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Portugal, um país cada vez mais seco e que produz muito lixo

O último Relatório do Estado do Ambiente mostra que Portugal faz um esforço no sentido da sustentabilidade, mas há áreas críticas onde não atingimos as metas: na gestão da água, no tratamento de resíduos e na descarbonização. Com o PRR, espera-se que 2022 seja um ano decisivo.

09 de Fevereiro de 2022 às 12:00
Um terço do país está já numa situação de seca extrema. É um dos efeitos das       alterações climáticas.
Um terço do país está já numa situação de seca extrema. É um dos efeitos das alterações climáticas. Luís Vieira/Movephoto
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A notícia tem feito manchete nos últimos dias: o país está em seca meteorológica em todo o território. Segundo o Instituto do Mar e da Atmosfera (IPMA), cerca de 1% do território está em seca fraca, 54% em seca moderada, 34% em seca severa e 11% em seca extrema. A questão da falta de água não é recente e tem vindo a agravar-se, sendo dos principais efeitos das alterações climáticas em Portugal. Algo que o último Relatório do Estado do Ambiente (REA), publicado anualmente pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), volta a mostrar.

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O ano de 2020 foi o 4.º mais quente dos últimos 90 anos, segundo o relatório divulgado.
A gestão da água, assim como a gestão de resíduos e a descarbonização são três grandes desafios ambientais em Portugal. A última edição do relatório, referente aos anos de 2020/21, mostra que Portugal é um país cada vez mais quente e seco (2020 foi o 4.º ano mais quente dos últimos 90 anos) e com cada vez maior escassez de água (66% do território esteve em seca meteorológica fraca e moderada em 2020). E 2022, como vimos, pode ir no mesmo sentido, com grande impacto em toda a sociedade. "Os anos quentes e secos podem ter fortes impactos nas disponibilidades hídricas superficiais e subterrâneas, na ocorrência de incêndios, na redução da produção de energia hídrica e na emissão de gases com efeito de estufa, quer por via das emissões quando ocorrem incêndios, quer na produção de energia em centrais termoelétricas", explica Nuno Lacasta, presidente da APA.

O último relatório do país mostra que as disponibilidades hídricas no território são cada vez mais preocupantes. Por outro lado, a água em Portugal é excelente para consumo humano, da mesma forma que têm excelente qualidade as águas balneares.

No que às águas diz respeito, Francisco Ferreira, presidente da Associação Zero, destaca este como um tema complexo, que começa na escassez "dramática" de água nas bacias hidrográficas um pouco por todo o país, mas passa também pela deterioração da qualidade da água em vários aquíferos em todo o território nacional, com concentrações de nitratos e/ou azoto amoniacal acima dos valores recomendados, não esquecendo o aumento das culturas de regadio. "O investimento no regadio mostra uma esquizofrenia grande em relação a lidar com secas que se sabe que vão ser mais prolongadas. A agricultura é a principal consumidora de água, gasta 70% da água disponível, e, mesmo com medidas de eficiência nos regadios, apostar neles num contexto em que Portugal vai ter consequências grandes das alterações climáticas não tem sentido. E a ideia de que mais barragens podem garantir este investimento no regadio é completamente contraditória com a necessidade de proteção dos rios e estuários", destaca o ambientalista.

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Produziram-se no país, em 2020, um total de 5,01 milhões de toneladas de resíduos.
Recordando as secas como uma face visível das alterações climáticas, Nuno Lacasta assinala que "a água é sempre um desafio central para a gestão do ambiente e dos recursos naturais - e para a APA 2021/22 está já a ser (mais um) ano de escassez hídrica que necessariamente a todos convoca para um nível próximo de acompanhamento e gestão. Será igualmente um ano importante em termos de identificação das disponibilidades de água para as próximas décadas, e para as decisões sobre alocação de água aos diferentes usos." De referir que a APA tem atualmente em consulta pública o primeiro estudo nacional sobre Disponibilidade de Água em Portugal.

Produzimos 1,4 kg de lixo por dia

Outro grave problema de Portugal destacado no relatório é a gestão de resíduos. E os números não deixam margem para dúvidas: continuamos a produzir muito lixo e a reciclar pouco. Cada português produz 1,4 kg de lixo por dia, um indicador que não se alterou em relação à análise anterior. O valor até aumentou em relação a 2019 (+0,1%), totalizando uma produção de 5,01 milhões de toneladas de resíduos urbanos em Portugal continental na última análise.

Também a deposição de resíduos urbanos biodegradáveis em aterro aumentou para 53% (45% em 2019), valor que evoluiu em sentido contrário e não permitiu descer à meta de 35% prevista no Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU 2020). A taxa de preparação para reutilização e reciclagem também evoluiu no sentido contrário ao pretendido e desceu. Foi de 38% (41% em 2019), valor que não permitiu cumprir a meta de 50% prevista no PERSU 2020. Mas para tal terão contribuído as recomendações de encaminhamento dos resíduos indiferenciados para incineração ou aterro e o encerramento do tratamento mecânico de resíduos indiferenciados, devido à pandemia.

Apesar do ano atípico que altera o sentido evolutivo dos indicadores, Nuno Lacasta reconhece que "o setor dos resíduos, com efeito, tem tido dificuldades de desempenho adequado na última década, desde logo se tivermos em conta que a deposição de resíduos em aterro está ainda próxima dos 40% e a meta europeia para a próxima década é de 10%. Para mais, em 2020, na sequência da gestão da pandemia, verificou-se naturalmente uma redução da taxa de preparação para reutilização e reciclagem, que aumentou a referida deposição em aterro e não permitiu atingir a meta do PERSU 2020".

Para Francisco Ferreira, presidente da Associação Zero, "os resultados verificados na área dos resíduos urbanos, com o repetido incumprimento das metas de redução da produção de resíduos (aliás a tendência tem sido a contrária), são um excelente exemplo da urgência de uma alteração de políticas e da aplicação de incentivos/penalizações, no sentido de pôr a economia a funcionar de forma circular através da prevenção, reutilização e reciclagem, em detrimento do atual modelo linear".

A reciclagem, basilar para implementar no país uma economia circular, também ficou aquém das metas estabelecidas para alguns tipos de resíduos. Por exemplo, o vidro, com uma taxa de 56%, não atingiu a meta dos 60% de reciclagem. E o mesmo aconteceu com o metal. Já as taxas de reciclagem de embalagens de papel e cartão (71%), plástico (36%) e madeira (91%) ultrapassaram as metas previstas.

O ambientalista destaca que existem muitas falhas continuadas do país na gestão dos resíduos, como, por exemplo, a continuação da aposta na recolha seletiva por ecopontos em detrimento da recolha porta a porta, "a qual permitiria aumentar substancialmente a taxa de recolha"; a falta de sistemas de recolha seletiva dos resíduos orgânicos, etc.

Neste sentido, Nuno Lacasta, diz que "na área dos resíduos, 2022 é um ano decisivo, na medida em que é fundamental consolidar o planeamento estratégico e operacional para preparar Portugal para os desafios desta década em matéria de redução de depósito em aterro, aumento da recolha seletiva e reciclagem, separação de resíduos bio; instalação de sistemas de recolha e depósito de embalagens e fomento da economia circular". E acrescenta: "Em todas estas áreas, e muitas mais, tais como proteção do litoral, saneamento público, gestão florestal sustentável, inicia-se em 2022 um período intenso de investimentos no âmbito do PRR e dos fundos europeus para os próximos anos que têm a proteção do ambiente, a descarbonização e a sustentabilidade como eixos centrais de financiamento."

58%Energia
Em 2020, 58% da energia elétrica produzida teve origem em fontes renováveis. 
Tocando agora no tema da descarbonização, o parque de veículos ligeiros de passageiros era composto, em 2020, por 56,5% de veículos movidos a gasóleo e 40,3% a gasolina, representando 96,8% do total, sobrando o restante para a mobilidade elétrica. Esta não ultrapassa os 3%, estando muito longe da eliminação de um dos maiores entraves à descarbonização da sociedade.

Um aspeto a favor de Portugal é a cada vez maior adoção de energias renováveis. Em 2020, 58,3% da energia elétrica produzida em Portugal teve origem em fontes renováveis. O objetivo é que a quota de energia renovável no consumo final de energia atinja 69% em 2025 e 80% em 2030.
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