Opinião
A nova vida de Costa
Baralhados com a cambalhota? Terá o primeiro-ministro de sucesso, optimista irritante, 'case study' da hábil sobrevivência política, perdido o norte? Querendo chegar à Índia, estará a caminho do Brasil?
Eis António Costa na sua praia: afinal ainda não há uma decisão sobre a cidade candidata à agência europeia do medicamento. Há duas semanas (bem sei que é uma eternidade na volúpia da rede!) o primeiro-ministro dizia que o dossier estava fechado. Uma resolução do Governo publicada em Diário de República não deixava dúvidas: o objectivo do Executivo era instalar a agência "na cidade de Lisboa".
O Porto espingardou e Costa, o homem da descentralização, que se arrepia quando ouve falar de reformas estruturais ("provocam alergia") mas está determinado a não deixar cair a que poderá descentralizar mesmo as funções do Estado, viu a contradição. Tinha sido apanhado. E logo pelo autarca com quem acabara de estragar um casamento de conveniência.
Rui Moreira (e Manuel Pizarro, que se viu na proa da candidatura depois da zanga com o presidente independente) agitou a bandeira do centralismo. Costa, com autárquicas à porta e o PS inquieto a norte, reagiu. "Do ponto de vista interno e nacional, objectivamente, é melhor que seja o Porto do que Lisboa, porque assegura uma melhor redistribuição das oportunidades, uma melhor inserção nas redes globais".
Baralhados com a cambalhota? Terá o primeiro-ministro de sucesso, optimista irritante, 'case study' da hábil sobrevivência política, perdido o norte? Querendo chegar à Índia, estará a caminho do Brasil?
A semana foi dura. E estava tudo a correr tão bem! Fora dos défices excessivos. Quase fora do lixo. Paz social. Oposição a soro. Presidente amigo. Eis senão quando um raio (que o parta!) rachou uma árvore e incendiou o país. Sessenta e quatro mortos, mais de 200 feridos, um país de luto, um governo de sucesso a perder o chão. A teoria do raio não chega e o passa culpas começou.
Constança Urbano de Sousa sabe que, não tendo o Governo podido fugir à investigação que, num primeiro momento, deixou Costa hesitante, o seu lugar corre riscos. A cultura da responsabilidade não é um ponto forte da pátria ("O apoio inicial que foi dado às famílias não esteve à altura. Apresento as minhas desculpas", disse Teresa May, após a tragédia de Londres), mas desta vez António Costa entendeu a dimensão do rombo.
Com Marcelo à perna - e o Presidente pede uma investigação "rápida e exaustiva, sem limites nem medos" - e os parceiros à coca - Francisco Louçã veio acusar o primeiro-ministro de não ter feito o que devia - Costa já intuiu que a maioria absoluta que parecia ao alcance vai dar trabalho a reconstruir.
O pragmatismo vai obrigar a rolar cabeças. António Costa procurará dobrar o cabo, seja por onde e como for. E Pedrógão Grande é, ao pé da disputa Lisboa/Porto, um desafio enorme.