Notícia
Dijsselbloem, o homem frontal que é como um filho para Schäuble
O holandês tornou-se presidente do Eurogrupo sem qualquer experiência política europeia. Nos corredores europeus comenta-se a relação de proximidade que tem com Wolfgang Schäuble. Em 2014, Dijsselbloem disse que Juncker bebia e fumava demasiado.
Jeroen Dijsselbloem, de 50 anos (faz 51 daqui a uma semana), é visto como um homem de uma paciência infinita que não desiste de levar a sua avante. E tem fama de nunca – ou quase nunca – se enervar. Cumpre prazos, não deixa as reuniões passarem da hora e usa linguagem clara e directa. O contraste com Jean-Claude Juncker, actual presidente da Comissão Europeia, que o antecedeu no Eurogrupo, a estrutura informal que reúne os ministros das Finanças da Zona Euro, é notório.
Já antes da actual polémica em que se viu envolvido, devido a declarações vistas como humilhantes para os países do sul da Europa – embora o próprio jure que não estava a falar de ninguém em específico –, Jeroen (lê-se "ierún") viu-se envolvido numa controvérsia semelhante com o seu antecessor. Num programa de televisão holandês, em 2014, o chefe do Eurogrupo caracterizou Juncker como um "fumador e consumidor de álcool inveterado", garantindo que até fumava nas reuniões, onde era proibido fazê-lo.
Juncker, que acabara de admitir candidatar-se à presidência da Comissão Europeia, foi forçado a garantir que estava tudo bem. "Não tenho problemas com álcool", afiançou ao Wort, um jornal do seu país.
Num perfil elaborado em 2015, os jornalistas holandeses Thijs Broer e Map Oberndorff explicam até que Dijsselbloem é demasiado honesto – foi por isso que, em 2013, admitiu que o recurso aos depósitos acima de 100 mil euros, que iria ser adoptado no Chipre para resolver os problemas na banca, poderia ser seguido no resto da Europa. Peter Spiegel, o correspondente do Financial Times em Bruxelas, disse que esse episódio é fiel à personalidade de Dijsselbloem. "Disse acidentalmente a verdade". É um homem frontal.
Esta quarta-feira, Dijsselbloem reiterou que o seu estilo é "directo" e frontal, para tentar enquadrar as palavras que utilizou para pedir responsabilidade aos países que receberam empréstimos no auge da crise.
O mestrado que não era
Dijsselbloem nasceu em Eindhoven, no sul da Holanda, e foi lá que concluiu o ensino secundário. Actualmente vive numa pequena cidade do interior do país, Wageningen, com cerca de 30 mil habitantes. Foi nesta universidade que Jeroen se licenciou em Economia Agrícola, em 1991. Nesse mesmo ano foi estudar para a University College de Cork, na Irlanda, onde planeava fazer um mestrado que não chegou a concluir.
Essa foi outra das polémicas em que se viu envolvido. Quando tomou posse como ministro das Finanças da Holanda, em 2012, a sua biografia foi colocada em diversas instâncias europeias, incluindo o Banco Europeu de Investimento. Na biografia disponibilizada por esta instituição, Dijsselbloem surgia como tendo o grau de mestre em Economia Empresarial pela universidade irlandesa.
O jornal irlandês Independent descobriu, pouco depois, que esse mestrado não existia e que, na realidade, Dijsselbloem apenas passou "um par de meses" em Cork a fazer investigação no campo da Indústria Alimentar. O BEI explicou que a indicação do grau de mestrado surgiu devido a "problemas de tradução". O seu currículo oficial actual reporta apenas esse período de investigação em Cork.
Com uma especialização na área agrícola da Economia, a ascensão de Dijsselbloem na política não deixa de ser surpreendente. Começou como assessor no Parlamento Europeu, passou a assessor parlamentar do PvdA, o partido Trabalhista holandês – que foi copiosamente derrotado nas eleições da semana passada – e seguiu depois para o Conselho Municipal de Wageningen. Anos depois passou, também como assessor, por dois ministérios, e entre 2000 e 2012 fez parte da Câmara dos Representantes holandesa.
A 5 de Novembro de 2012 tornou-se ministro das Finanças, no segundo governo de Mark Rutte, em coligação com o Trabalhista Lodewijk Asscher, que encabeçou a lista do partido de Dijsselbloem no desastre eleitoral de 15 de Março – o PvdA passou de 38 lugares para apenas nove. Jeroen tem lugar assegurado na Câmara dos Representantes como número dois na lista.
O "filho" de Schäuble
Dijsselbloem, que tem uma companheira (não é casado), um filho e uma filha, começou a fazer-se notar no Eurogrupo logo à terceira reunião que foi como ministro das Finanças da Holanda, em Dezembro de 2012. De acordo com Thijs Broer e Map Oberndorff, Jeroen soube que ia haver, noutra sala, uma reunião entre Wolfgang Schäuble, o todo-poderoso ministro das Finanças alemão, o seu homólogo francês Pierre Moscovici (actual comissário dos assuntos económicos e financeiros), o presidente do BCE, Mario Draghi, e o então comissário europeu Michael Barnier, para discutir a formação da união bancária.
Dijsselbloem decide aparecer à reunião. Apesar da surpresa dos outros quatro perante a ousadia do holandês, ninguém o manda embora. Arranjam-lhe uma cadeira e ele intervém durante horas sobre como combater a crise e salvar o euro. Wolfgang Schäuble fica impressionado e nas semanas seguintes, os alemães põe a circular a informação de que Dijsselbloem pode suceder a Juncker. Inicialmente, Jeroen pensa que é uma ideia descabida. Mas na reunião seguinte, Schäuble nomeia-o, pessoalmente, como o seu candidato favorito.
Um dos membros do gabinete de Schäuble diz que foi o ministro alemão que inventou Dijsselbloem. "Ele tem quase uma relação paternal com ele", prossegue a mesma fonte, ouvida pelos jornalistas holandeses. O próprio Dijsselbloem caracteriza Schäuble como "um fabuloso negociador" que tem um prazer especial em "antagonizar as pessoas de forma sarcástica, sempre com um sorriso nos lábios". Antes de liderar o Eurogrupo, a única experiência europeia de Dijsselbloem foi a assessorar eurodeputados do seu partido no Parlamento Europeu em... 1994.
Esta proximidade ao ministro alemão e a exigência do cumprimento das regras europeias levaram-no a ser acusado de estar ao serviço de Berlim. Ainda que, para surpresa de muitos, Dijsselbloem seja da família política… do PS. "Dijsselbloem tem sido, essencialmente, o agente da Alemanha no Eurogrupo", descreve Mujtaba Rahman, director europeu do Eurasia Group, em declarações ao New York Times.
Essa faceta foi especialmente problemática após a vitória do Syriza, de Alexis Tsipras, nas eleições gregas de 2015. Habitualmente ponderado e paciente, Dijsselbloem perdeu a calma com o então ministro das Finanças Yanis Varoufakis. Numa conferência de imprensa em Atenas, cinco dias depois das eleições, Varoufakis garantia que a Grécia não iria trabalhar com a troika. Dijsselbloem não gostou e levantou-se imediatamente, trocando palavras com o grego que o levaram a reagir com um "uau" de surpresa.
Leva o mandato até ao fim?
Na altura, comentou-se que o presidente do Eurogrupo disse uma de duas coisas: "cometeste um grande erro" ou "acabaste de matar a troika". A tensão entre os dois não acalmou, e poucas semanas depois, a 16 de Fevereiro, Moscovici disse que os dois estiveram perto de chegar a confrontos físicos numa reunião do Eurogrupo.
Apesar de tudo, Dijsselbloem teve apoio unânime para um segundo mandato – embora Portugal tenha sinalizado preferir o espanhol Luis de Guindos – e espera conseguir apoio para o levar até ao fim (em Janeiro de 2018), ainda que vá muito provavelmente deixar de ser ministro das Finanças. "Dijsselbloem é visto como um bom presidente do Eurogrupo, que tem liderado com mão firme", elogia Guntram B. Wolff, director do "think tank" Bruegel, igualmente ao NYT.
Os comentários mais recentes não ajudam à tarefa – António Costa exigiu que se demita, mas Schäuble já veio reiterar-lhe apoio: confrontado com as declarações do holandês, o porta-voz do Ministério das Finanças alemão disse que o ministro "valoriza o trabalho de Dijsselbloem" e não avalia o estilo usado nas entrevistas. Um apoio decisivo para alguém que já mostrou que sabe dançar o tango das instituições europeias.
Notícia corrigida às 12:21 de 23 de Março: clarifica-se que Dijsselbloem procura apoio para levar o segundo mandato até ao fim (ao invés de procurar apoio para um terceiro mandato).