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A Estupidez: A borboleta precisa de conversar

O mundo deixou de escutar o outro e respeitar os seus silêncios. Com isso, tornou-se mais estúpido. É o início de uma catástrofe que o encenador João Pedro Mamede teme. Basta um pormenor para que tudo mude.

Bruno Simão
14 de Janeiro de 2017 às 13:00
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"A Estupidez"
A peça assinada pelo argentino Rafael Spregelburd está no Teatro da Politécnica, em Lisboa, até 25 de Fevereiro. A encenação é de João Pedro Mamede. Um novo trabalho estreará, ainda este ano, em Almada com o seu grupo, Os Possessos.


Ela aí está, como uma praga que ataca silenciosamente. O seu nome é estupidez. Passo a passo, até dominar o mundo. "Concordo absolutamente que as pessoas estão mais estúpidas. Há também esta ilusão de que tocar num telemóvel é tocar numa pessoa. Uma espécie de proximidade falsa, meio nebulosa."

É João Pedro Mamede quem encena a peça "A Estupidez" no Teatro da Politécnica, em Lisboa - o pecado que lhe dá título é precisamente o que divide a lista de sete em duas partes iguais. Aos 24 anos, preocupa-o que o mundo julgue o valor dos outros e das coisas a partir de uma lógica sempre variável.

"Ninguém se ouve e a razão passa a ser uma coisa adaptável consoante o interesse. É preciso reaprender a conversar. Há muitos problemas nesse sentido, que as redes sociais só tendem a aumentar. Tudo isto é muito nocivo para a sociedade."

A escolha de Donald Trump na América, a afirmação de movimentos de extrema-direita na Europa e o risco em ano de eleições, o alheamento das pessoas perante assuntos fracturantes. A lista poderia ser alongada. Em resumo: "Somos todos muito estúpidos."

A viralidade nos conteúdos online, pelo seu lado cómico, dá palco às figuras mais insólitas E, quando menos se espera, estão a liderar o mundo. Quando olha em volta, João Pedro Mamede não crê que este cenário possa melhorar. "Não quero imaginar alguns colegas meus da escola, das jotas [juventudes políticas], no Governo daqui a uns anos. E sei os nomes."

É quase como na peça, onde tudo se desenrola para uma grande catástrofe. "Efeito borboleta, sabes?" Sim, o mais pequeno detalhe - como o bater de asas deste animal - pode ser o suficiente para gerar o caos do outro lado do globo. "Assusta-me que uma coisa muito simples possa desencadear o fim do mundo. Assusta-me que o mundo possa já ter acabado e ainda não saibamos."

É também assim em palco. João Pedro Mamede admite que se atinge, quase em permanência, o absurdo. "É desconfortavelmente teatral. Chega a um ponto de exaustão." São cinco histórias contadas em simultâneo. Entre elas, um quadro falso que não pára de ganhar valor ou um homem que descobre o segredo do universo.

"A peça é ilógica porque a razão está sempre a ser alterada, seja por uma falta de escuta ou um interesse qualquer. Há mesmo um problema de comunicação." Personagens solitárias em busca de algo que parece inalcançável. O encenador encontra-lhes semelhanças no filme "Magnolia" de Paulo Thomas Anderson.

Mas as influências do cinema não se ficam por aqui, já que João Pedro Mamede também trabalha neste campo artístico como actor. Em "A Estupidez" junta-se uma certa excentricidade trazida das personagens de filmes do realizador Quentin Tarantino, como "Pulp Fiction" ou "Kill Bill".

A certa altura, uma das personagens refere em palco que a classe operária é dominada pela classe intelectual. "É como se isso já não fizesse sentido nenhum. Mesmo a nossa Constituição, que está apoiada em valores que eram reais e palpáveis até ao 25 de Abril [de 1974], também já não se cumpre necessariamente. Essa classe intelectual deixou de existir."

Resta a esperança numa nova geração como a dele, "malta que está a fervilhar", mesmo que a estupidez da humanidade ameace tornar-se mais forte. "Nunca deves parar de trabalhar. Não tenho uma perspectiva carreirista. Sou intuitivo… ainda, acho eu. Escolho o que faz sentido para mim, para os que estão perto de mim e para o que se está a passar." Isso é ser estúpido?


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