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Homens danados de Trump

Podem não ser tão violentos como os cães de Tarantino - pelo menos devem deixar gorjeta nos restaurantes -, mas não tem faltado agressividade na equipa de transição de Donald Trump para a Casa Branca.

18 de Novembro de 2016 às 11:00
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Substitua um armazém com criminosos por uma suite na Trump Tower cheia de políticos e os paralelismos não são difíceis de fazer. O círculo mais próximo do Presidente eleito está dividido em facções e contaminado por desconfiança e ódios antigos. Não se cortaram orelhas, mas houve decapitações. Todos se acotovelam para alcançar a máxima influência junto de Trump.


Se calhar, mais do que Tarantino, tem sido uma mistura de "House of Cards" com "Game of Thrones". A formação da Administração Trump está a avançar lentamente, deixando um rasto de polémica e de vítimas pelo caminho. No programa "O Aprendiz", o confronto duro entre os concorrentes fazia parte do entretenimento, com direito a gritos, ofensas e possibilidade de confronto físico, sob a ameaça constante de serem despedidos a qualquer momento por Donald Trump. Agora, esse ambiente stressante de "reality show" parece ter sido transportado pelo milionário para a sua equipa de transição. Geograficamente, a proximidade é clara. A equipa reúne-se no mesmo sítio onde o programa era gravado: a Trump Tower. A última semana foi uma verdadeira montanha-russa.

Os media e as sondagens podem ter subestimado a possibilidade de Trump vencer a eleição, mas a sua campanha também foi apanhada de surpresa. Não só não tinham uma equipa verdadeiramente preparada, como achavam que a entrada na Casa Branca seria mais simples. A NBC e o Wall Street Journal noticiaram que, depois da primeira reunião com Barack Obama, o Presidente eleito ficou surpreendido pelo número de pessoas que terá de nomear para a sua Administração. Na realidade, mal Obama deixe de ser o Presidente, cerca de 4.000 pessoas precisarão de ser substituídas e um terço das nomeações terão de ser aprovadas pelo Senado.

O processo está não só muito atrasado, como já são visíveis fissuras na estrutura. Segundo vários órgãos de comunicação social, o ambiente tem sido bastante conflituoso. As primárias republicanas foram muito violentas, o que deixou feridas por sarar dentro do partido. Algumas das pessoas que chocaram de frente integraram agora a equipa de Trump.

"É o mesmo que acontecia nas primárias: toda a gente tem as facas apontadas uns aos outros", afirmou ao Politico um republicano sob anonimato, que trabalhou na campanha de Trump e está agora a aconselhar alguns dos elementos da equipa de transição.

A divisão mais clara é entre o aparelho republicano e os "outsiders" que preenchiam a campanha de Trump, principalmente no início. E já houve um momento "you're fired!". Chris Christie, governador de New Jersey e adversário de Trump nas primárias, era o responsável desde Maio pela gestão da equipa de transição da candidatura republicana. No entanto, o trabalho que desenvolveu nestes seis meses foi desfeito em poucos dias. Na semana passada, o vice-presidente eleito, Mike Pence, substituiu Christie na liderança da equipa.

O Politico escreve que, por trás desta decisão, esteve um conflito entre Christie e Jared Kushner, o genro de Trump e uma das pessoas em quem o milionário mais confia. Além de discordâncias políticas, há um ressentimento antigo: foi Christie, enquanto procurador do estado de New Jersey, o responsável por prender o pai de Kushner por fuga ao Fisco e doações ilegais para campanhas políticas. Kushner já tinha sido o principal opositor à escolha de Christie como vice-presidente e agora voltou a convencer o sogro a ficar do seu lado.

Trump nunca ocupou qualquer cargo político ou militar, o que o tornará um Presidente único e também imprevisível. A falta de experiência política e a sua agenda ideológica flexível fazem dele um Presidente mais dependente dos conselhos do seu círculo mais próximo. Torna também as posições de topo na sua Administração mais apetecíveis pela maior probabilidade de o conseguir influenciar.

Nos últimos dias, as fugas de informação não têm parado, com vários nomes a circular nos media. Os únicos que estão absolutamente confirmados são Reince Priebus e Steve Bannon, para chefe de gabinete e estratego-chefe. Ambos terão o mesmo poder, mas o primeiro terá responsabilidades mais formais. A escolha do segundo foi envolvida em polémica, devido às suas ligações a ideologias de supremacia branca, nacionalistas, misóginas e anti-semitas. Outro nome que parece relativamente seguro é o de Steven Mnuchin, ex-Goldman Sachs, para secretário do Tesouro. Rudy Giuliani e Jeff Sessions também devem ter lugares assegurados nesta Administração, mas ainda sem cargo certo (entretanto, Sessions foi escolhido para Procurador Geral). 

Se os cargos de maior exposição estão a ter procura, as posições que operam na sombra estão a ser difíceis de preencher. Ao contrário de George W. Bush, Trump não tem atrás de si toda a força do aparelho republicano. Isso e a sua relação complicada com as elites conservadoras está a complicar a procura por quadros qualificados.

A decapitação de Christie teve outras consequências. Foi acompanhada por uma purga de todos aqueles que eram próximos do Governo, nomeadamente os seus conselheiros sobre segurança externa. Estes despedimentos e a transição para Mike Pence deixaram a equipa de transição num verdadeiro caos, escreveu o NYT. Até terça-feira à noite Mike Pence ainda não tinha assinado os documentos que lhe permitiriam aceder aos "briefings" do Departamento de Estado e departamentos como o da Justiça e da Defesa ainda não tinham recebido qualquer contacto do Presidente eleito.

A confusão é tanta que nem os líderes estrangeiros sabiam como contactar com o Presidente eleito. Muitos deles, diz o NYT, estão simplesmente a ligar para a Trump Tower e a pedir para falar com o Presidente. Trump tem conversado com eles sem ter o habitual "briefing" do Departamento de Estado. Um antigo funcionário desse departamento, Eliot Cohen, escreveu no Twitter que desistiu de aconselhar a equipa de transição. "Eles estão zangados, são arrogantes e gritam 'tu PERDESTE!' Vai ser feio."

Trump defendeu-se no Twitter, garantindo que o processo tem sido "muito organizado", a equipa "está a fazer um trabalho fantástico" e só ele é que sabe quem são os "finalistas" para cargos na Administração. Uma frase que parece mais condicente com um apresentador "reality show" do que o Presidente dos EUA.

As críticas nunca deitaram abaixo o milionário, foi eleito contra os media, as sondagens, a demografia e até o seu próprio partido. Governar poderá ser o seu maior obstáculo.


Reince
Priebus
Chefe de gabinete

Em Portugal, o cargo não tem tanta importância, mas ser chefe de gabinete do Presidente dos Estados Unidos é um dos cargos mais importantes de uma Administração norte-americana. Reince Priebus é o presidente do Comité Nacional Republicano e será o responsável por gerir as operações diárias na Casa Branca e fazer uma decisiva ponte com o Congresso. Embora Donald Trump tenha conduzido uma campanha eleitoral em constante conflito com o Partido Republicano, nunca cortou relações com o Presidente. "Nunca tive um segundo mau com ele. É uma estrela inacreditável", disse sobre ele Trump, no discurso de vitória. Priebus será o (único?) representante do aparelho do partido na Administração. Uma personalidade que os republicanos no Congresso ouvirão com mais facilidade e um forte aliado de Paul Ryan, o presidente da Câmara dos Representantes, com quem Trump teve uma relação muito atribulada durante toda a campanha. Ironicamente, Priebus coordenou a análise feita internamente no Partido Republicano, depois da derrota nas eleições de 2012. Aquilo que ficou conhecido como a "autópsia" aconselhava uma atitude mais aberta em relação a minorias raciais e avançar com reformas na imigração. Sugestões que foram totalmente ignoradas pela candidatura de Trump, cuja plataforma vai exactamente no sentido oposto. A escolha Priebus sinaliza vontade de compromisso, embora o nome aqui ao lado - Bannon - mostre exactamente o contrário.


Steve
Bannon
Estratego-chefe

Neste momento, só há dois nomes confirmados na Administração Trump: Reince Priebus e Steve Bannon. Embora o primeiro seja oficialmente o chefe de gabinete, todas as notícias apontam para que os dois estejam em pé de igualdade no que diz respeito à gestão da Casa Branca e, provavelmente, Bannon até terá mais influência junto de Trump. Se Priebus assinala uma vontade de chegar a compromissos com o aparelho republicano, a escolha de Bannon aponta o caminho oposto. O ex-CEO do Breitbart - site que fazia títulos como "Preferia que a sua filha tivesse feminismo ou cancro?" - é um completo "outsider", que pretendia limpar o Partido Republicano e assumir uma agenda política mais radical. A sua nomeação tem sido uma das notícias mais debatidas nos últimos dias, provocando indignação entre democratas, republicanos e organismos independentes antidiscriminação. O KKK achou a escolha "excelente". O Negócios escreveu um longo perfil sobre Bannon, em que lhe conta como chegou a braço-direito do Presidente dos EUA uma das principais caras da "alt-right", um movimento marcado pelo "nacionalismo branco", o racismo, a misoginia e o anti-semitismo. Além do que autorizava escrever no seu site, Bannon já foi indiciado por violência doméstica e acusado em tribunal pela sua ex-mulher de não querer que as suas filhas andassem numa escola com judeus. John Weaver, responsável pela candidatura presidencial do republicano John Kasich, escreveu: "A direita racista e fascista está representada a poucos passos da Sala Oval."


Mike
Pence
Vice-presidente

Há quem especule que será o verdadeiro Presidente dos Estados Unidos. Vice-presidente e líder da equipa de transição, Mike Pence tem, ao contrário de Donald Trump, uma longa carreia política: esteve durante 12 anos na Câmara dos Representantes e é desde 2013 governador do estado de Indiana. Ao longo da campanha presidencial, tentou defender por várias vezes as acções do seu companheiro de corrida, mas também manifestou a sua discordância com Trump. Por exemplo, quando este disse que queria impedir a entrada de muçulmanos no país ("ofensivo e inconstitucional", classificou Pence, antes de ser convidado para vice-presidente). É um conservador quanto à gestão das contas públicas, assim como nos costumes. Cristão evangélico, Pence tem uma relação complicada com a comunidade gay. Em Março de 2015, assinou uma lei que abria a porta para que as empresas pudessem rejeitar clientes com base na sua orientação sexual. Mais tarde, depois de grande pressão nacional, aprovou uma emenda que garantia que os gays não podiam ser discriminados. Em 2000, Pence defendeu que deveriam ser alocados recursos públicos a instituições "que providenciem assistência a quem pretenda mudar o seu comportamento sexual". Leia-se, curar homossexuais. O estado que governa tem também uma das mais restritivas leis de interrupção voluntária da gravidez. Só Indiana e North Dakota impedem a mulher de abortar caso a criança seja portadora de deficiência.


Jared
Kushner
Genro de Donald Trump

Este nome pode dizer-lhe pouco, mas é uma das pessoas em quem Donald Trump mais confia. Casado com Ivanka Trump, Jared Kushner é genro do Presidente eleito. Já se sabe que os filhos de Trump são alguns dos seus conselheiros mais próximos - garantiram a presença na equipa de transição -, mas Kushner tem sido a voz que o milionário mais ouve, escrevem os jornais americanos. Com 35 anos, é filho de outro magnata do imobiliário, Charles Kushner, que foi preso em 2004 sob acusações de fuga aos impostos e doações ilegais para campanhas políticas. Um dos responsáveis pela condenação foi Chris Christie, que na altura era procurador do estado de New Jersey. O mesmo Christie que há dias foi afastado da equipa de transição que chefiava desde Maio, alegadamente devido à pressão de Kushner. Os responsáveis pela campanha de Donald Trump foram mudando, mas a presença de Kushner manteve-se e a sua influência cresceu. Agora, especula-se que poderá mesmo ocupar um cargo formal de grande relevo na Casa Branca. A NBC escreveu que Trump pediu para que seja dado a Kushner acesso a informação secreta e que ele seja incluído nos "briefings" diários que são dados ao Presidente eleito. Não é claro se a sua nomeação será permitida, uma vez que poderá violar legislação antinepotismo. O facto de não ter raízes políticas tem feito com que Trump dependa muito de "outsiders" e da sua própria família. A ascensão de Jared Kushner reflecte isso mesmo.


Jeff
Sessions
Senador do Alabama

Jeff Sessions foi o primeiro senador a apoiar a candidatura de Donald Trump. Chegou a ser considerado para vice-presidente, tendo-se tornado num dos mais fiéis conselheiros do candidato republicano. Donald Trump escolheu-o para ser o Procurador Geral da sua Administração. O Politico escreve que Sessions foi Trump antes de Trump. Isto é, alguém que já criticava as posições "macias" do Partido Republicano em relação a imigração e aos tratados comerciais. O seu peso político no Senado sempre foi muito limitado e é uma figura relativamente menor dentro do partido. Mas isso pouco importa no mundo Trump. A sua exposição vem essencialmente de sites como o Breitbart - de Steve Bannon -, que o adoram. Agora que se prepara para ocupar um cargo de relevância, Sessions está a ser confrontado com declarações que fez há 30 anos. Quando tinha 39 anos, Sessions era procurador federal e candidatou-se a juiz federal. A sua candidatura foi rejeitada pelo comité judiciário do Senado - apenas a segunda vez que isso aconteceu nos 50 anos anteriores - depois de os senadores terem ouvido vários testemunhos que indiciavam para comportamentos racistas. Thomas Figures, que trabalhou com Sessions, acusou-o de dizer que os membros do KKK eram "OK, até que ele descobriu que fumavam marijuana". Sessions defendeu-se na altura: "Não sou racista. Não sou insensível aos negros."


Rudy
Giuliani
Ex-mayor de Nova Iorque

Desta lista, é provavelmente o nome mais conhecido dos portugueses. Porém, entre todos, é talvez aquele que tem menos influência no pensamento de Donald Trump. O que não impede de ser o favorito ao cargo de secretário de Estado. O ataque às Torres Gémeas em 2001, quando era mayor de Nova Iorque, fez dele uma figura conhecida em todo o mundo, pela sua liderança do processo de reconstrução da cidade. Nesse ano, foi escolhido pela Time como "Pessoa do Ano", num artigo com o título "Mayor do Mundo". Os oito anos que passou à frente da cidade (1994-2001) foram também marcados por um combate sem tréguas ao crime. Quando abandonou o cargo, os crimes violentos tinham caído 56% e os homicídios perto de 65%. Os seus críticos dizem que a descida fez parte de uma tendência muito mais abrangente, e anterior à sua chegada a mayor, que se observou noutras grandes cidades americanas. Além disso, algumas das tácticas que passaram a ser usadas pela polícia - como o "stop and frisk" - são hoje vistas como excessivamente direccionadas a minorias raciais. Durante a campanha eleitoral, Giuliani foi uma das principais vozes de defesa de Trump na comunicação social. Perante a possibilidade de se tornar no mais alto diplomata dos EUA, os democratas têm apontado que ele já recebeu dinheiro para fazer consultoria para governos estrangeiros e que a sua experiência de política externa se resume a ter sido mayor de uma cidade que sofreu um ataque terrorista. Caso fique com essa pasta, a prioridade de Giuliani deverá ser o combate ao ISIS.


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