Opinião
Viva Zezinha!
Não é possível dizer se é a razão mais forte que nos levou ao charco. Mas é seguro que não nos deixa de lá sair. E qual é esse motivo de atrofiamento? É que andamos a copiar a média. Ficámos viciados nesse raciocínio: atingir a média europeia.
Esta lengalenga tornou-nos medíocres. O raciocínio da média é medíocre, inspira o comportamento de manada, leva as pessoas a correrem atrás da bola. Acriticamente. Abdicando de estratégias próprias. Caminhos que nós ainda não experimentámos. Nem outros.
Não vou outra vez falar da Época dos Descobrimentos, até porque já enjoa. Além do mais, ter de recuar séculos, muitos séculos, para nos justificarmos como povo bem sucedido, não é justificação alguma. É uma confissão de fracasso colectivo.
Também não vou aqui trazer sucessos nacionais conhecidos. São bastantes, não em número suficiente, é certo, mas atravessam o mundo das empresas e dos negócios, da academia e da investigação, da moda e das artes.
Têm em comum um facto: atingiram o topo do mundo. Têm ainda em comum a forma como lá chegaram, porque foram únicos e foram ágeis, porque agiram de forma disruptiva. Ou seja: não se deixaram adormecer com a lengalenga sobre a média.
Maria José Nogueira Pinto é a personagem a evocar neste espaço, porque é a mentora de um projecto que hoje todos os jornais de referência vão noticiar. A revolução da Baixa de Lisboa não é uma importante intervenção do poder municipal numa zona importante da cidade. É muito mais que isso. É uma fonte de inspiração nacional.
A vereadora da Câmara de Lisboa partiu de um diagnóstico: o declínio persistente da Baixa-Chiado. Mas é este centro que mantém Lisboa entre as doze melhores cidades europeias.
Não é preciso ser especialista em urbanismo para encontrar explicações para o evidente declínio. A Baixa lisboeta deixou há muito de ser um bairro. Tornou-se uma passagem. Atravessada, de uma ponta a outra, por duas avenidas grandes. É verdade desde o Marquês de Pombal. Mas com uma diferença: só depois apareceram os carros, depois o tráfego contínuo, o sobe-e-desce infernal, a poluição; enfim, tudo aquilo que destrói o comércio e empurra a vida para passeios em que é impossível passear.
Parte do comércio morre, a outra suicida-se. É o comércio que abre às 9h e fecha às 19h e que, como novamente se confirmou na última Páscoa, vai de férias logo quando os turistas chegam à cidade. E há, naturalmente, a não-habitação.
Ok, nada de excitante? De diagnósticos está o país farto? Venham as soluções: restrições fortes no trânsito, carros impedidos de atravessar do Rossio ao Tejo, a marginal fechada. Edifício da Suíça rasgado para ligar as duas praças. Devolver o Castelo ao Centro, não com elevadores à Soares, mas com uma mais discretas escadas rolantes.
Mais: duas ruas transversais, Santa Justa e Vitória, são para comércio. Todos os edifícios da rua, todos os andares de cada edifício. Actividades não viradas ao público serão expulsas da zona. Como os armazéns, que ainda lá estão.
Consumo. Lazer. Viver. Eis o conceito. Tão simples. Tão cheio de problemas. A GNR marcha do Quartel do Carmos. O Museu do Chiado toma o Governo Civil. O Banco de Portugal liberta a igreja onde os seus administradores hoje estacionam os carros.
E o que precisam? Não muito. Do Governo, um decreto. Que, como na Expo, consagre um regime de excepção e dê poderes especiais de intervenção. O resto, o mercado paga e o projecto é bancável. A tributação que existe chega para a requalificação.
Não sei se esta coisa vai funcionar, nem sei se será suficiente para Lisboa desafiar Barcelona. Mas temos algumas certezas. Uma é que não há países competitivos sem cidades competitivas. Outra é que, seja país, seja cidade, seja empresa, o progresso faz-se com saltos.
Por fim, o barrete que se enfia em muitas cabeças: Zezinha pertence à classe política e não é das novas gerações. A Baixa-Chiado pode ser a metáfora nacional. E Zezinha o toque de despertar daqueles que culpam os políticos e desacreditam os velhos, incapazes de encontrar o problema que têm em frente no momento em que estão diante do espelho.