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Round 2: A noite em que Trump ameaçou prender Clinton

Foi uma noite de estreias. Conferências de imprensa com alegadas vítimas de violação, conversas de balneário, filmes de Spielberg e ameaças de prisão para os adversários. As sondagens deram a vitória a Clinton, mas é possível que tenha ficado tudo na mesma. O debate - duro e agressivo - durou 1h30.

Nuno Aguiar naguiar@negocios.pt 10 de Outubro de 2016 às 07:11

O debate só arrancou às 2:00 de Lisboa, mas ficou marcado por uma conferência de imprensa feita uma hora e meia antes: para surpresa de todos, Donald Trump anuncia uma transmissão em directo da sua "preparação para o debate". Mas no lugar de um púlpito estava uma mesa com cinco cadeiras, onde estava sentado Donald Trump, rodeado por Paula Jones, Juanita Broaddrick, Kathleen Willey e Kathy Shelton. As três primeiras acusam Bill Clinton de assédio ou violação, enquanto a última foi violada aos 12 anos e Hillary Clinton foi nomeada para defender o seu violador em tribunal. Além da conferência, o republicano convidou-as também para assistir ao debate.

 

 

O tom do debate ficou definido ainda antes de começar. Recorde-se que esta conferência surge numa altura em que Trump cai nas sondagens e 48 horas depois da divulgação de uma gravação de 2005, em que Trump fala de beijar e apalpar mulheres sem a sua autorização, motivando vários destacados republicanos a retirarem-lhe o seu apoio. A conferência serviu para mudar a narrativa e mostrar que os Clintons é que não apoiam as mulheres.

 

Os candidatos não se cumprimentaram à entrada. Como seria de esperar, a gravação foi o tema que dominou os primeiros 20 minutos de debate. Questionado pelos moderadores pela linguagem utilizada na gravação, Trump pediu desculpa à sua família, disse que nunca fez as coisas de que se gabou e desculpou-se com sendo "conversa de balneário". "Estou muito envergonhado, mas é conversa de balneário", afirmou. "Tenho grande respeito pelas mulheres, ninguém respeita mais as mulheres." E mudou rapidamente de assunto para... o Estado Islâmico: "Temos um mundo em que o ISIS corta cabeças […] são tempos medievais."

 

Quando teve oportunidade para comentar a gravação, Hillary Clinton tentou isolar Donald Trump, mesmo dentro do seu próprio partido. "Com anteriores nomeados republicanos, eu discordava, mas nunca questionei a sua capacidade de servir. Donald Trump é diferente. Muitos republicanos e independentes dizem a mesma coisa", frisou. "Aquilo que ouvimos sexta-feira foi aquilo que ele pensa sobre mulheres, aquilo que faz a mulheres. Representa totalmente aquilo que ele é." Clinton referiu de seguida várias declarações polémicas do milionário sobre outros grupos, como latinos, negros, muçulmanos, deficientes, prisioneiros de guerra e imigrantes.

 

Em resposta, Trump recorreu à matéria-primeira da sua conferência de imprensa: os casos do marido de Hillary. "Se olharem para Bill Clinton, [é] muito pior. O meu [caso] são palavras, no dele foram actos." No contra-golpe, Clinton optou por citar alguém cujo cargo ela já deteve: a primeira-dama Michelle Obama. "When they go low, you go high."

 

Foi por momentos como este que Christopher Hayes, apresentador da MSNBC, escreveu no Twitter: "Consegue sentir-se este ambiente de tristeza e luto em todas as respostas. É como se todos estivessem no funeral da democracia americana."

 

As coisas não haveriam de melhorar muito. Momentos depois, numa troca de argumentos entre os dois sobre a utilização de um email pessoal por Clinton, Trump anuncia que vai pedir a um "procurador especial" para investigar o caso. Sra. Clinton, quer responder? "Ainda bem que alguém com o feitio de Donald Trump não é o responsável pelas leis do nosso país." Sr. Trump? "Porque estarias presa."

 

É um momento pouco comum e provavelmente inédito nas últimas décadas nos EUA: um candidato ameaçar prender o outro depois das eleições. Alguns apoiantes de Trump procuraram classificá-lo como um comentário sarcástico, mas o republicano minutos depois colocou a frase no seu facebook e promoveu-a. A acusação seguiu uma linha já utilizada durante a convenção republicana e alguns comício do candidato, quando o público - e até alguns do oradores - incentivavam a prisão de Hillary Clinton, com gritos de "culpada!" e "prendam-na!". O objectivo é aproveitar a também historicamente baixa popularidade da democrata. A sua base fica entusiasmada. Os indecisos? Mais dificilmente.




 

Trump adoptou o mesmo tom agressivo do primeiro debate, mas sem morder o anzol de Hillary. A democrata esteve algumas vezes à defesa, nomeadamente quando confrontada com documentos divulgados pelo Wikileaks, que contêm discursos e intervenções feitas para banqueiros e investidores de Wall Street. Num deles, ela refere ser necessário ter uma posição pública e outra privada sobre alguns assuntos, algo que parece seguir a linha de uma das principais críticas que lhe é feita: falta de transparência e falta de honestidade. Para se justificar, Clinton recorre a… Steven Spielberg. "Se bem me recordo, isso foi algo que eu disse sobre Abraham Lincoln, depois de ter visto o filme maravilhoso de Steven Spielberg chamado 'Lincoln'", explicou, dizendo que aprendeu muito ao ver a forma como o Presidente conseguiu aprovar a 13.ª emenda à Constituição dos EUA.

 

Como é que Donald Trump consegue superar isto? Admitindo que não pagou impostos federais durante quase duas décadas. Com base numa notícia do NYT, o moderador perguntou ao republicano se utilizou uma perda de 916 milhões de dólares para não pagar impostos federais durante anos. A resposta? "Claro que sim. Claro que sim. Tal como a maioria dos que lhe doam dinheiro [a Clinton]."

 

Pelo caminho, ainda houve tempo para o milionário desautorizar o seu parceiro de corrida, Mike Pence. Confrontado com a posição do seu candidato a vice-presidente sobre a Síria e Rússia – que acha que as provocações de Assad e Putin têm de ser respondidas com força e eventualmente atacar Assad - Trump não teve problemas em admitir: "Ele e eu não falámos e eu discordo [dele]." Mike Pence não parece ter ficado aborrecido.

 

 

Segundo dados do Facebook, citados pelo jornalista da CNN Brian Stelter, os momentos do debate com maior impacto na rede social foram: 1- esta falta de sintonia entre Trump e Pence sobre Síria/Rússia; 2 – Trump ameaçar prender Hillary; 3 – Um momento que o republicano diz para Clinton responder primeiro a uma pergunta, porque é "um cavalheiro".

 

No final, a sensação é que Trump esteve melhor neste debate do que no anterior e que Hillary esteve pior. Os comentadores televisivos atribuíam uma ligeira vitória ao republicano e a campanha de Trump parecia bastante satisfeita. Um sentimento suportado por um Focus Group que dava uma vitória esmagadora ao milionário.

 

No entanto, as duas únicas sondagens científicas realizadas depois do debate mostram uma realidade diferente: Clinton ganhou o debate. Segundo a CNN, Clinton reuniu 57% dos votos e Trump 34% (recorde-se que há mais inquiridos democratas do que republicanos). Por outro lado, no jogo das expectativas, Trump não sai muito mal: 63% dizem que o republicano se comportou acima das expectativas e apenas 21% dizem que esteve pior do que esperavam. Quanto a Hillary Clinton, 39% disseram que ela esteve melhor, 26% que esteve pior face às expectativas iniciais.

 

Outra sondagem, da YouGov também atribui a vitória a Clinton, mas por uma margem mais pequena: 47% vs. 42%. Se olharmos apenas para os indecisos, a democrata também sai à frente (44% vs. 41%). É interessante a divisão homens/mulheres. Enquanto os inquiridos do sexo masculino atribuíram a vitória a Trump (46% vs. 43%), as mulheres ficaram claramente do lado de Clinton (50% vs 38%).

 

No final, talvez ambos tenham conseguido alguma coisa: Donald Trump interrompeu a hemorragia de votos que estava a sofrer nos últimos dias e talvez tenha travado o ritmo de abandono de republicanos da sua campanha; Hillary Clinton não arriscou e preferiu garantir que não perdia a vantagem de que goza nas sondagens.

 

Ou seja, é possível que tenha ficado tudo mais ou menos na mesma. Contudo, era Trump quem precisava de dar um abanão à campanha. A sua base provavelmente adorou este debate - como adora chamar "diabo" a Clinton e reclamar a sua prisão -, mas essa base pode não chegar para atingir 40% dos votos. Os republicanos tinham de ir atrás de independentes indecisos e é pouco claro que este desempenho agressivo tenha conseguido isso. Nesta altura, Clinton tem uma vantagem entre quatro a seis pontos percentuais face a Trump nas sondagens nacionais.

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