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Raul Vaz raulvaz@negocios.pt 26 de Julho de 2017 às 00:01

A larva da dúvida

Pedrógão é uma ferida que não sara. Nem poderia. A tragédia é demasiado grande, demasiado grave, demasiado ilustrativa da nossa incapacidade. Incapacidade até de entender coisas tão grotescas que ultrapassam uma racionalização. O luto seria sempre longo. Mas não tinha, não podia ser assim tão acidentado.

Os mortos precisam de descanso, os vivos mais ainda. Mas isso tornou-se impossível pela desastrada e desastrosa gestão política do dossiê mais sensível em Portugal em muitos anos. António Costa tentou encerrar o caso, dizendo que este está encerrado, como se lhe coubesse a ele dizer isso, não à opinião pública. Como se este caso, como se qualquer caso, se fosse embora por decreto, como se tentou fazer no caso dos SMS de Domingues.

O assunto está vivo, como demonstram os jornais. Com erros, muitos, de quem trabalha com as emoções à flor da pele, de quem dá credibilidade a uma lista de uma senhora que diz umas coisas (o jornalismo-cidadão em toda a sua fragilidade), de quem prefere "honrar os mortos" em vez de informar simplesmente os leitores, a sua missão primordial. Ainda assim, honra seja feita a quem faz perguntas, com todas as suas imperfeições.

O problema é que tudo isto foi criado pelo próprio Governo, pela falta de explicações, pela lei da rolha, pela descoordenação, pelas omissões, pelas informações desmentidas, por, enfim, tanto tempo depois, subsistirem tantas e tantas dúvidas sobre um caso no qual não poderia existir, a esta altura, uma única suspeita.

A discussão à volta do número de vítimas só existe e só ganhou lastro – apesar de todas as fontes credíveis apontarem para números semelhantes – porque o Governo demonstra um gritante embaraço em todo este processo. Se primeiro se apontou uma árvore que levou com um raio, depois foi mão criminosa, depois chuta-se tudo para o Outono, como acreditar no resto? Se o Governo das reversões impossíveis continua impávido e sereno a ver o SIRESP falhar, se a culpa não foi de ninguém, se temos de aceitar que foi Deus quem matou toda aquela gente, como acreditar no resto? Se, em Tancos, o assalto do século se tornou uma semana depois numa ninharia sucateira, como acreditar no resto?

A larva da dúvida foi chamada pelo Governo, e até o omnipresente Marcelo se resguardou, pela primeira vez no seu mandato, naquilo que é um facto político, em si. E não há decreto que afaste a suspeita. Isso só é possível com transparência total, humildade total e aceitação incondicional das consequências, sejam elas quais forem. Até lá, o fogo continua a arder. 

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