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Estrutura de missão tem pouco mais de um ano para repensar prevenção e combate aos incêndios

O presidente da Estrutura de Missão para a instalação do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais criticou as opções do Estado na sua tese de doutoramento, defendida este ano.

Bruno Simão/Negócios
24 de Outubro de 2017 às 14:45
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O presidente da estrutura de missão que vai repensar o combate aos fogos tomou hoje posse e tem pouco mais de um ano para envolver diversas entidades e especialistas na criação de um sistema integrado de prevenção e combate.

 

Tiago Martins Oliveira invocou a sua experiência como sapador florestal, além de engenheiro florestal, para afirmar que acredita ser "possível fazer melhor", ser "mais eficiente" e, com uma estratégia colaborativa, "envolver as partes interessadas contra um inimigo comum".

 

"Durante os próximos meses estaremos focados em contribuir em que o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), a Autoridade Nacional da Proteção Civil (ANPC) e a GNR construam este sistema, assegurando que daqui a um ano ele seja avaliado, dotado de mecanismos de aprendizagem e capaz de melhorar sucessivamente", afirmou.

 

No entanto, para o especialista, "as causas do problema são antigas e, portanto, vai levar tempo a corrigir".

 

"O problema é regionalmente diferenciado, multiparticipado e, portanto, são diversas as soluções consoante o perfil de risco, os activos e a capacidade local de assumir por si a questão desse mesmo risco", disse, explicando que "será necessário ter uma estratégia global, mas contando com os actores a nível local".

 

"A urgência de reduzir as ocorrências passa pela mudança de comportamentos em relação à floresta e às práticas de risco, o que exigirá educar a população estudantil através de um programa dedicado, mas também chegar a outros públicos menos jovens, como a população rural, envelhecida", sublinhou.

 

O presidente da estrutura de missão afirmou que brevemente serão conhecidos outros membros desta organização.

 

Por seu lado, o primeiro-ministro, António Costa, destacou a necessidade de integrar a prevenção e o combate aos incêndios florestais, o reforço da prevenção e de "dar uma nova centralidade ao ICNF neste continuo de prevenir e combater os incêndios florestais".

 

António Costa destacou ainda a necessidade de profissionalização, "através da introdução em todos os níveis do planeamento ao combate", a valorização profissional e a mobilização das estruturas que o Estado já dispõe, como as forças armadas, e a "especialização, para garantir a tendencial segmentação entre os meios que estão alocados à protecção das pessoas e das povoações dos que são alocados preferencialmente à prevenção e ao combate dos incêndios no mundo rural".

 

Na cerimónia estiveram também presentes outros membros do Governo, como os ministros da Agricultura e o da Administração Interna.


O que defendeu Tiago Martins de Oliveira na sua tese de doutoramento? 

O presidente da unidade de missão sobre os incêndios defendeu numa tese de doutoramento que o Estado falhou na gestão da floresta e na escolha das políticas, ao apostar tudo no combate aos fogos.

"O Estado, ou não se apercebeu das dinâmicas de abandono e consequente escalada do problema do fogo (défice de governança de risco), ou ter-se-á demitido política e operacionalmente de uma participação mais activa na solução do problema, tanto na gestão (vejam-se a degradação das matas nacionais, comunitárias e dos parques naturais) como na consistência das políticas", lê-se numa parte do texto de suporte da tese de doutoramento de Tiago Martins de Oliveira defendida este ano.

No texto, que suportou a comunicação apresentada num seminário promovido pelo Conselho Económico e Social (CES) em Março, o especialista acrescenta que o Estado confiou que os incêndios "se resolviam com bombeiros, meios aéreos e legislação", mas não assegurou a gestão das áreas já existentes.

Tiago Oliveira, nomeado para presidir à Estrutura de Missão para a instalação do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais, defende que o Estado, ao longo dos anos, se afastou cada vez mais da floresta e que a lógica da prevenção foi subordinada à prioridade ao combate.

Apesar dos estudos sobre êxodo rural ou dos relatórios das agências internacionais, que alertavam para o problema da acumulação do combustível, "parece ter existido um défice de governação do risco que limitou, e ainda limita, a transição florestal, estando em algumas regiões até a contribuir para uma dinâmica de intensa desarborização", defende.

O especialista, doutorado em engenharia florestal e recursos naturais pela Universidade de Lisboa, diz que o sistema português "é hoje um dos mais caros do mundo (euros/hectare)" e que Portugal "é o país europeu com a maior incidência de fogo na área arborizada".

"Apesar do monumental reforço da capacidade de detecção e combate a incêndios, num sistema socio-ecológico complexo, as soluções simples e tecnológicas 'contra o fogo' não funcionam, mesmo quando bem coordenadas. Capazes de resolver a maioria dos fogos, tornam-se quase irrelevantes para conter os poucos, mas cada vez maiores incêndios", refere o documento.

Tiago Oliveira, considera igualmente que os responsáveis encontraram na meteorologia, nos incendiários ou na floresta "a explicação para a fatalidade do flagelo ou expiar o seu fracasso".

Defende que os factos e o conhecimento têm sido "substituídos por explicações superficiais, erradas e populistas, que reforçam a inércia sistémica", e sublinha: "De um sistema simples, estruturado com um comando único evoluiu-se para um sistema complexo, tripartido, do 'passa culpas'".

No texto que integra a tese de doutoramento, o especialista, que pertence à Navigator (ex-Portucel), sugere a concertação de interesses, "onde os proprietários privados (que detém a maioria da área de matos e floresta) e as suas associações estejam mobilizados e a executar com escala programas de silvicultura, de gestão dos combustíveis e de ordenamento silvopastoril, criando emprego e produzindo riqueza".

Diz que, apesar do reforço do combate musculado, não houve recursos suficientes ou capazes de intervir na propriedade privada ao nível da execução da silvicultura preventiva, para reduzir a acumulação da carga combustível diagnosticada desde os anos 60.

"Houve certamente falta de recursos, uma vez que, por exemplo, a guerra colonial absorvia parte significativa do Orçamento do Estado, mas terá havido resistências institucionais e particulares, como no passado, em condicionar ou actuar directamente sobre a propriedade privada", acrescenta.

Defende que o sistema de defesa da floresta contra incêndios "está preso na armadilha do combate" e que a falta de prevenção gera acumulação de combustível que potenciam incêndios cada vez maiores e mais intensos.

Sublinha que, se não houver políticas públicas concertadas e apostadas na prevenção, o perigo de incêndio irá agravar-se, porque "o declínio da agricultura e a menor intensidade de gestão na floresta e áreas de matos, tenderá a expandir os espaços rurais subgeridos e, consequentemente, aumentar a carga combustível".

Tiago Martins de Oliveira, de 48 anos, foi hoje empossado como presidente da Estrutura de Missão para a instalação do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais, que tem como um dos principais objectivos a preparação e execução das recomendações constantes do relatório da Comissão Técnica Independente nomeada pelo Parlamento.
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