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Cativações da despesa, o início da "silly season"

Enfim, gostaria que em vez de se concentrarem nos 2,4% da despesa que dizem respeito a cativações e à dotação provisional, o debate e o interesse dos parlamentares se focasse na criação de mecanismos que garantam exigência e eficiência na gestão dos restantes 97,6%. Seria bom, talvez depois do Verão.

Temos uma nova polémica orçamental em Portugal: o governo congelou perto de 900 milhões de euros de despesa em 2016 através de "cativações", um mecanismo de que provavelmente nunca ouviu falar, mas que existe em todos os orçamentos, e cuja utilização em 2016 era já sobejamente conhecida. É o início oficial da "silly season".

Recapitulemos: em Abril, como escreveu o Negócios, o Conselho das Finanças Públicas (CFP) mostrou que entre cativações (despesa que só pode ser realizada com autorização do ministro das Finanças) e a dotação provisional para imprevistos, Mário Centeno chamou a si a autorização de dois mil milhões de euros de despesa (ver Caixa 3, página 16), quase 1% do PIB, dos quais 900 milhões ficaram efectivamente congelados. Não é coisa pouca, e em Maio e Junho, o Banco de Portugal alertou para a discricionariedade que esta prática oferece ao ministro das Finanças, pagando-se o maior com controlo da despesa com menor transparência na execução orçamental, e sublinhou que em 2017 se passa o mesmo.

Tudo isto era conhecido, mas os deputados descobriram agora o tema à boleia dos incêndios e do roubo de armamento, como se corrupção e falta de exigência e organização tivessem alguma coisa a ver com esforços orçamentais. Nas suas intervenções fazem no entanto parecer que as cativações desvirtuaram toda a lógica do Orçamento (argumentam PCP e Bloco); e que os cortes escondidos de 2016 estão a provocar uma ruptura dos serviços públicos (defendem PSD e CDS).

No fundo, com tanta dramatização, a esquerda quer desviar a atenção do apoio que dá no Parlamento aos menores défice e investimento público da história da democracia, e a vários sintomas de cortes de despesa pouco recomendáveis; enquanto a direita quer encontrar defeitos num resultado orçamental que tentou muito atingir sem sucesso. A encenação não teria mal e até poderia ser divertida, não fosse o caso de assim trocarem esse debate por um esforço de acção consequente sobre como melhorar a gestão dos recursos públicos, uma área em que o Governo não tem conseguido demonstrar resultados convincentes, e que é vital para o futuro do Estado.

Eu, por exemplo, gostaria de:

Saber é o que o Governo já fez neste ano e meio para melhorar a gestão da despesa pública no Estado, que mecanismos de avaliação implementou, e como podem ser escrutinados pelos cidadãos, pelas universidades, e pelos vários órgãos de fiscalização;

Que fossem criados mecanismos de alerta sobre casos em que serviços públicos estão a prestar maus serviços por insuficiências orçamentais, para os quais os cidadãos pudessem contribuir na denúncia e pudessem confiar que são analisados e tornados públicos.

Saber como o Ministério das Finanças pensa relançar a avaliação de desempenho dos seus recursos humanos, como os vai premiar, e contra que objectivos e missão e, daí, perceber que visão tem o Governo para o papel do Estado na sociedade;

Ver o Tribunal de Contas a juntar às suas análise da legalidade, exercícios sistemáticos de avaliação de eficiência da despesa, que de resto está obrigado a fiscalizar.

Ter o Conselho das Finanças Públicas, que tantas vezes fala sobre a importância de uma reforma da despesa, a gastar menos energia em debates políticos, e despender mais esforços a coordenar um exercício de avaliação dos gastos, serviço a serviço.

Enfim, gostaria que em vez de concentrarem nos 2,4% da despesa que dizem respeito a cativações e à dotação provisional, o debate e o interesse dos parlamentares se focasse na criação de mecanismos que garantam exigência e eficiência na gestão dos restantes 97,6%. Seria bom, talvez depois do Verão.
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