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Taxa de 20% sobre economia paralela pagaria orçamento da Saúde

O peso da economia não registada no PIB voltou a aumentar e recuo para a média da OCDE bastaria para tirar Portugal do défice excessivo. Especialista critica a "impunidade" dos perdões e a inútil "repressão" do Fisco.

Bruno Simão
09 de Novembro de 2016 às 14:28
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O peso da economia não registada (ENR) no PIB oficial português voltou a aumentar em 2014 e 2015, ascendendo já a 27,29%. Segundo o índice divulgado esta quarta-feira, 9 de Novembro, pelo Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF), regressou, em percentagem e em euros, aos valores que antecederam o resgate da troika em 2011.

 

O somatório da economia ilegal, oculta (subdeclarada ou subterrânea), informal, da produção para uso próprio e da que não é apurada por deficiências de estatística é de cerca de 49 mil milhões de euros. Se fosse aplicada uma taxa de 20%, poderiam ser cobrados perto de 9.800 milhões de euros em impostos, "o que correspondente ao orçamento da Saúde ou aos juros da dívida pública", frisou Óscar Afonso, um dos autores da actualização do índice, a par da doutoranda Cláudia Gonçalves.

 

Nos resultados apresentados esta manhã na Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP), os investigadores projectaram que, no caso de Portugal conseguir reduzir o peso da economia paralela para a média da OCDE (16,4%), e aplicando uma taxa média de imposto de 20%, em 2015 Portugal teria registado um défice de 0,85% e teria saído do procedimento por défices excessivos.

 

Tendo em conta o que se consegue medir, no caso português, o peso dos impostos directos e indirectos e das contribuições para a Segurança Social são a principal causa da ENR, que em 1970 representava "apenas" 10,17% no total da riqueza oficial produzida pelos portugueses. Óscar Afonso, que lidera o OBEGEF, sublinhou que, "mais do que os valores concretos, o crucial a reter diz respeito à sua tendência crescente".

 

Entre as sugestões apresentadas para o combate à ENR, os autores da actualização deste índice incluem a polémica criminalização do enriquecimento, "punindo fortemente o agente que adquirir bens em manifesta desconformidade com os rendimentos fiscalmente declarados e sem que se conheça outro meio de aquisição lícito". O combate à utilização abusiva de convenções de dupla tributação é outra das medidas propostas

 

A "impunidade" dos perdões e inútil "repressão" do Fisco

 

Na lista das principais consequências imediatas deste fenómeno estão as distorções na concorrência entre as empresas, com Óscar Afonso a detalhar que "contribui para que os preços se situem ainda mais acima dos custos, reduzindo as quantidades transaccionadas". O seu antecessor, Carlos Pimenta, sublinhou que a economia portuguesa está inserida na economia internacional e que "não podemos olhar para estes aumentos exclusivamente em resultado da política interna".

 

"O segundo factor [estrutural para a tendência de aumento da ENR] é de que, dito em linguagem comum, o crime compensa. Quem não paga os impostos ou comete fraudes, em geral, tem maiores vantagens competitivas no mercado. Se nada for feito – e, apesar de tudo, muita coisa tem sido feita – há uma tendência sistemática de aumento em resultado desse crescimento automático, que era a vantagem comparativa de não se pagar impostos, em comparação com os concorrentes", acrescentou Carlos Pimenta.

Os perdões fiscais significam fundamentalmente uma legalização do branqueamento de capitais, embora muitas vezes não impeça as autoridades policiais de continuarem a investigar a origem [do dinheiro]"  Carlos Pimenta, criador do Observatório de Economia e Gestão de Fraude

Criticando os perdões fiscais realizados nos últimos anos pelos governos visando o repatriamento de capitais – "significam fundamentalmente uma legalização do branqueamento de capitais, embora muitas vezes não impeça as autoridades policiais de continuarem a investigar a origem [do dinheiro]" –, o criador do Observatório insistiu que mesmo este novo programa em curso para regularizar dívidas ao Fisco e à Segurança Social "agrava o sentimento de impunidade".

 

Pimenta lamenta que não haja uma evolução favorável no grau de confiança dos cidadãos na aplicação das receitas fiscais e no funcionamento do Fisco. E também que os últimos responsáveis no Ministério das Finanças tenham optado pela "repressão", que "há muito se considera que não é a forma de resolver as coisas". É que, explicou, "a intensificação da máquina da administração fiscal (…) até tem um efeito de quebrar um rosto humano nas Finanças, o que criou alguma desconfiança adicional nas pessoas que têm de pagar impostos".



Quem estuda a "moral fiscal"?

O "pai" do Observatório de Economia e Gestão de Fraude contesta que, sem essa análise, não há condições para "um combate eficaz, duradouro e estrutural" à fraude fiscal.

O fundador do Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF) assinalou que quase não há estudos em Portugal sobre a moral fiscal, algo que está hoje muito em voga e que ajuda a perceber como é que cada cidadão reage em relação às questões fiscais e o que é que o determina. Isto é, não se sabe exactamente o que influencia esse comportamento dos cidadãos – e muito menos o das empresas e das organizações criminosas. Nos dois trabalhos já realizados, um em Lisboa e outro no Porto, "os resultados ainda são muito limitados e muito disciplinares, e isto exige a consideração de outras categorias sociológicas e psicológicas que não têm sido consideradas". "Ninguém ainda se preocupou com isso. Isso é decisivo para o combate à fraude. Sem termos uma ideia da moral fiscal em Portugal, não temos condições para fazer um combate eficaz e duradouro e estrutural à fraude fiscal", concluiu Carlos Pimenta.

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