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O homem que defende que os fogos não se apagam com água

Tiago Martins de Oliveira, escolhido para liderar a estrutura de missão que vai repensar o combate aos fogos, anda há 20 anos a apagar incêndios, que acumula com a experiência académica. Defende a prioridade à prevenção e, no combate, encara os meios aéreos como último recurso.

24 de Outubro de 2017 às 22:15
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"Os grandes incêndios não se combatem com água." Há anos que a ideia é repetida por Tiago Martins de Oliveira, empossado esta terça-feira presidente da Estrutura de Missão para a instalação do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais. Em vez das mangueiras e dos autotanques que nos habituámos a ver nos fogos que têm assolado o país, sustenta que o combate deve ser feito retirando a matéria combustível, com recurso a ferramentas manuais e com técnicas de fogo controlado.

Com experiência académica, mas também de terreno, Tiago Oliveira é considerado um especialista na prevenção e combate a incêndios. Crê na ciência e na engenharia, mais do que na boa vontade.

Aos 48 anos, natural do Porto, este engenheiro florestal e sapador foi escolhido pelo primeiro-ministro como responsável pela estrutura que vai repensar o combate aos fogos. Como aconteceu noutros governos, também pelo actual já tinha sido chamado a dar a sua opinião sobre o tema. Mesmo não tendo sempre no passado estado de acordo com António Costa.

Em 2005, era Sócrates primeiro-ministro e Costa ministro da Administração Interna, foi um dos responsáveis pela proposta técnica do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios. Um documento, pedido pelo Executivo após os incêndios de anos anteriores, que nunca saiu da gaveta.

Nele já eram sugeridas muitas das soluções propostas agora pela comissão técnica independente nomeada pelo Parlamento para analisar os factos relativos aos incêndios de Pedrógão Grande de 17 de Junho, a que a estrutura de missão irá dar cumprimento. A mudança de paradigma é uma velha batalha que Tiago Oliveira defendia e defende, e que irá agora pôr em prática.

A prioridade à prevenção, um comando único e a profissionalização dos bombeiros eram medidas então preconizadas pelo grupo de especialistas do trabalho pedido ao Instituto Superior de Agronomia, em que Tiago Oliveira deu apoio à coordenação.

Mas, "porque não havia dinheiro", o Governo de José Sócrates pôs o plano de parte. A proposta técnica apresentada avançava um investimento global, para o período 2006-2010, de cerca de 678 milhões de euros, dizendo que parte já estava orçamentado. A título de comparação e para dimensionar a ordem de grandeza do programa, os seus responsáveis sublinhavam no documento que a realização do Euro 2004 tinha exigido 807 milhões de euros e a Expo 98 havia atingido 1.490 milhões.

[Tiago Oliveira] é uma pessoa que detém a nível nacional e internacional
um prestígio à prova de bala e cuja independência é atestada pela vasta bibliografia publicada e que atestam a liberdade de pensamento.
antónio costa
Primeiro-ministro

Sem férias de Verão

Assumindo agora um cargo "equiparado a secretário de Estado," como disse o Governo, Tiago Oliveira deixa a direcção da área de inovação e desenvolvimento florestal na The Navigator Company (designação adoptada pela Portucel), empresa onde está há 20 anos.

Esta não é a primeira vez que sai. Entre 2005 e 2006 foi adjunto do então ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, Jaime Silva. Com a reforma que defendia na gaveta, não chegou ao fim do mandato.

Há 15 anos que não tira férias no Verão, período que passa a combater incêndios. É um operacional. Na Afocelca – a força profissional de combate aos fogos detida pelos grupos Navigator e Altri, que gerem mais de 200 mil hectares de floresta – já passou por momentos difíceis. Viveu de perto os incêndios que em 2006 vitimaram cinco bombeiros chilenos daquela unidade especializada.

Os que o conhecem garantem que sabe o que é o fogo e como se combate. Apaixonado pela floresta, tem contactos com os maiores especialistas mundiais nesta área. Tem muitas horas no terreno e ideias fortes quanto à estratégia a adoptar.

Muitas das soluções que defende foram postas em prática na Afocelca. Aqui é quem limpa os terrenos no Inverno que está responsável pelo combate aos fogos no Verão.

Tiago Oliveira defende desde logo a distinção entre a tarefa da defesa da vida e de edifícios e a da defesa da floresta contra incêndios. Preconiza o ordenamento do território e as Zonas de Intervenção Florestal (ZIF). Pretende um mecanismo coordenado de combate aos fogos. Quer profissionalizar os bombeiros.

Contra o amadorismo, usa a ciência e a engenharia, a capacidade de utilizar modelos que permitam avaliar como um fogo vai evoluir, tendo em conta dados como o vento, a humidade, a temperatura ou o solo.

Quem o conhece atribui-lhe ideias controversas para a floresta, desde a redução da dependência da água até à realização de contra-fogos. Não compreende para que serve um autotanque quando as temperaturas estão muito acima daquela a que a água ferve...

Contra o vício dos meios aéreos

O novo responsável pela estrutura de missão, decidida no passado sábado em Conselho de Ministros extraordinário, não diaboliza o eucalipto, mas defende as espécies no sítio certo.

Critica que a lógica da prevenção tenha sido subordinada à prioridade do combate e contesta que o país tenha ficado viciado nos meios aéreos, os quais considera não o primeiro, mas sim o último recurso. Defende que haja faixas de contenção nas florestas.

Na tese de doutoramento que defendeu este ano, citada pela Lusa, dizia que os responsáveis encontraram na meteorologia, nos incendiários ou na floresta "a explicação para a fatalidade do flagelo ou expiar o seu fracasso".

Teimoso, convicto das suas ideias, exaustivo quando o tema é a floresta, Tiago Oliveira pretende agora levar à prática o que há mais de uma década escreveu na teoria.

Às críticas do Bloco de Esquerda à sua escolha, apontando a sua ligação à indústria das celuloses, o primeiro-ministro salientou esta terça-feira o seu currículo, que disse atestar a sua independência e liberdade de pensamento.

 Reconhecida a sua experiência académica e no terreno, falta a Tiago Oliveira a experiência política. E equilibrar interesses nem sempre é fácil...


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Algumas medidas para a floresta

Além da criação da unidade de missão, o Governo aprovou no passado sábado um conjunto de medidas para responder aos incêndios, como foi apontado pela comissão técnica independente.

Limpezas de vias
Vão ser limpas as áreas nas faixas entre estradas, ferrovia, povoações e florestas num espaço de dez metros (hoje são três). Por outro lado, vão ser dados incentivos ao enterramento de cabos de energia e comunicações nos canais técnicos que já existem nas estradas e ferrovias.

Sapadores florestais
Ao longo dos próximos dois anos serão criadas 100 novas equipas de sapadores florestais, num total de 500 efectivos. Somarão às 292 equipas agora existentes. Para o imediato, haverá 50 vigilantes da natureza, dos quais 20 estarão no terreno já a partir de 4 de Novembro.

Parques nacionais
O projecto-piloto da Peneda-Gerês de prevenção estrutural contra incêndios, que este ano permitiu uma diminuição da área ardida 60% face a 2016, será replicado noutros parques florestais nacionais.

Aproveitamento de combustíveis
O Governo vai fazer estudos para criar um mercado de combustíveis para bio-refinarias que possam usar os resíduos resultantes da limpeza das florestas. 

54% do SIRESP
O Governo vai efectuar uma operação de conversão de créditos em capital e, dessa forma, tomar uma posição accionista na SIRESP, que segundo o novo ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, levará o Estado a deter 54% do capital daquela empresa. Fará, ainda, um investimento de oito milhões de euros que permitirá a aquisição de mais quatro estações móveis com ligação satélite.

 

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