Notícia
O Pai: Relógio de esquecimento
Os ponteiros avançam enquanto as memórias se dissipam. Dias de chuva e folhas que caem. João Perry olha, tranquilo, esse passar do tempo. Custa mais ser esquecido do que esquecer.
A doença chega silenciosa ao seio da família. Nunca se lhe diz o nome mas ela apresenta-se pelos sintomas: alzheimer. A demência, o esquecimento forçado. O pai, tão cheio de vida nas suas palavras, não assume que está a ficar dependente e a precisar de assistência. E o drama instala-se na família.
João Perry protagoniza "O Pai", em cena no Teatro Aberto, em Lisboa. Texto de "nuances", detalhes e pistas suaves que só se revelam no final. "O facto de conhecer a doença mais de perto e perceber os procedimentos foi um desafio. Já tinha tido contacto mas nada é suficiente até nos aproximarmos mesmo com o intuito de perceber". Até ao choque do embate com o branco da clínica onde tudo termina.
Custa mais esquecer ou ser esquecido? "Ser esquecido pelos outros, ignorarem-nos na altura mais fragilizada da existência. Ser esquecido é ser abandonado. Já quando esquece, a pessoa vai entrando num tubo cinzento em que não se lembra que os outros nos podem amparar". Princípio que aplica a todos os campos da vida, não só à doença.
Nas profissões inclusive, sobretudo nas de palco, onde o aplauso alimenta. "Há esse problema de ser-se atirado para a caixa das memórias. Até agora não me posso queixar, porque tenho sido bastante amparado. Estou bastante acordado para os outros ainda". Sem imposições ou esforços adicionais. "O propósito de se tornar presente é vão".
João Perry admite ser uma súmula de outros, uma miscelânea de personagens. "Às vezes, não percebo bem a mentira que vivo ano a ano. Tenho tantos sintomas que qualquer dia contraio a doença". A da ficção - é nela que o actor se perde para se encontrar depois. "Sou só obrigado a fazer determinados percursos porque tiveram um propósito".
"Tenho tido uma vida bastante diversificada. Não me posso queixar de absolutamente nada que vivi, porque tudo me acrescentou. Mesmo as experiências dos dias de chuva. É uma coisa necessária. Eu não gosto da permanência. É uma monotonia. Gosto mesmo é das diferenças".
Viver das memórias é algo que João Perry tenta evitar. Prefere o quotidiano e, mesmo sem ter lá chegado, o futuro. "Mais tecnologias e pessoas no espaço. Talvez a gente acabe com tantas guerras. Embora nada pareça que vá nesse sentido. É um futuro um bocadinho com relógio marcado". Tal como o relógio que a sua personagem busca em palco durante toda a peça. Sempre escondido, sempre tão presente. A prova de que o tempo passa.
Até que chegue o dia derradeiro - o actor não o nega - é tempo de aprender. Que oportunidade anseia ainda? "Gostava de aprender a ter contas bancárias excessivas, que pudesse gastar sem pensar. Por muito que possa parecer uma coisa agressiva, acho que o dinheiro dá a liberdade e a possibilidade de ser dizer não a coisas que não se querem fazer. E dá a possibilidade de comprar e proteger coisas da destruição".
Nos palcos e fora deles, o processo de angariar conhecimento parece não terminar. Cíclico, como as folhas que caem, castanhas, a cada Outono. "Quando se deixa de aprender fica-se como os picles. Tem a aparência do que é autêntico mas já só sabe a vinagre".
João Perry protagoniza "O Pai", em cena no Teatro Aberto, em Lisboa. Texto de "nuances", detalhes e pistas suaves que só se revelam no final. "O facto de conhecer a doença mais de perto e perceber os procedimentos foi um desafio. Já tinha tido contacto mas nada é suficiente até nos aproximarmos mesmo com o intuito de perceber". Até ao choque do embate com o branco da clínica onde tudo termina.
Nas profissões inclusive, sobretudo nas de palco, onde o aplauso alimenta. "Há esse problema de ser-se atirado para a caixa das memórias. Até agora não me posso queixar, porque tenho sido bastante amparado. Estou bastante acordado para os outros ainda". Sem imposições ou esforços adicionais. "O propósito de se tornar presente é vão".
João Perry admite ser uma súmula de outros, uma miscelânea de personagens. "Às vezes, não percebo bem a mentira que vivo ano a ano. Tenho tantos sintomas que qualquer dia contraio a doença". A da ficção - é nela que o actor se perde para se encontrar depois. "Sou só obrigado a fazer determinados percursos porque tiveram um propósito".
"Tenho tido uma vida bastante diversificada. Não me posso queixar de absolutamente nada que vivi, porque tudo me acrescentou. Mesmo as experiências dos dias de chuva. É uma coisa necessária. Eu não gosto da permanência. É uma monotonia. Gosto mesmo é das diferenças".
Viver das memórias é algo que João Perry tenta evitar. Prefere o quotidiano e, mesmo sem ter lá chegado, o futuro. "Mais tecnologias e pessoas no espaço. Talvez a gente acabe com tantas guerras. Embora nada pareça que vá nesse sentido. É um futuro um bocadinho com relógio marcado". Tal como o relógio que a sua personagem busca em palco durante toda a peça. Sempre escondido, sempre tão presente. A prova de que o tempo passa.
Até que chegue o dia derradeiro - o actor não o nega - é tempo de aprender. Que oportunidade anseia ainda? "Gostava de aprender a ter contas bancárias excessivas, que pudesse gastar sem pensar. Por muito que possa parecer uma coisa agressiva, acho que o dinheiro dá a liberdade e a possibilidade de ser dizer não a coisas que não se querem fazer. E dá a possibilidade de comprar e proteger coisas da destruição".
Nos palcos e fora deles, o processo de angariar conhecimento parece não terminar. Cíclico, como as folhas que caem, castanhas, a cada Outono. "Quando se deixa de aprender fica-se como os picles. Tem a aparência do que é autêntico mas já só sabe a vinagre".