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Encontrar o sol: O calor da pele anónima

Uma gargalhada. Outra, mais uma. Aparências douradas estendidas sobre as toalhas, corpos que escondem histórias e passados. Há humor em “Encontrar o sol”. E paixões tórridas que ensombram. Ou não fosse este um retrato da realidade.

Bruno Simão
18 de Fevereiro de 2017 às 13:00
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Encontrar o sol
O texto de Edward Albee está em cena no Teatro Municipal São Luiz, até 25 de Fevereiro. A encenação é de Ricardo Neves-Neves.


"Não quero ser porta-bandeiras de absolutamente nada. Não sinto que, como encenador, tenha uma missão". Ricardo Neves-Neves gosta de encenar sem se levar demasiado a sério. É o seu caminho para um teatro que existe por si.

Tudo arrancou numa maratona de leituras, no Verão de 2012, onde ficou a afinidade por "Encontrar o Sol". Por aqui, o trilho vai dar à praia. "Não é um humor de situação, mas pela ironia, pelo facto de as personagens se colocarem num determinado ponto de vista. Tem um certo requinte".

Uma nova forma de estar nos ensaios e comunicar com os actores foi-se afirmando. "Não é um texto que seja propriamente a minha praia. Nunca trabalhei como encenador o realismo, apesar de achar que Edward Albee não é um realismo puro e duro. Há ali qualquer coisa que desvia".

São quatro pares numa praia, todos com ligações entre si - uma "complexidade emocional" que o encenador confessa nunca ter trabalhado antes, em contraste com a clareza do discurso.

Nas toalhas estendidas, por coincidência ou não, dois homens que tiveram uma relação amorosa no passado. Fazem-se acompanhar ao sol pelas respectivas esposas. Na suave brisa que passa, a suspeita de que estes casamentos não durarão muito. Quiseram eles contrariar e mudar o impossível, a sua própria essência?

"A homossexualidade é um tema de superfície. Na verdade, é uma história de amor ou falta dele. Isso existe em todos os tipos de casais". Nesta ausência de felicidade prova-se que "gerimos a nossa vida e tomamos decisões absolutamente íntimas em função da sociedade". O outro, desconhecido, é sempre o mote do pensamento. "Senão nem havia capitalismo".

"Estou a ter este tipo de discurso contigo porque estamos em 2017, no meio urbano. Imagina em 1983, quando a peça estreou". Ricardo Neves-Neves sabe que ainda há preconceito e estranheza quanto a amar-se alguém do mesmo sexo. Mas as palavras são mais leves que outrora. Nos anos 1980, depois de duas décadas onde imperaram o amor livre e a liberdade, a explosão da sida e a sua associação à comunidade gay, tornaram o diálogo mais difícil.

Não é por acaso que Edward Albee opta por situar esta peça na praia. "Tem muito a ver com a mentira também. A ideia de destinos paradisíacos é relativamente recente, onde encontras a felicidade e o lugar ao sol. Pode também ser um local muito cansativo, de violência entre familiares, porque estão todo o dia juntos. Durante o resto do ano isso não acontece".

E, remata. "É um sítio onde temos uma certa convenção social sobre a questão da pele e da exposição". Daí pode nascer o caricato, a gargalhada, a boa disposição, que Ricardo Neves-Neves promete manter no próximo trabalho do grupo Teatro do Eléctrico: um cabaret, "para desanuviar" lá para o próximo Verão.

No palco do Teatro São Luiz, em Lisboa, não haverá areia. A logística não era simples e foi preciso arranjar alternativas. A investigação para o cenário acabou por cruzar-se com a definição de areia como sendo "da cor da pele". Da pele de quem?

"As pessoas são de cores diferentes. Decidimos que a nossa areia é um linóleo de listas de peles humanas, do mais escuro para o mais claro". Da areia molhada ao pé do mar à seca e brilhante.

Para todas as tonalidades, o mesmo sol, com seis metros de altura. Suspenso, a brilhar, enquanto escuta as confissões dos humanos que passam. Todos à procura do mesmo: o seu lugar. Saberão encontrá-lo?
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