Opinião
A Trumpamerica morreu
O debate desta madrugada colocou um ponto final no futuro político de Donald Trump. E ainda bem. O mundo suspira de alívio. Mas a campanha ainda não acabou...
No debate desta madrugada ficou tudo à mostra. Pelo menos, no que diz respeito ao político amador que está a tentar manter-se à tona na corrida à presidência dos Estados Unidos. A América de Trump é um local perigoso, onde se encomenda a prisão de adversários políticos, se anuncia na TV a queda de cidades onde morre gente todos os dias, onde se desautoriza vice-presidentes em directo, onde não pagar impostos é uma qualidade, onde a "conversa de balneário" é parte do discurso da Nação.
E ainda bem. Para os milhões de eleitores americanos e cidadãos estrangeiros que dedicam alguns minutos das suas vidas a estas eleições nos momentos mais mediáticos como os debates, ficou tudo à mostra, as costuras de um candidato feito com retalhos de personagens de "reality shows" e radicalistas populares e populistas. Para quem segue a campanha há mais tempo e de forma mais regular, nada disto surpreende. É a narrativa. "Lock her up!" (prendam-na!) foi o grito de batalha que preencheu a convenção republicana de aclamação de Trump.
Mas ainda bem. Depois deste debate – e especialmente depois da tempestade provocada por um vídeo grosseiro de há uma década -, Trump já não ganha estas eleições. Os Estados Unidos suspiram de alívio, o mundo – com algumas excepções – também suspira de alívio.
Desde que garantiu a nomeação como representante do Partido Republicano nestas eleições de 2016, Donald Trump, empresário, entertainer, herdeiro e milionário, precisava de convencer os eleitores moderados de duas questões: a não terem medo dele; e a terem medo dela, de Hillary Clinton. Depois deste debate, conseguiu precisamente o inverso: deixar toda a gente "normal" com medo dele, alienou quase integralmente quatro das cinco "gavetas" eleitorais de que precisava e ficou agarrado, ainda que de forma eufórica, ao único universo eleitoral que se manterá fiel até ao fim: os brancos, conservadores, sem formação superior, machistas, racistas, ignorantes, revoltados e com armas.
Ainda bem. A América de Trump não chegará ao poder. Trump será dissecado durante décadas pela Academia, a ciência política americana nunca mais será a mesma. Pelo caminho, Trump deixa um rasto de vítimas: o Partido Republicano, que demorará anos a recompor-se, a democracia – que precisará de ser exposta a um antídoto forte contra o populismo reles – e os próprios Estados Unidos que, numa altura em que o mundo se debate com problemas transcendentes, não teve umas eleições onde os cidadãos pudessem fazer escolhas políticas e de políticas que definirão o rumo da sua economia e da sua sociedade.
Politicamente, a Trumpamerica morreu esta madrugada em Portugal. Ainda bem. Mas Trump ainda está vivo nesta campanha. E os próximos 30 dias conhecerão novos capítulos de um show de terror democrático que definirão um novo patamar na política mundial. Trump está cada vez mais isolado, no alto da sua torre com vista panorâmica de Nova Iorque. Lá em baixo, já só tem os indefectíveis, os fanáticos, os histéricos. Cuja revolta tenderá a aumentar com o avolumar dos sinais da inevitável derrota.