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A WebSummit traz todos os anos milhares de participantes a Lisboa, para absorverem o que de mais inovador existe na área da tecnologia, com dezenas de palestras a ocorrerem por esses dias. Mais de 71 mil pessoas de 160 países estiverem presentes na última edição, em novembro passado. Destas, 42%s foram mulheres, mas no que toca a serem oradoras esta taxa desceu para 34%, segundo dados da organização. É certo que o género feminino está em minoria nas áreas tecnológicas, mas o inverso acontece na área da saúde e também aqui os dados apontam para um terço do discurso público ocupado por mulheres em conferências da área. No estudo "Equidade de género em conferências cirúrgica", por exemplo, levado a cabo em 2021 por um conjunto de investigadores nos EUA, a percentagem média de palestrantes do sexo feminino nestas temáticas cifrava-se nos 28%. Tal situação é "fruto de desigualdades de género ainda existentes nos níveis superiores da carreira académica, mas também pela ausência de mulheres em cargos de liderança pública e privada", explica ao Negócios Maria Manuel Leitão Marques, deputada ao Parlamento Europeu. Nesta medida, "hoje em dia, não estamos apenas a combater um viés consciente, mas também um viés inconsciente que resulta de convidar quem vemos ao lado e não quem está ausente", acrescenta.
A questão da perpetuação de um modelo em que há mais homens com voz no espaço público do que mulheres é também evidenciada por Sandra Ribeiro, presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade Género (CIG), como uma barreira ao equilíbrio. "Se a maioria das pessoas que faz palestras ou comenta noticias na TV são homens, a consequência é a manutenção do status quo do desequilíbrio de género quase entendido como normalidade. Faltam-nos modelos femininos e se continuarmos a convidar mais homens que mulheres para esse efeito, continuaremos sem esses modelos", refere.
A Agenda 2030 tem as questões ambientais, sociais e económicas na mira da sua estratégia. Mas também no seu debate as questões de desequilíbrio de género são evidenciadas. Na última Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP27), por exemplo, o também chamado "women speaking time" foi de 27%, apesar de as mulheres fazerem parte de 39% da composição da conferência. As mulheres são das principais vítimas das alterações climáticas, mas estão em minoria na resolução dos seus problemas nos diferentes stakeholders. Para Alice Khoury, cofundadora do movimento Women in ESG Portugal, "quando a narrativa ou discurso nestes meios é unificada e desigual, a disseminação do conhecimento, o networking e a evolução das soluções também fica comprometida". Sobretudo nesta área, que exige uma transição urgente para um mundo mais sustentável, com inúmeros espaços públicos a debater o tema, "se estes fóruns têm uma participação desigual em termos de género, o resultado que se espera desses meios acaba sendo limitado, pouco eficiente ou lento", acrescenta a também advogada.
Menos identificação, menos interação
Mas não se trata só de as mulheres protagonizarem menos nos palcos públicos. Havendo uma menor representação como palestrantes ou líderes de opinião, há consequentemente uma menor participação das mulheres nesses debates. Tal foi investigado num estudo publicado pelo "The Lancet", que aferiu que, em conferências médicas científicas, apenas 24% de todas as perguntas e comentários foram feitos por mulheres. E em sessões com palestrantes exclusivamente masculinos, apenas 9% das perguntas eram de membros femininos da audiência. Pelo contrário, nas sessões com palestrantes exclusivamente femininas, 57% de todas as perguntas nestas sessões eram de mulheres. Segundo o estudo, estes dados sugerem que o aumento do número ou da visibilidade de palestrantes femininas aumenta o número de perguntas das mulheres. "Somos seres sociais, o que significa que somos diretamente afetados pelo comportamento dos nossos pares ou com quem interagimos. Isso é acentuado quando nos identificamos uns com os outros, seja pelo género ou formação semelhante, ou afinidade por qualquer outro motivo", explica Alice Khoury.
Equilibrar a balança
Em última análise, podemos dizer que esta desigualdade pode prejudicar a ascensão a mais cargos de liderança e de protagonismo social, económico, empresarial, académico ou político, por parte de mulheres. Sandra Ribeiro destaca, por isso, o papel essencial da lei para estabelecer mais igualdade. "Tem havido grandes progressos, mas isso deve-se principalmente à lei. Temos hoje mais mulheres em cargos de direção no setor público e privado cotado em bolsa, porque temos uma lei que obriga ao equilíbrio do sexo menos representado no acesso a cargos superiores. Temos mais mulheres no Parlamento, porque temos em vigor uma lei da paridade". E sublinha ainda que "a igualdade não se atinge por decreto-lei, mas ajuda e muito".
Recorde-se que Portugal tem, desde 2017, uma lei que limita a 33,3% o mínimo de representação de um sexo em órgãos de administração e de fiscalização das entidades do setor público empresarial e das empresas cotadas em bolsa.
A Europa tem impulsionado estas medidas e quer ir mais longe. Recentemente foi aprovada uma lei que tem como objetivo promover uma representação mais equilibrada dos géneros nos conselhos de administração das empresas cotadas em bolsa em toda a UE, através de um sistema de quotas, a chamada "Women on Boards Directive". Ou seja, até 2026, as empresas cotadas terão de ter 40% do sexo sub-representado entre os diretores não executivos ou 33% entre todos os diretores.
A presidente da CIG vai na mesma linha e considera que, para haver um maior equilíbrio entre homens e mulheres nas intervenções públicas, deve ser "tomada uma posição pública de pessoas a quem é reconhecido mérito como conferencistas ou comentadores, recusando-se a participar em conferências em que não está garantida a igualdade de género". E apela também aos organizadores de conferências e à comunicação social que utilizem critérios de equidade e inclusão, além dos fatores de qualidade científica e profissional, na seleção de dessas vozes públicas.
Contudo, não se trata "apenas" de promover a igualdade. A diversidade é aliada do crescimento económico, como tem vindo a ser divulgado por vários estudos. "Existem evidências de que as organizações que possuem um maior número de mulheres em posições de liderança são financeiramente mais sustentáveis. A prosperidade económica e a igualdade de género reforçam-se mutuamente, favorecendo as ligações entre os compromissos políticos e a efetiva realidade do género nos media", finaliza Rita Basílio Simões.
A questão da perpetuação de um modelo em que há mais homens com voz no espaço público do que mulheres é também evidenciada por Sandra Ribeiro, presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade Género (CIG), como uma barreira ao equilíbrio. "Se a maioria das pessoas que faz palestras ou comenta noticias na TV são homens, a consequência é a manutenção do status quo do desequilíbrio de género quase entendido como normalidade. Faltam-nos modelos femininos e se continuarmos a convidar mais homens que mulheres para esse efeito, continuaremos sem esses modelos", refere.
A Agenda 2030 tem as questões ambientais, sociais e económicas na mira da sua estratégia. Mas também no seu debate as questões de desequilíbrio de género são evidenciadas. Na última Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP27), por exemplo, o também chamado "women speaking time" foi de 27%, apesar de as mulheres fazerem parte de 39% da composição da conferência. As mulheres são das principais vítimas das alterações climáticas, mas estão em minoria na resolução dos seus problemas nos diferentes stakeholders. Para Alice Khoury, cofundadora do movimento Women in ESG Portugal, "quando a narrativa ou discurso nestes meios é unificada e desigual, a disseminação do conhecimento, o networking e a evolução das soluções também fica comprometida". Sobretudo nesta área, que exige uma transição urgente para um mundo mais sustentável, com inúmeros espaços públicos a debater o tema, "se estes fóruns têm uma participação desigual em termos de género, o resultado que se espera desses meios acaba sendo limitado, pouco eficiente ou lento", acrescenta a também advogada.
Ter mulheres a palestrar gera na plateia feminina um sentimento de identificação. Alice Khoury
Cofundadora do movimento Women in ESG Portugal
Na comunicação social, também são menos as mulheres a ocuparem o lugar de comentadoras ou a protagonizarem notícias. E também aqui há estudos feitos. O Projeto de Monitorização Global dos Media (GMMP, sigla em inglês) mede a extensão dos desequilíbrios de género nas notícias. Segundo o GMMP, as mulheres estão "dramaticamente sub-representadas" nas notícias, sendo que apenas 24% delas servem como temas e fontes noticiosas. Portugal participa no projeto desde 2005. A título de exemplo, Rita Basílio de Simões, vogal da direção da Associação Portuguesa de Estudos sobre as Mulheres (APEM), conta que, "em 2020, num dia rotineiro de notícias, a presença de mulheres na cobertura informativa portuguesa de jornais, televisões, rádios e plataformas digitais fixou-se nos 34%, o que significa que, por cada três pessoas que protagonizaram as notícias, apenas uma foi uma figura feminina. Verificou-se também que, apesar da feminização dos cuidados de saúde profissionais em Portugal, e de o combate à pandemia de covid-19 ter sido liderado por duas mulheres políticas, a ministra da Saúde e a diretora-Geral da Saúde, foram, maioritariamente, as vozes de homens as ouvidas e citadas na qualidade de especialistas".Cofundadora do movimento Women in ESG Portugal
Menos identificação, menos interação
Mas não se trata só de as mulheres protagonizarem menos nos palcos públicos. Havendo uma menor representação como palestrantes ou líderes de opinião, há consequentemente uma menor participação das mulheres nesses debates. Tal foi investigado num estudo publicado pelo "The Lancet", que aferiu que, em conferências médicas científicas, apenas 24% de todas as perguntas e comentários foram feitos por mulheres. E em sessões com palestrantes exclusivamente masculinos, apenas 9% das perguntas eram de membros femininos da audiência. Pelo contrário, nas sessões com palestrantes exclusivamente femininas, 57% de todas as perguntas nestas sessões eram de mulheres. Segundo o estudo, estes dados sugerem que o aumento do número ou da visibilidade de palestrantes femininas aumenta o número de perguntas das mulheres. "Somos seres sociais, o que significa que somos diretamente afetados pelo comportamento dos nossos pares ou com quem interagimos. Isso é acentuado quando nos identificamos uns com os outros, seja pelo género ou formação semelhante, ou afinidade por qualquer outro motivo", explica Alice Khoury.
A prosperidade económica e a igualdade de género reforçam-se mutuamente. Rita Basílio Simões
Vogal da direção da Associação Portuguesa de Estudos sobre as Mulheres
A economia comportamental estuda como a resposta comportamental das pessoas é alterada pelos diferentes estímulos que possam receber, sendo que a identificação com um determinado orador aumenta a probabilidade de intervenção. "Ter mulheres a palestrar nos eventos, a partilhar os seus conhecimentos técnicos e vivência profissional, gera na plateia feminina um sentimento de empatia e identificação que faz com que esses participantes se sintam propensos a manifestar também as suas dúvidas, considerações, divergentes ou convergentes. E são essas intervenções que, ao serem silenciadas, podem fazer falta no construir e enriquecer que se espera de um debate ou conferência", acrescenta a cofundadora do movimento Women in ESG Portugal.Vogal da direção da Associação Portuguesa de Estudos sobre as Mulheres
Tem havido grandes progressos, mas isso deve-se principalmente à lei. Sandra Ribeiro
Presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género
Por sua vez, Rita Basílio Simões, salienta que os meios de comunicação e a paisagem comunicacional em geral "são espaços nucleares de construção da igualdade de género por serem uma fonte fundamental de informação, de ideias e de opiniões acerca dos problemas e visões que integram em cada momento a imaginação coletiva". Presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género
Equilibrar a balança
Em última análise, podemos dizer que esta desigualdade pode prejudicar a ascensão a mais cargos de liderança e de protagonismo social, económico, empresarial, académico ou político, por parte de mulheres. Sandra Ribeiro destaca, por isso, o papel essencial da lei para estabelecer mais igualdade. "Tem havido grandes progressos, mas isso deve-se principalmente à lei. Temos hoje mais mulheres em cargos de direção no setor público e privado cotado em bolsa, porque temos uma lei que obriga ao equilíbrio do sexo menos representado no acesso a cargos superiores. Temos mais mulheres no Parlamento, porque temos em vigor uma lei da paridade". E sublinha ainda que "a igualdade não se atinge por decreto-lei, mas ajuda e muito".
Recorde-se que Portugal tem, desde 2017, uma lei que limita a 33,3% o mínimo de representação de um sexo em órgãos de administração e de fiscalização das entidades do setor público empresarial e das empresas cotadas em bolsa.
A Europa tem impulsionado estas medidas e quer ir mais longe. Recentemente foi aprovada uma lei que tem como objetivo promover uma representação mais equilibrada dos géneros nos conselhos de administração das empresas cotadas em bolsa em toda a UE, através de um sistema de quotas, a chamada "Women on Boards Directive". Ou seja, até 2026, as empresas cotadas terão de ter 40% do sexo sub-representado entre os diretores não executivos ou 33% entre todos os diretores.
Precisamos de promover uma cultura que torne regra a participação equilibrada. Maria M. Leitão Marques
Deputada do Parlamento Europeu
Mas a lei não consegue chegar a todo o lado. Por isso, Maria Manuel Leitão Marques refere que "isto não chega, precisamos de promover uma cultura que torne como regra a participação equilibrada, de tal modo que a sua inexistência se torne um incómodo para quem participa, sejam homens ou mulheres, e uma vergonha para quem organiza".Deputada do Parlamento Europeu
A presidente da CIG vai na mesma linha e considera que, para haver um maior equilíbrio entre homens e mulheres nas intervenções públicas, deve ser "tomada uma posição pública de pessoas a quem é reconhecido mérito como conferencistas ou comentadores, recusando-se a participar em conferências em que não está garantida a igualdade de género". E apela também aos organizadores de conferências e à comunicação social que utilizem critérios de equidade e inclusão, além dos fatores de qualidade científica e profissional, na seleção de dessas vozes públicas.
Contudo, não se trata "apenas" de promover a igualdade. A diversidade é aliada do crescimento económico, como tem vindo a ser divulgado por vários estudos. "Existem evidências de que as organizações que possuem um maior número de mulheres em posições de liderança são financeiramente mais sustentáveis. A prosperidade económica e a igualdade de género reforçam-se mutuamente, favorecendo as ligações entre os compromissos políticos e a efetiva realidade do género nos media", finaliza Rita Basílio Simões.