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Ousado adeus maduro

Olhares ensombrados pela ausência, pela pertença forçada ao que não se viveu. Xavier Dolan volta mais maduro, mais teatral, pronto para dividir opiniões.

29 de Outubro de 2016 às 13:00
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"Tão só o fim do mundo"
O sexto filme de Xavier Dolan chega aos cinemas, depois da estreia nacional na 17.ª Festa do Cinema Francês.


O ar quente do secador sobre as unhas acabadas de pintar. A mesa posta, a casa arranjada como nunca. A visita, a primeira em 12 anos, é já motivo de discussão. Louis - o filho, o irmão, o cunhado - está a caminho. Para dizer que vai morrer.

Xavier Dolan volta mais maduro neste sexto filme, "Tão só o fim do mundo". A metamorfose não é intencional, com os traços que garantiram reconhecimento internacional a este realizador canadiano todos bem presentes. Só que mais apurados num trabalho de sombras e contrastes. As cores foram remetidas para o segundo plano, para os padrões dos cortinados.

Rasga-se o tema da juventude e da maternidade - tão presentes no último "Mamã" (2014) como no filme de estreia "Como matei a minha mãe" (2009). Esta é agora uma família onde todos estão na idade adulta, sem que isso seja garantia de estabilidade.

Louis mandou postais pelos aniversários, cumpriu com o que esperavam. Mas faltam as memórias, o toque, a cumplicidade. "Pas de souvenirs." Ele é um estranho entre a sua própria família. Sempre de olhar vago, de parcas palavras, deambulando entre conversas solitárias com cada membro da família. Confessionários.

Dolan reuniu-se de nomes de peso, não só do cinema em francês, mas a nível mundial: Gaspard Ulliel, Marion Cotillard, Nathalie Baye, Vincent Cassel e Nathalie Baye. Nenhum se destaca ou garante uma prestação que mereça ser distinguida. O próprio filme a isso não se sujeita. Quando estão todos juntos, sim, aí se percebe a força do elenco.

Este é um filme para ouvir: uma varanda sobre o íntimo, o privado, o incomunicável. Mas Xavier Dolan não descuidou a fotografia, antes pelo contrário: inunda-nos de planos apertados, com olhares quase sempre azuis e demasiado límpidos para não se perceber o que vai no seu interior.

Depois, e como golpe de mestre, junta-lhe a música nos momentos mais inesperados. Explode a cena para fazer memórias virem ao de cima com sonoridades que - estando em simultâneo dentro e fora do circuito dito "mainstream" - parecem ter sido feitas para encaixar naquele preciso momento.

À semelhança do que habituou no passado, faz questão de lembrar o carácter fabricado de um filme, como quem reclama o seu lugar de narrador da história. Adaptou-a do teatro, da peça com o mesmo nome assinada por Jean-Luc Lagarce. É inegável o carácter autobiográfico da obra publicada em 1990 pelo dramaturgo francês que, cinco anos mais tarde, viria a morrer de sida. A Louis nunca lhe sabemos a doença terminal.

E sente-se mesmo que, perante um ecrã, estamos a ver teatro. É tudo demasiado intenso: os segredos revelam-se, os confrontos sucedem-se, reconhece-se que o inferno está dentro da própria família. À memória vem outra peça - "August: Osage County" - mas Dolan tem a astúcia para fazer essa referência desaparecer rápido. Esta é a família que ele retrata, não lhe roubem isso.

Outrora conhecido como "o menino querido de Cannes", voltou a trazer com "Tão só o fim do mundo" dois troféus para casa no certame: Grande Prémio e o Prémio do Júri Ecuménico. Será ainda o representante canadiano para melhor filme estrangeiro na próxima edição dos Óscares. Num momento raro no seu percurso, o realizador de 27 anos conseguiu dividir a crítica com o último trabalho.

Fica o relógio de cuco na parede a contar os minutos de um tempo que amedronta. Xavier Dolan foi feliz no regresso. Louis, pelo contrário. Era demasiado tarde. Não se pode voltar onde nunca se pertenceu.


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