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SIRESP: O contrato de todos

O SIRESP passou por todos os governos na última década. Todos tiveram alguma coisa a dizer. Volta, agora, a estar em causa. Sem ainda se saber o desfecho. Para já, o consórcio continua a ganhar dinheiro. A quatro anos de acabar o contrato.

07 de Julho de 2017 às 11:43
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A história do SIRESP (Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal) já vem de longe. Tudo começou ainda António Guterres não tinha perdido as eleições autárquicas que ditariam o fim do seu reinado. É aí que o SIRESP tem a sua génese.

Há 18 anos – mais precisamente em 22 de Julho de 1999 – António Guterres, então primeiro-ministro, assinava uma resolução do Conselho de Ministros que determinava: "a futura rede móvel de emergência e de segurança deverá basear-se numa infra-estrutura única", competindo ao Ministério da Administração Interna (MAI) "a coordenação do processo conducente ao estabelecimento e fornecimento da futura rede móvel nacional de emergência e segurança, a implementar de acordo com a tecnologia Tetra". No MAI estava Fernando Gomes, vindo da Câmara do Porto. Guterres dava, assim, o tiro de partida para uma das mais polémicas parcerias público-privadas, que viria a integrar entidades como a SLN, a PT e a Motorola.

Nesse ano, em 1999, haveria eleições legislativas. Em Outubro, Guterres recebe novo mandato dos portugueses. A pasta da Administração Interna é entregue a Nuno Severiano Teixeira, que recebe já o dossiê com a incumbência de serem realizados os estudos e as acções necessárias ao lançamento do "procedimento adjudicatório". Só que a derrota do PS nas eleições autárquicas de 2001 leva Guterres à demissão. E é já com a certeza de novas eleições no ano seguinte que o então primeiro-ministro, "tendo em conta o carácter de urgência", aprova em Conselho de Ministros os parâmetros para a rede que, em Janeiro de 2002 (as eleições realizaram-se em Março), tomava o nome de SIRESP. Nessa data, pretendia-se a instalação da rede em duas fases: a primeira, a executar entre 2003 e 2004 (instalação das estações base e infra-estrutura básica nos distritos de Lisboa, Porto, Braga, Coimbra, Aveiro, Leiria e Faro); e a segunda, entre 2005 e 2007, para cobrir os restantes distritos do continente, determinando-se a elaboração de um plano para as regiões autónomas. Já aí se definia que a redundância deveria garantir uma disponibilidade técnica de cerca de 99%.

Com estes parâmetros definidos, entra em cena o novo primeiro-ministro: Durão Barroso, num governo de coligação com o CDS de Paulo Portas, que escolhe António Figueiredo Lopes para ministro da Administração Interna.

"Chamei o ministro"

26 de Maio de 2009. José de Oliveira Costa é ouvido no Parlamento, na comissão de inquérito sobre o BPN. As perguntas dirigidas pelo deputado comunista Honório Novo incidem sobre o SIRESP e sobre o facto de a adjudicação deste sistema, que acabou por acontecer em 2005, já no governo de Santana Lopes, ter tido a assinatura de um ministro - Daniel Sanches - que tinha sido da SLN (para onde aliás voltou depois da governação).

Honório Novo – Queria saber se, sim ou não, o Dr. Daniel Sanches foi consultado para ajudar na composição da proposta concorrente ao SIRESP?

Oliveira Costa — Não. Nada, literalmente nada!

Honório Novo volta a insistir no papel que teria tido Daniel Sanches e recebe como resposta:

Oliveira Costa — Mas não tinha conhecimentos técnicos para fazer uma coisa dessas. Para já, não participou em nada. Quem participou mais directamente fui eu. Aliás, foi no tempo do ministro Figueiredo Lopes: eu chamei-o lá e falámos nesse assunto, de ele ir para a frente com esse processo…

Honório Novo — Chamou quem, Sr. Dr.?

Oliveira Costa — O ministro. Eu convidei o ministro Figueiredo Lopes para conversarmos sobre o tema, e este esteve de acordo, efectivamente. O processo arrancou, sobretudo, com o Figueiredo Lopes, não foi… Coitado do Daniel Sanches!… Assinou um papel, não fez nada!

Honório Novo — E adjudicou-a em governo de gestão...

Oliveira Costa — Mas, repare, estava tudo feito! O homem assinou um papel. Só porque a Dr.ª Manuela Ferreira Leite teve lá aquilo retido durante três ou quatro meses, quando foi ministra, é que não foi assinado no governo anterior. Como ela não gosta de fazer despesa, não assinou. Ficou lá! (...) Portanto, não há razão nenhuma para andar a chatear o Dr. Daniel Sanches — o Dr. Daniel Sanches assinou um papel. Por acaso, a única coisa que lhe disse, quando ele se foi despedir, porque ia para ministro, foi isto: ‘Eu lamento que o senhor vá para ministro, mas há uma coisa que lhe garanto: há lá um problema nosso para resolver e se, alguma vez, alguém lhe disser que lhe pedi para assinar aquilo, o senhor não aceite, porque não é verdade. Eu não peço agora e jamais lhe pedirei que faça alguma coisa por esse processo’".

Oliveira Costa respondia nestes termos sobre o que teria sido o papel de Daniel Sanches, ao mesmo tempo que desvalorizava a importância da SLN no consórcio. Nessa mesma comissão de inquérito, Dias Loureiro assumia ter ido para a SLN a seu convite.

Comissão de avaliação contra adjudicação

E foi assim que Oliveira Costa assumiu que todo o processo fora decidido no governo de Durão Barroso. E, na realidade, todo o procedimento foi iniciado em 2003. O estudo e preparação do projecto de parceria ficou a cargo do BPI.

Em Maio de 2003, foram feitas reuniões "informais" com potenciais fornecedores, e dois meses depois é endereçado o convite a cinco entidades para que apresentem propostas. Siemens, EADS, OTE, Nokia e Motorola recebem o convite a 10 de Julho, estabelecendo-se 1 de Setembro como limite para a entrega de propostas, data que foi depois estendida para 15 de Setembro. Ou seja, primeiro foram dados 52 dias, que posteriormente foram ampliados para 65. O prazo não voltou a ser prorrogado conforme solicitado por um dos concorrentes, a EADS. Anacom, Inspecção-Geral de Finanças e Tribunal de Contas foram unânimes em considerarem que o prazo estipulado, embora respeitando mínimos legais, era curto face à complexidade do processo. Ainda por cima, porque a maior parte desse prazo caía no mês de Agosto, típico de férias estivais. A Anacom até foi mais longe: "a adopção de um prazo muito curto e manifestamente insuficiente para a elaboração e entrega da proposta favorece o(s) concorrente(s) que tenha(m) acesso a informação privilegiada, ou ‘inside information’. (...) É possível, embora não possa provar-se, que tenha sido este um dos motivos de ter existido neste caso apenas uma proposta".

Mas assim seguiu. E quando no âmbito do procedimento – por convite a cinco entidades e não por concurso (o que também mereceu o reparo do Tribunal de Contas) – se chegou a 16 de Setembro, só havia uma proposta para abrir: a do consórcio que reunia a Motorola/SLN/PT/Esegur.

Naquela altura, a SLN era liderada por Oliveira Costa; a PT por Miguel Horta e Costa e a Esegur era a empresa da Caixa Geral de Depósitos e do BES, à época presididos, respectivamente, por António de Sousa e Ricardo Salgado. Nas investigações do Negócios, a Motorola aparece associada à Novondex, cujos registos apontam para uma ligação a Stanley Ho, anos mais tarde (2008).

Recentemente, Fernando Alexandre, que foi secretário de Estado da Administração Interna no governo de Passos Coelho, resumiu este consórcio num artigo de opinião no Eco: "os privados desta parceria são os suspeitos do costume: SLN/BPN (hoje Galilei, uma sociedade em liquidação com milhões de euros de dívidas ao Estado português), PT (que durante muitos anos fez grandes negócios por ajuste directo com o Estado Português) e, claro, o BES (neste caso, através da sua parceria com a Caixa Geral de Depósitos na Esegur). Estes associados, conhecidos pelas suas ligações ao poder político, representam o pior da promiscuidade no nosso regime económico e político, como hoje todos sabemos. Esta é sem dúvida uma das razões da má fama do SIRESP".

Foram estes "suspeitos do costume" que garantiram a proposta única no concurso lançado em 2003. Depois de analisada, a comissão de avaliação - presidida por José Alves Correia, assessor do MAI, e que integrava Ana Luísa Nunes da IGF, Luís Ribeiro (actual presidente da ANAC) pelo Ministério das Finanças, o professor Mário Moreira Leitão, António Marques Leitão da Polícia Judiciária, António Porfírio da GNR e José Bento Varela da PSP – concluiu: "face às pontuações atribuídas, a proposta, nos exactos termos em que é apresentada, revela-se inadequada ao interesse público a prosseguir", no entanto, acrescentou, não se dever excluir a possibilidade de negociações com o proponente. Foram encetadas as negociações.

A 9 de Julho de 2004, Jorge Sampaio fazia uma comunicação ao país: indigitação de novo primeiro-ministro, face à demissão do governo de Durão Barroso, que tinha aceitado o convite para presidir à Comissão Europeia. A 17 de Julho de 2004, Santana Lopes tomava posse, não suspeitando que o seu mandato seria tão curto. Já Daniel Sanches estava com a pasta da Administração Interna, quando a comissão de avaliação do SIRESP deu o "sim" ao resultado das negociações decorridas entretanto com o consórcio, considerando, a 14 de Fevereiro de 2005, que estava "verificada a conformidade com as disposições legais aplicáveis à contratação de parcerias público-privadas", pelo que propunha a adjudicação por 538,2 milhões de euros. O despacho do MAI e das Finanças, de 23 de Fevereiro desse ano, aprovava a conclusão do relatório da comissão e adjudicava o contrato à Motorola/SLN. Uma adjudicação que chegou três dias depois de se terem realizado eleições legislativas, que ditaram a entrada no poder de José Sócrates. Santana Lopes demitira-se em Dezembro; José Sócrates tomou posse a 12 de Março de 2005. Um negócio feito num governo em gestão que, no entanto, prosseguiu.

António Costa entra no dossiê SIRESP

Daniel Sanches assinou um papel, conforme referiu Oliveira Costa, um papel que acabaria anulado por determinação do recém-chegado ao Ministério da Administração Interna: António Costa. Fora o escolhido por Sócrates para a pasta, tendo levado para seus secretários de Estado os socialistas José Magalhães, Ascenso Simões e Fernando Rocha Andrade (actual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais). Eduardo Cabrita era seu secretário de Estado-Adjunto com a pasta da administração local.

Chegado ao MAI, Costa pede vários pareceres sobre o procedimento do SIRESP, que mereceu críticas de todos os lados. A IGF disse mesmo que o valor apresentado "não parece merecer credibilidade na quantificação, designadamente dos valores dos riscos associados ao projecto de investimento". A TIR accionista – taxa interna de retorno, que avalia a rentabilidade de um projecto de investimento – "é muito elevada" e a proposta "não permite consubstanciar valor acrescentado para o Estado". Por isso, a IGF considerava que a parceria "não apresenta vantagens claras para o Estado". A Anacom, embora não vendo vícios técnicos no caderno de encargos, criticou o prazo – ainda para mais que a urgência com o Euro 2004 já não vingava –, acrescentando "não existir razões para adoptar uma solução sem uma cuidada ponderação de possíveis alternativas". As possíveis alternativas chegavam de alguns operadores. O Negócios sabe que a Radiomóvel chegou a falar da possibilidade de se adoptar a norma CDMA, e os operadores móveis admitiram uma proposta através das redes GSM/UMTS, mas ambas as opções foram afastadas por pareceres técnicos, até porque a tecnologia Tetra estava a ser adoptada em vários países europeus.

Mas o parecer decisivo chegou da Procuradoria-Geral da República que considerou ilícita a adjudicação já depois das eleições, uma vez que a decisão "não reveste a natureza do acto estritamente necessário para assegurar a gestão dos negócios públicos", enfermando, por isso, de nulidade. Se assim foi considerado, assim Costa o fez. A 5 de Maio de 2005, era declarada nula a adjudicação, mas em Julho determinou-se a reabertura da negociação com o consórcio concorrente. Não foi lançado novo procedimento. Era a segunda vez que o Estado se sentava à mesa com o mesmo consórcio para renegociar a oferta.

As negociações decorreram, de acordo com documentação consultada no Tribunal de Contas, de Agosto de 2005 a Março de 2006, resultando, um ano depois da nulidade na proposta de adjudicação final por parte da comissão de avaliação por 483 milhões de euros, num contrato a 15 anos. A adjudicação final, com a assinatura de António Costa, aconteceu, em Conselho de Ministros, a 12 de Junho de 2006. O contrato foi assinado a 4 de Julho desse ano, com início de vigência a 30 de Junho.

O Tribunal de Contas foi consultado para dar visto ao contrato já depois do prazo determinado por lei, o que foi referido pela entidade como sendo susceptível de gerar responsabilidade financeira sancionatória. Não foi possível obter informação sobre se essa responsabilização avançou. As críticas do Tribunal de Contas não foram, no entanto, apenas essas. Abrangeram quase todos os aspectos: preço, prazo, método de adjudicação. Mas ainda assim deu a sua luz verde, com outra conclusão.

Renegociações prejudicaram projecto

As renegociações feitas até se encontrar o acordo final foram conseguidas à custa da diminuição dos serviços a prestar pelo consórcio. Na primeira, ainda no tempo de Durão Barroso/Santana Lopes, diminuiu-se número de antenas a instalar e de terminais de gestão. Na segunda negociação, já no governo de José Sócrates, a entidade pública prescindiu, segundo o Tribunal de Contas, de "determinados aspectos técnicos que estavam previstos no caderno de encargos", como a extinção de centros de dados no Porto, Madeira e Açores. Foi também eliminada a funcionalidade da gestão da facturação, alterou-se o calendário dos trabalhos (Açores passaria a ter SIRESP apenas em 2013) e eliminou-se a etapa de arranque. O Tribunal de Contas subiu o tom crítico: "para além das dúvidas de legalidade que o procedimento [convite] escolhido nos suscita (...) também se questiona o facto de, em fase de negociações, a comissão de avaliação ter dado a possibilidade ao concorrente de transformar uma proposta inadequada ao interesse público numa proposta adequada quando a fase de negociação visa apenas um aperfeiçoamento e uma melhoria de uma proposta que se tinha ‘ab initio’ como adequada, avaliada positivamente", o que não tinha sido o caso. Depois destas renegociações, anos mais tarde houve nova ronda negocial com o consórcio, na vigência do governo de Passos Coelho, que ficou concluída em 2015, mas cujos resultados só entraram em vigor em 2016. Novamente António Costa surge associado ao projecto. A resolução de Conselho de Ministros, aprovando as alterações, tem a sua assinatura e data de 23 de Dezembro de 2015, perto de um mês após a sua tomada de posse. Foi, assim, o actual Governo que acabou por assinar o aditamento ao contrato e que resultou num corte dos pagamentos do Estado de 25 milhões de euros em seis anos (de 2015 a 2021, ano de termo do contrato), ou 11% dos pagamentos previstos no início das negociações, com um "incremento nos níveis desejáveis de disponibilidade e de cobertura definidos", diz a UTAP - Unidade Técnica de Acompanhamento de Projectos, nos seus relatórios trimestrais às PPP (parceiras público-privadas). Mas esta renegociação não passou pelo Tribunal de Contas. Diz a UTAP que esta entidade decidiu que "o referido aditamento não se encontra sujeito a procedimento de fiscalização prévia". O Negócios não conseguiu apurar nem junto do Tribunal de Contas nem junto do Ministério da Administração Interna por que razão não foi o aditamento alvo de parecer.

SIRESP pediu dinheiro

É da mesma UTAP que chega a informação de que, apesar do concessionário poder ser alvo de deduções aos pagamentos por falhas na disponibilidade e desempenho – que não pode exceder 8,68% da remuneração total –, nunca foi aplicada qualquer penalização. No aditamento, assinado em 2016, reviram-se novamente as condições de prestação da operadora SIRESP, nomeadamente a redução do investimento. Além disso, existem quatro pedidos de reequilíbrio financeiro pela operadora, dizendo, então, a UTAP que "não é possível quantificar o impacto orçamental que poderá advir destes processos". O que significa que o Estado pode incorrer em mais pagamentos se for provado algum incumprimento.

No boletim referente ao primeiro trimestre, a UTAP é omissa sobre estes pedidos de reequilíbrio financeiro.

Certo é que no ano em que o contrato foi renegociado, em 2016, a operadora SIRESP pagou pela primeira vez aos seus accionistas dividendos. E fê-lo por duas vezes. Em Janeiro, conforme noticiado pelo Negócios, atribuiu-lhes 6,67 milhões de euros, tendo ido buscar o dinheiro aos resultados transitados que, no final de 2015, atingiam os 13 milhões de euros (o mesmo é dizer que, em nove anos de operação, a empresa já lucrou esse valor). Mas não se ficou por aí. Segundo noticiou o Observador, nesse mesmo ano, a empresa voltou a pagar dividendos aos accionistas: mais 4,2 milhões de euros, e já depois da sociedade Galilei (principal accionista da operadora SIRESP) ter sido declarada insolvente, mas antes da nomeação de administrador judicial. Galilei que, já em Março deste ano, recebeu uma proposta de compra da sua posição de 33% na sociedade SIRESP, que, conforme noticiou o Negócios, foi rejeitada pela comissão de credores, presidida pela estatal Parvalorem. O ex-secretário de Estado da Administração Pública, Fernando Alexandre, já defendeu, aliás, que o Estado devia ficar com a participação da ex-SLN, já que é o seu maior credor. Também a PT, segunda maior accionista, mantém o interesse na SIRESP. Paulo Neves, presidente da operadora, garantiu ao Negócios que a posição que detém não está à venda.

Aliás, a PT é uma das empresas accionistas que é, ao mesmo tempo, fornecedora. O que significa que não apenas já ganha dinheiro com os dividendos, como ao longo dos 15 anos de contrato vai garantir uma boa fatia de negócio com o contrato de fornecimento de sites e de aluguer de circuitos. Tal como a Motorola, que além de ser accionista, continua a ser o fornecedor privilegiado e único em alguns casos do SIRESP. A consulta aos processos no Tribunal de Contas mostra isso mesmo. A Motorola continuou a fornecer terminais às forças que integram o SIRESP – ainda que aqui tenha concorrência – mas é garantida a sua escolha quando se trata de fazer evoluir a tecnologia que implementou e na instalação de centros de despacho. O ajuste directo é garantido. Como aliás aconteceu em Setembro de 2015, quando a Motorola garantiu um negócio público de 871 mil euros. Dos 29 contratos disponíveis no portal base que a Motorola fez com o Estado, desde 2008 a empresa já garantiu 4,55 milhões de euros com contratos públicos, tendo metade do valor sido atribuído por ajuste directo. Apenas a compra de 6856 terminais, em Dezembro de 2014, foi por concurso público, tendo garantido um negócio de 2,35 milhões de euros.

Na consulta ao mesmo portal das compras públicas, verifica-se que a sociedade concessionária do SIRESP, além dos valores que recebe no âmbito da parceria público-privada, já fez negócio com entidades públicas ao longo dos anos (desde 2010) no valor de 5,86 milhões de euros. Todas por ajuste directo.

Novas negociações a caminho?

Aqui chegados, o SIRESP volta a estar no centro das atenções. Já não de alçada judicial – o Ministério Público arquivou a investigação que promoveu em 2008 –, mas políticas. Os partidos à esquerda pedem a nacionalização da rede de emergência e segurança. À direita admitem-se mudanças ao negócio, perante alegadas falhas do sistema em cenários mais complicados, como as que ocorreram no incêndio de Pedrógrão Grande. O Ministério da Administração Interna promoveu auditorias ao SIRESP, o que tem sido usado para não responder a qualquer das questões colocadas sobre o funcionamento do sistema. A ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, diz que já promoveu a revisão à capacidade de operação deste sistema em determinados pontos do país. Mas mais não revela. Certo é que, de acordo com o contrato em vigor, o 11.º ano de vigência permitiria ao Estado promover uma revisão aos seus termos, tal como aconteceu no oitavo ano de vigência. No aditamento assinado em 2016, estabeleceu-se, no entanto, que a revisão só poderia acontecer se o pagamento da operadora pelos circuitos à Meo fosse superior em 1,9 milhões de euros ao valor da oferta regulada no mercado. O Ministério não diz se usou essa prerrogativa para fazer valer os seus interesses.

De acordo com o Orçamento do Estado para 2017, falta ao Governo pagar 155 milhões de euros desta parceria público-privada. Segundo Oliveira Costa, "80 e tal milhões de euros" foi o que custou "para se fazer" o SIRESP. Esse foi o valor de arranque, tendo em conta que, no projecto inicial, o investimento totalizava 122 milhões de euros, a que acrescia um montante estimado de exploração de perto de 260 milhões de euros. Foi adjudicado, em 2006, por 485 milhões de euros, tendo em conta a taxa interna de rentabilidade estabelecida. Uma parceria público-privada, concessionada à operadora SIRESP, que é gerida pela secretaria-geral do Ministério da Administração Interna. O contrato vigorará até 2021.



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