lançar o repto a Rajoy e Puigdemont para que "se sentem a uma mesa, sem condições prévias, para chegarem a acordo sobre os termos de uma mediação". Como se viu a Generalitat mostra-se aberta a esta possibilidade também já defendida diversas vezes nos últimos dias pelo secretário-geral do PSOE, Pedro Sánchez.
Contudo, segundo fontes do gabinete de Rajoy citadas pelo El País, o primeiro-ministro espanhol recusa negociar "com quem planeia uma chantagem brutal contra o Estado". Rajoy referia-se à declaração unilateral de independência que está na forja e deverá ser aprovada já na próxima segunda-feira após ter sido convocado para o dia 9 de Outubro um plenário extraordinário para "avaliar os resultados [do referendo] e seus efeitos".
Ora, os resultados - que deram uma vitória ao "sim" à independência com 90% dos votos num acto cuja participação foi de 42% - ainda não foram publicados oficialmente porque depois disso acontecer o parlamento catalão tem até 48 horas para votar a aprovação, ou rejeição, da supracitada declaração de independência. Puigdemont terá atrasado a oficialização dos resultados precisamente para fazer um compasso de espera na expectativa de diálogo com Madrid.
Mas Rajoy não está para aí virado: "O que tem de fazer Puigdemont é renunciar à declaração unilateral de independência", foi a resposta do governo citada pelo El País que adianta ainda que este ponto "não é negociável". Tudo aponta para que a estratégia de Rajoy passe por manter uma posição de imobilismo face às acções secessionistas da Generalitat na esperança de criar divisões no seio da Generalitat que possam forçar eleições antecipadas na Catalunha.
Com Mariano Rajoy e Carles Puigdemont como representantes de Madrid e Barcelona, respectivamente, parece cada vez mais improvável uma solução concertada no sentido de uma alteração constitucional que viabilizasse um Estatuto de Autonomia da Catalunha que satisfizesse as pretensões dos partidos nacionalistas catalães.
(Notícia actualizada às 21:05)