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Dom La Nena: As composições vieram em forma de canção e eu comecei a cantar

Estudou com a “deusa do violoncelo” Christine Walevska, andou em digressão pelo mundo com a mítica Jane Birkin. A cantora e compositora franco-brasileira Dom La Lena, nome artístico de Dominique Pinto, encerra a sua “tournée” em Portugal.

Miguel Baltazar
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A cantora e violoncelista Dominique Pinto nasceu em Portalegre, no Rio Grande do Sul brasileiro, em 1989. Quando fez quatro anos, quis convidar o Vivaldi para a sua festa. "Se o ouvia todos os dias em casa, porque é que ele não podia ir no meu aniversário?" Os pais eram apaixonados por música e ela aprendeu piano e violoncelo. Aos 11 anos, quando vivia em Paris, descobriu a morada da pianista France Clidat, tocou à campainha e disse: vim tocar para a senhora. Um ano depois, de novo no Brasil, procurou o contacto da "deusa do violoncelo" Christine Walevska, discou o número e, em pouco tempo, foi estudar com a violoncelista em Buenos Aires. Foi lá que a pequena Dominique passou a ser "la nena". De volta a Paris, foi convidada para tocar com Jane Birkin, com quem andou dois anos às voltas pelo mundo. Feita a estrada, começou a compor, as composições vieram em forma de canção e ela cantou. Lançou o disco "Ela", depois veio o "Soyo" e o EP "Cantando". É com eles e é em Portugal que encerra agora a sua "tournée" mundial. Dom La Nena está hoje no Teatro São Luiz, em Lisboa, e amanhã no Cine-Teatro Louletano, em Loulé. Depois vai continuar a gravar o seu próximo álbum. E abrandar. "Estou em dupla gestação, um disco e um bebé."


O meu pai é professor de Filosofia e a minha mãe é psicanalista, mas eles são grandes melómanos. O meu pai toca violão, ele queria ter sido músico mas, por mil razões, não conseguiu. E eu, desde que nasci, sempre ouvi música em casa. Ouvia música brasileira dos anos 70, 80, Jorge Ben Jor, Tom Jobim, Chico Buarque, Gilberto Gil, mas também música clássica. Quando fiz quatro anos, até convidei o Vivaldi para a minha festa. A minha mãe disse: filha, vamos sentar aqui e fazer a listinha de convidados. Não sei se tinha estado a ouvir Vivaldi no momento antes, mas eu já sabia quem ele era e, se o ouvia todos os dias em casa, porque é que ele não podia ir no meu aniversário? Foi aí que percebi que nós não estamos aqui para sempre... Bom, como os meus pais viram que eu gostava de música, eles deram pilha e, no fim, deu certo.

Na verdade, os meus pais não são só apaixonados por música, eles são assim com a literatura e com todo o tipo de arte. A minha mãe (Rosane Pereira) também é escritora, publicou três livros e foi professora de Francês antes de eu nascer, então eu sempre li muito. Quando fui morar para Buenos Aires, descobri o (Julio) Cortázar, e nossa, fiquei louca com "Rayuela", devorei, li de trás para a frente e de frente para trás, naquela ordem que ele sugere, li tudo dele. Releio os contos, releio os livros, sou fanática total. Também leio literatura brasileira, gosto de Machado de Assis, de Carlos Drummond de Andrade, e literatura francesa. Tenho lido Marguerite Duras e adoro os clássicos. Vou lendo sempre. Quando você está em "tournée" na estrada, tem de se ocupar, não é? É no avião, na van, no trem…, alguma coisa tem de fazer, às vezes eu leio, às vezes eu durmo, às vezes eu faço tricô.

Comecei a tocar piano aos quatro anos e depois interessei-me pelo violoncelo meio por acaso. Estudava música pelo método Suzuki, um método japonês, e havia um encontro de escolas Suzuki em Florianópolis, que ficava a umas dez horas de ónibus de Portalegre. Fui com a minha babá e aí a gente conheceu o professor de "cello" da minha escola, a gente ficou a viagem inteira na diversão, conversando, eu adorei ele, andava sempre atrás e depois quis ter aulas de violoncelo. Mas continuava a adorar o piano.

Quando eu tinha oito anos, fui morar para França com os meus pais e aí era mais difícil conseguir vaga no conservatório para estudar piano, depois consegui uma vaga em violoncelo e parei com o piano, meio por fatalidade. Fiquei quatro anos em Paris e, no fim, estava totalmente determinada: o meu negócio era violoncelo. Quando a gente voltou para o Brasil, eu tinha 12 anos, e foi difícil porque Portalegre, na verdade, é uma cidade com um funcionamento muito interiorano, com pouca vida cultural, e entrei meio em crise, não sabia como ia continuar. Entrei em contacto com uma violoncelista de quem gostava muito, a Christine Walevska. Procurei o número na lista telefónica com a ajuda do meu pai, que ele também não é santo, e disquei o número. Por coincidência, ela estava indo para Buenos Aires - ela é casada com um argentino - e disse-me para eu ir ter com ela. E eu fui! Foi um pouco como essas minhas loucuras de convidar o Vivaldi para a minha festa de anos, mas desta vez deu certo (risos).

Mas tem outra história parecida com esta e aconteceu com uma pianista francesa que eu adorava, a France Clidat. Eu tinha uns 11 anos, ainda morava em Paris e, num sábado ou num domingo, dia em que eu tinha ensaios com colegas, procurei a morada e fui até casa dela, toquei a campainha e disse "vim tocar para a senhora". Só eu para fazer uma coisa dessas, hoje não me atreveria…! Ela não estava, estava o marido, fico imaginando o que terá pensado, a gente sentou na sala, tomou um chá, nem sei o que é que eu falei, ele ficou com o meu número. "Quando a France chegar, ela liga para ti", disse-me, e ela ligou mesmo. Passei a ir lá a casa tocar, ficámos muito próximas.

Quando fui para Buenos Aires, num primeiro momento, a ideia era ficar apenas uma semana. Eu tinha 12 anos e fui com a Rejane, a minha babá de quando eu era criança, que é como uma irmã mais velha. Conheci a Christine Walevska, que me apresentou a um professor francês no Conservatório de Buenos Aires e, juntos, eles bolaram um plano para mim: ficar a morar lá, estudar no Conservatório e fazer aulas intensivas com a Christine nos momentos em que ela estivesse na Argentina. Não sei como convenci os meus pais a ir. Foi demais. Foram cinco anos muito intensos. Foi lá que me passaram a chamar "la nena", todo o mundo me chamava de "nena", eu era sempre a menor.

Aos 18 anos, voltei para França e entrei num dos conservatórios. Tinha uma amiga que era produtora musical e fazia toda a cena da "chanson française". Ela estava produzindo o último disco da Jane Birkin e me chamou para gravar os "cellos". "Como assim? Eu?!" Foi maravilhoso, adorei, andei dois anos em digressão, foi a minha escola. Além do que aprendi musicalmente, aprendi como era a profissão do músico de estrada.

Quando terminei a "tournée" com a Jane, comecei a compor e a cantar, até então eu não cantava, nunca pensei cantar, foi algo que veio de uma vontade de compor e as composições vieram em forma de canção e, para eu poder interpretar as canções, tinha de cantar. Foi aí que comecei a esboçar o (disco) "Ela". Desde então, tenho andado na estrada, já lá vão quatro anos porque, na verdade, não fiz uma pausa entre a primeira e a segunda "tournée", gravei o segundo disco ("Soyo") durante a "tournée" do primeiro.

O "Soyo" tem produção de Marcelo Camelo, que eu conheci em Portugal. Moro em Paris, mas passo muito tempo em Lisboa, eu amo Lisboa, não sei bem porquê, me dá muita paz, gosto de tudo em Lisboa, não tem nada de que eu não goste, gosto do clima, gosto das pessoas, gosto da luz, gosto do facto de a cidade não ser muito grande, um dia ainda venho morar para cá. A qualidade de vida em Paris é muito ruim, a vida é muito cara, a cidade é muito grande, muito poluída, muito barulhenta e stressante.

França está a passar um momento muito difícil, a questão do terrorismo acentuou uma corrente meio racista e meio radical e conservadora, mas acho muito difícil uma vitória da Marine Le Pen. Para mim, é uma ideia totalmente absurda. Admito que haja aqui uma certa confiança que pode ser ilusória e traidora. Talvez eu seja positiva demais achando que é tudo muito absurdo, mas a esperança é a última que morre.


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