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Aprendemos as lições da crise? Há comportamentos semelhantes a 2008

Num estudo dedicado a perceber se aprendemos com a crise financeira de 2008, Carlos Tavares conclui que há ainda muitos comportamentos de risco no mercado, semelhantes aos que aconteciam há oito anos.

07 de Novembro de 2016 às 15:34
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"Não há bons modelos que resistam às más pessoas". Esta é uma das conclusões do "paper" publicado por Carlos Tavares, onde explora se aprendemos com as lições da crise. Mais de oito anos depois da crise financeira, o ainda presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) realça que há comportamentos preocupantes, semelhantes aos que aconteciam em 2007-2008.

A crise financeira de 2008 abalou os mercados mundiais e forçou as autoridades a repensar os modelos de supervisão e regulação. Apesar de um forte esforço regulatório, Carlos Tavares mostra em cinco pontos como pouco ou nada mudou desde a crise que estalou nos EUA no Verão de 2007. E os comportamentos de risco permanecem nos mercados.

Segundo Carlos Tavares, há um conjunto de recomendações que se assumiram desde cedo como prioritárias para evitar uma nova crise. Os bancos teriam de ser mais pequenos, seria necessário um processo de desalavancagem, os mercados deveriam ser mais regulados e transparentes, produtos menos complexos e seria necessária uma melhor avaliação do risco. Oito anos depois há menos bancos, estamos mais endividados, grande parte das operações corre fora de mercado, os produtos complexos continuam a ter forte popularidade e o "spread" no crédito está a diminuir.

Bancos mais pequenos? Concentração está a aumentar

"Too big to fail". Esta foi uma das expressões que se tornou popular após a crise financeira. Segundo os reguladores, este foi um dos principais problemas que impediu limitar o impacto da crise. Na sua reflexão sobre o que aconteceu nos últimos anos, Carlos Tavares conclui que "continuou a assistir-se a um grande número de fusões de instituições financeiras com particular pujança em 2014 e 2015 e que parece continuar em 2016".

"Nos Estados Unidos, quer em número quer em montante de activos, os últimos anos superam já os de 2006 e 2007, o mesmo se passando no espaço fora da Europa e dos Estados Unidos", acrescenta o presidente da CMVM. Partindo do exemplo dos EUA, o responsável destaca que "no espaço de 20 anos, 37 dos maiores bancos deram origem a apenas quatro bancos".

Carlos Tavares conclui, assim, que "não se encontra uma fundamentação inequívoca para o movimento permanente de concentração que, não sendo necessariamente baseado na eficiência das instituições, corre o risco de conduzir a um resultado aparentemente indesejado há oito anos: a existência de instituições financeiras maiores, não necessariamente mais simples e propiciando um maior risco moral associado".

Endividamento só conhece o caminho da subida

A alavancagem é outra questão que não seguiu o caminho desejado ao longo dos últimos anos. Sendo mais que certo que foi um dos motivos que levou aos excessos que conduziram à crise de 2009, "o processo de desalavancagem que se apontava como indispensável há oito anos, não só não teve lugar em geral como se verificou um aumento muito significativo em todos os agentes".

"Apenas em algumas economias onde o sector privado se apresentava mais endividado no pré-crise se verificou alguma redução, como foram os casos do Reino Unido, da Irlanda, da Eslovénia e dos Estados Unidos e, mais modestamente, da Alemanha, do Japão, ou mesmo de Portugal", refere o estudo.

Num ambiente de taxas de crescimento muito baixas, o elevado endividamento das famílias e dos Estados "constituem um forte condicionamento à recuperação das economias, designadamente através do investimento produtivo, dada a importante parte do produto que terá de ser afecta ao serviço da dívida num quadro da sua redução para valores mais razoáveis".

Operações pouco transparentes

Outra "exigência" dos supervisores no pós-crise era a existência de operações mais transparentes, através do crivo dos reguladores dos mercados. Mas, cerca de metade das transacções de acções continua a decorrer fora do mercado.

"Oito anos depois, verificamos, no entanto, que cerca de metade da negociação de acções continua a corresponder a transacções OTC [over the counter, em mercado não regulamentado] ou a ordens não transparentes em mercados regulamentados", aponta o mesmo documento. A contribuir para a menor transparência estará ainda a negociação de títulos de dívida. "A transacção de obrigações continua a não ter requisitos de transparência", conclui Carlos Tavares.

No mercado nacional, a tendência é semelhante. No PSI-20, "apesar de algum progresso registado desde 2012, a negociação transparente em mercado regulamentado continua a representar apenas 55% do total".

Mais complexos

Simplificar. Era outra das "lições" da crise que ficou por cumprir. Segundo Carlos Tavares o número de produtos complexos distribuídos tem "aumentado consistentemente", num momento em que os baixos retornos estão a forçar os investidores a assumir mais risco.

"Ao mesmo tempo, observa-se uma tendência recente para o aumento da complexidade e dos riscos de perda de capital, fruto da procura de rentabilidades potenciais mais elevadas no contexto de taxas de juro prolongadamente muito baixas", explica o presidente da CMVM, que deverá deixar a liderança da CMVM nos próximos meses.

Carlos Tavares alerta ainda para a maior popularidade de produtos como os ETF e outros produtos mais "sofisticados", cujas características e riscos são ignorados por grande parte dos investidores.

Menores diferenças no crédito

As agências de "rating" foram apontadas na crise financeira por terem falhado em reconhecer riscos de crédito por parte de empresas e países. Depois de um período de forte agravamento dos prémios de risco por parte de instituições e entidades com avaliações de risco mais elevadas, os diferenciais têm vindo a diminuir.

"Após 2008, em que os spreads alargaram fortemente e penalizaram drasticamente os piores riscos, foi-se gradualmente voltando a uma situação próxima da de pré-2008 – com uma interrupção em 2012-2013 -, observando-se hoje, por exemplo, que entre os devedores de rating AAA e os de rating BBB os spreads se situam claramente aquém do razoável para reflectir, pelos padrões tradicionais, a correspondente diferença de risco", refere o documento.

Face a estas conclusões, Carlos Tavares não tem dúvida que a reacção à crise "deu origem a uma vaga de regulação sem precedentes, procurando colmatar as falhas identificadas entre as causas da crise", nalguns casos "se terá exagerado no detalhe da nova regulamentação e, certamente, no tempo que ela levou a criar".

Ainda assim, "encontramos hoje situações preocupantemente paralelas às que precederam os acontecimentos de 2007-2008". E exemplifica: "são os casos do comportamento dos preços de vários activos financeiros e reais, do excesso de endividamento da generalidade dos agentes, da disseminação e tomada de riscos excessivos por diversas categorias de investidores e da subsistência de partes substanciais dos mercados com défices de transparência".

Mas, para Carlos Tavares cabe aos diversos agentes do mercado evitar uma nova situação de crise. É que "o papel principal será sempre o dos agentes do mercado – instituições financeiras, auditores, agências de ‘rating’, etc – que por comportamentos inadequados foram de facto os causadores da crise que ainda vivemos".

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