Notícia
Ousado adeus maduro
Olhares ensombrados pela ausência, pela pertença forçada ao que não se viveu. Xavier Dolan volta mais maduro, mais teatral, pronto para dividir opiniões.
"Tão só o fim do mundo"
O sexto filme de Xavier Dolan chega aos cinemas, depois da estreia nacional na 17.ª Festa do Cinema Francês.
O ar quente do secador sobre as unhas acabadas de pintar. A mesa posta, a casa arranjada como nunca. A visita, a primeira em 12 anos, é já motivo de discussão. Louis - o filho, o irmão, o cunhado - está a caminho. Para dizer que vai morrer.
Xavier Dolan volta mais maduro neste sexto filme, "Tão só o fim do mundo". A metamorfose não é intencional, com os traços que garantiram reconhecimento internacional a este realizador canadiano todos bem presentes. Só que mais apurados num trabalho de sombras e contrastes. As cores foram remetidas para o segundo plano, para os padrões dos cortinados.
Rasga-se o tema da juventude e da maternidade - tão presentes no último "Mamã" (2014) como no filme de estreia "Como matei a minha mãe" (2009). Esta é agora uma família onde todos estão na idade adulta, sem que isso seja garantia de estabilidade.
Louis mandou postais pelos aniversários, cumpriu com o que esperavam. Mas faltam as memórias, o toque, a cumplicidade. "Pas de souvenirs." Ele é um estranho entre a sua própria família. Sempre de olhar vago, de parcas palavras, deambulando entre conversas solitárias com cada membro da família. Confessionários.
Dolan reuniu-se de nomes de peso, não só do cinema em francês, mas a nível mundial: Gaspard Ulliel, Marion Cotillard, Nathalie Baye, Vincent Cassel e Nathalie Baye. Nenhum se destaca ou garante uma prestação que mereça ser distinguida. O próprio filme a isso não se sujeita. Quando estão todos juntos, sim, aí se percebe a força do elenco.
Este é um filme para ouvir: uma varanda sobre o íntimo, o privado, o incomunicável. Mas Xavier Dolan não descuidou a fotografia, antes pelo contrário: inunda-nos de planos apertados, com olhares quase sempre azuis e demasiado límpidos para não se perceber o que vai no seu interior.
Depois, e como golpe de mestre, junta-lhe a música nos momentos mais inesperados. Explode a cena para fazer memórias virem ao de cima com sonoridades que - estando em simultâneo dentro e fora do circuito dito "mainstream" - parecem ter sido feitas para encaixar naquele preciso momento.
À semelhança do que habituou no passado, faz questão de lembrar o carácter fabricado de um filme, como quem reclama o seu lugar de narrador da história. Adaptou-a do teatro, da peça com o mesmo nome assinada por Jean-Luc Lagarce. É inegável o carácter autobiográfico da obra publicada em 1990 pelo dramaturgo francês que, cinco anos mais tarde, viria a morrer de sida. A Louis nunca lhe sabemos a doença terminal.
E sente-se mesmo que, perante um ecrã, estamos a ver teatro. É tudo demasiado intenso: os segredos revelam-se, os confrontos sucedem-se, reconhece-se que o inferno está dentro da própria família. À memória vem outra peça - "August: Osage County" - mas Dolan tem a astúcia para fazer essa referência desaparecer rápido. Esta é a família que ele retrata, não lhe roubem isso.
Outrora conhecido como "o menino querido de Cannes", voltou a trazer com "Tão só o fim do mundo" dois troféus para casa no certame: Grande Prémio e o Prémio do Júri Ecuménico. Será ainda o representante canadiano para melhor filme estrangeiro na próxima edição dos Óscares. Num momento raro no seu percurso, o realizador de 27 anos conseguiu dividir a crítica com o último trabalho.
Fica o relógio de cuco na parede a contar os minutos de um tempo que amedronta. Xavier Dolan foi feliz no regresso. Louis, pelo contrário. Era demasiado tarde. Não se pode voltar onde nunca se pertenceu.
O sexto filme de Xavier Dolan chega aos cinemas, depois da estreia nacional na 17.ª Festa do Cinema Francês.
O ar quente do secador sobre as unhas acabadas de pintar. A mesa posta, a casa arranjada como nunca. A visita, a primeira em 12 anos, é já motivo de discussão. Louis - o filho, o irmão, o cunhado - está a caminho. Para dizer que vai morrer.
Rasga-se o tema da juventude e da maternidade - tão presentes no último "Mamã" (2014) como no filme de estreia "Como matei a minha mãe" (2009). Esta é agora uma família onde todos estão na idade adulta, sem que isso seja garantia de estabilidade.
Louis mandou postais pelos aniversários, cumpriu com o que esperavam. Mas faltam as memórias, o toque, a cumplicidade. "Pas de souvenirs." Ele é um estranho entre a sua própria família. Sempre de olhar vago, de parcas palavras, deambulando entre conversas solitárias com cada membro da família. Confessionários.
Dolan reuniu-se de nomes de peso, não só do cinema em francês, mas a nível mundial: Gaspard Ulliel, Marion Cotillard, Nathalie Baye, Vincent Cassel e Nathalie Baye. Nenhum se destaca ou garante uma prestação que mereça ser distinguida. O próprio filme a isso não se sujeita. Quando estão todos juntos, sim, aí se percebe a força do elenco.
Este é um filme para ouvir: uma varanda sobre o íntimo, o privado, o incomunicável. Mas Xavier Dolan não descuidou a fotografia, antes pelo contrário: inunda-nos de planos apertados, com olhares quase sempre azuis e demasiado límpidos para não se perceber o que vai no seu interior.
Depois, e como golpe de mestre, junta-lhe a música nos momentos mais inesperados. Explode a cena para fazer memórias virem ao de cima com sonoridades que - estando em simultâneo dentro e fora do circuito dito "mainstream" - parecem ter sido feitas para encaixar naquele preciso momento.
À semelhança do que habituou no passado, faz questão de lembrar o carácter fabricado de um filme, como quem reclama o seu lugar de narrador da história. Adaptou-a do teatro, da peça com o mesmo nome assinada por Jean-Luc Lagarce. É inegável o carácter autobiográfico da obra publicada em 1990 pelo dramaturgo francês que, cinco anos mais tarde, viria a morrer de sida. A Louis nunca lhe sabemos a doença terminal.
E sente-se mesmo que, perante um ecrã, estamos a ver teatro. É tudo demasiado intenso: os segredos revelam-se, os confrontos sucedem-se, reconhece-se que o inferno está dentro da própria família. À memória vem outra peça - "August: Osage County" - mas Dolan tem a astúcia para fazer essa referência desaparecer rápido. Esta é a família que ele retrata, não lhe roubem isso.
Outrora conhecido como "o menino querido de Cannes", voltou a trazer com "Tão só o fim do mundo" dois troféus para casa no certame: Grande Prémio e o Prémio do Júri Ecuménico. Será ainda o representante canadiano para melhor filme estrangeiro na próxima edição dos Óscares. Num momento raro no seu percurso, o realizador de 27 anos conseguiu dividir a crítica com o último trabalho.
Fica o relógio de cuco na parede a contar os minutos de um tempo que amedronta. Xavier Dolan foi feliz no regresso. Louis, pelo contrário. Era demasiado tarde. Não se pode voltar onde nunca se pertenceu.