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Reportagem em Pedrógão Grande: Do inferno nunca visto ao silêncio

Os habitantes das aldeias de Pedrógão Grande (Leiria), atingidas pelas chamas, continuam sem perceber como é que o "inferno nunca visto" veio para matar familiares e destruir vidas inteiras, e apelam agora a que não os deixem desmoralizar.

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19 de Junho de 2017 às 17:10
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António Dinis, Joaquim Costa e Vítor Bernardino, todos na casa dos 60 anos, juntam-se no centro da Vila Facaia, uma das localidades mais afectadas pelas chamas que destruíram tudo o que encontraram pela frente: casas, carros, animais e culturas agrícolas, mas não a vida.

 

"O meu filho mora a três quilómetros daqui, os meus netos vieram para a minha casa e tentei ir ajudá-lo. Só depois é que tive noção do que se passava, fiquei preso no fogo e ia lá ficando com o carro do meu filho. Mas como fui motorista, talvez isso me tenha ajudado e safei-me", conta Vítor Bernardino, visivelmente emocionado ao olhar para algumas das casas queimadas.

 

"O lume era tanto, o vento era tão forte. Onde não havia lume, aparecia. Eram remoinhos, foi uma coisa fora do normal. Nunca na minha vida vi tal coisa", interrompe António Dinis. "Estas ruas, estas casas... era só lume. Foram oliveiras, videiras, casas. Não há explicação, foi uma coisa de repente que passou e que parecia o diabo", acrescenta Joaquim Costa.

 

Os moradores admitem que os bombeiros não podiam acorrer a tantos sítios ao mesmo tempo, mas passados dois dias após a tragédia e o "desespero" que os assola, fazem agora um apelo.

 

"Da igreja para cima há luz desde ontem de manhã, da igreja para baixo não há luz. O comer que estava nas arcas foi ou vai para o lixo. A água não tem pressão. As empresas que tratem disso: o que está perdido, está perdido, mas não ao menos não deixem desmoralizar as pessoas, como é o meu caso", pediu Vítor Bernardino, antes da despedida.

 

Ao percorrer as estradas entre as aldeias afectadas pelo incêndio que deflagrou no sábado em Pedrógão Grande e alastrou a concelhos vizinhos, o cenário é desolador: centenas ou milhares de hectares consumidos pelas chamas, o cheiro a terra queimada que ainda fumega, árvores arrancadas pela raiz, outras vergadas à força do vento e do fogo, carros carbonizados e casas completamente destruídas, algumas situadas nos vales pintados agora de negro e cinzento.

 

Quando se entra nas aldeias, parecem desabitadas, tão grande é o silêncio, que contrasta com as horas de angústia e pânico vividas. Os olhares das pessoas carregam a tristeza da perda e a incerteza do que o futuro lhes reserva perante tão grande dolorosa experiência.

 

"Tenho sete primos que morreram queimados, mas eu estou viva, o meu pai e a minha mãe estão vivos, alguns familiares do meu lado estão vivos, da parte o meu marido morreram. Ainda não estou muito em mim", conta de lágrimas nos olhos Isabel Carvalho, moradora na localidade de Casal de Além.

 

A meia dúzia de metros permanece o esqueleto de um automóvel consumido pelas chamas há 48 horas, perante a impotência do proprietário, que se limitou a observar a destruição, quando se encontrava num café ali ao lado, no qual arderam alguns anexos.

 

"Tenho 55 anos, estou aqui há trinta e tal anos, e nunca vi nada disto na minha vida. Começou a escurecer, ficámos sem luz, vou à janela do meu quarto e começo a ver umas chamas amarelas... foi num espaço de minutos, aquilo começou a alastrar. Estivemos toda a noite em vigia", relatou Isabel Carvalho, que com meia dúzia de vizinhos conseguiram defender as casas, e pede ajuda às autoridades.

 

A caminho da localidade de Valongo, o fumo permanece constante e intenso. Há muitas árvores caídas desviadas pera as bermas, fios e postes de electricidade e telecomunicações contorcidos.

 

Ao entrar no pequeno lugar isolado, vizinho de Escalos Fundeiros, onde o incêndio teve origem, o silêncio ensurdecedor só foi quebrado pela presença de Maria Bernardo, 54 anos, que hoje decidiu ficar em casa em vez de ir trabalhar, com receio de que as chamas regressem.

 

"Foram momentos muito complicados. Há duas noites que não vou à cama. Andamos sem vontade para nada. Hoje tinha patroa e não fui [trabalhar]. A minha casa é importante. O meu marido foi trabalhar, porque trabalha na junta de freguesia e já estavam a chamá-lo de manhã para ir outra vez para o fogo", relatou Maria Bernardo, que espera que esta tragédia nunca mais seja esquecida.

 

Ao lado da sua habitação está um armazém que guardava carrosséis e outras diversões itinerantes, que foi totalmente consumido pelas chamas. Restam apenas os ferros torcidos pelo calor do fogo e as memórias das alegrias proporcionadas.

 

 

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