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Mário Centeno, o algarvio tranquilo que gosta de chocos com tinta

Em Maio de 2017, Wolfang Schäuble, então ministro das Finanças da Alemanha, alcunhou Mário Centeno de "Ronaldo do Ecofin". Oito meses depois, "Ronaldo" está a caminho de tornar-se o capitão da equipa do Eurogrupo, onde terá de aliar o talento individual à capacidade de liderança.

Bruno Simão
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A possibilidade de Mário Centeno ocupar o lugar deixado vago pelo holandês Jeroen Dijsselbloem começou a ganhar forma após os elogios de Schäuble. Na altura, o primeiro-ministro considerou que esta hipótese seria "uma grande honra" para Portugal, enquanto o secretário de Estado das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, atribuía o facto à forma como o Executivo estava a gerir as contas públicas. "Vejo nisso um reconhecimento grande pelo trabalho que foi feito pelo governo português", afirmou.

O cenário foi-se compondo, feito de silêncios e de frases que indicavam abertura da parte da portuguesa. Como esta, do próprio Centeno, numa entrevista concedida ao El País em Agosto, quando questionado sobre o tema: "Não vou dizer que não, se há uma possibilidade".

 

Mário José Gomes de Freitas Centeno nasceu a 9 de Dezembro de 1966 em Olhão e viveu em Vila Real de Santo António até aos 15 anos, idade com que se mudou com os pais e os outros três irmãos para Lisboa. Licenciou-se em Economia pelo ISEG em 1990, tem um mestrado em Matemática Aplicada obtido no mesmo instituto e é doutorado em Economia pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Casou-se com uma colega do ISEG e tem três filhos, aos quais, além da paixão pelo Benfica, transmitiu também o gosto pelo seu outro amor desportivo, o râguebi, que jogou na faculdade na década de 80, na equipa de Económicas.

 

Francisco Mesquita, antigo treinador-jogador, recordou esses tempos em Novembro de 2015, em declarações ao Observador. "Penso que o treinei quatro anos, entre 86 e 90. Era dos mais jovens da equipa, um rapaz de 20 anos. A maioria era mais velha. Era alegre, um tipo muito educado, de trato muito fácil, mas não era extrovertido. Era um bocado tímido. (…) Estudava no ISEG, fazia parte da associação de estudantes. Ele era fundamental, porque conseguiu uma verba para pagar ao treinador. Era ele quem me dava o cheque, acho que os outros jogadores nem sabiam disso."

 

Há pouco mais de um ano, a imprensa destacava as gaffes de Centeno, as contradições com o discurso de António Costa e as dificuldades em gerir a tensão entre a relação com Bruxelas e as negociações com o PCP e o Bloco de Esquerda. Em 2016, a execução orçamental parecia correr bem, mas havia muitas dúvidas sobre o cumprimento da meta de 2,5% ("aritmeticamente não é possível", dizia em Setembro Maria Luís Albuquerque). A economia dava sinais preocupantes, tendo crescido abaixo de 1% na primeira metade do ano, sem perspectivas de aceleração no horizonte. A banca suscitava ainda muitas preocupações, não existindo solução para a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (e ainda aí viria a polémica com os SMS trocados com António Domingues). Da varanda do Terreiro do Paço, Centeno via um céu coberto por nuvens bastante negras.

 

O ministro das Finanças ultrapassou a tormenta. Dobrou o cabo das sanções económicas, a economia acelerou vários nós e cresce ao ritmo mais rápido em 17 anos, o desemprego continua a afundar e o défice chegou a bom porto, batendo as previsões do Governo e permitindo a Portugal sair do Procedimento dos Défices Excessivos (PDE). Talvez mais importante, as amarras das negociações não romperam. Nem do lado dos partidos de esquerda, nem do lado da Europa. 

Pelo caminho, Centeno ganhou capital político e poder. O Orçamento para 2018 foi aprovado pela geringonça e Portugal deverá fechar este ano – estimativas do Governo – com um défice de 1,4% e um crescimento de 2,6%. E, claro, está, o ministro das Finanças colhe os louros destas conquistas. Nas sondagens da Aximage para o Negócios e o Correio da Manhã, Mário Centeno surge invariavelmente como o ministro mais popular do elenco governativo, beneficiando do facto de os portugueses sentirem no bolso a recuperação da economia.

 

Nestes dias, a vida de Mário Centeno, por força da sua candidatura ao Eurogrupo, está num frenesim. Um quadro que contrasta com o seu carácter. "É uma pessoa tranquila e mesmo nas alturas mais complicadas mantém a calma", refere ao Negócios uma fonte que o conhece de perto. A mesma que lhe atribui outras qualidades, "um sentido de humor apurado" e o facto de ser "muito focado".

 

Há precisamente um ano, no Expresso, Nicolau Santos iniciava assim um perfil de Mário Centeno intitulado "O matemático leal": "Impedido de chefiar o Departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal, cujo concurso tinha ganho, Mário Centeno virou-se para a intervenção cívica e política. (…) O ministro das Finanças que tem um raciocínio matemático e que nunca perde a calma nem grita nas situações de maior pressão. Dizem-no leal, íntegro, vertical e um homem bom".

 

"Segundo os amigos mais fiéis do novo número dois do Governo, os choquinhos fritos com tinta (cuja receita até figura no livro de cozinha da Região de Turismo do Algarve) são uma das especialidades gastronómicas que o próprio Mário Centeno gosta de cozinhar, talvez para recordar as suas raízes algarvias", anotou o jornal Sul Informação, em Novembro de 2015, quando Centeno tomou posse como ministro das Finanças.

 

Numa entrevista ao jornal El Español, concedida no final desse mesmo ano, o próprio Mário Centeno explicou assim a sua participação cívica. "Em Harvard fizeram-nos sentir que tínhamos a obrigação de desempenhar um papel de confluência entre a política e o mundo académico. Crescer em Vila Real, ver Espanha ali do outro lado do Guadiana, gerou uma enorme curiosidade em mim, e fez com que quisesse aprender, viajar, aprender idiomas. Gosto de expandir as minhas fronteiras, interagir com outros mundos, encontrar outras maneiras de ver as coisas".

 

Margarida Aguiar, directora do Banco de Portugal, no perfil elaborado pelo Expresso, diz que é uma pessoa que "gosta de conversar, seja com um contínuo, uma secretária ou um técnico". E adiantava: "Acaba por ser uma pessoa modesta. Despenderá todo o tempo necessário para dar utilidade à conversa. Não é arrogante. Nunca lhe diz que só tem cinco minutos para si. Despende tempo com os outros. É uma pessoa atenciosa, um humanista".

 

"O ministro é muito de família. Gosta de estar com a mulher e os filhos", sublinha o referido interlocutor contactado pelo Negócios. Um gosto que vai ter mais dificuldade em satisfazer caso seja eleito presidente do Eurogrupo.

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