Opinião
Petróleo amigo?
Corria o mês de Abril de 2000 e o país assistia a uma estranha aliança. PCP, centrais sindicais e Paulo Portas, juntos, do mesmo lado da barricada. Estavam contra o Governo de António Guterres na organização de um «buzinão» popular, que pretendia reeditar
Para as memórias mais fracas, recorda-se o que motivou essa estranha aliança PCP-Portas: o aumento dos preços dos combustíveis.
Como as coisas mudam. Hoje Portas não buzina. É ministro de Estado e rezará para que ninguém se lembre de agitar as massas como ele tentou em tempos.
Também é provável que os agitadores de hoje tivessem ainda menos sucesso do que os de há quatro anos. Lentamente, o país interiorizou que há fenómenos contra os quais pouco podemos fazer senão pagar a factura. E o aumento dos preços do petróleo é um deles.
Ao retirar ao Governo a capacidade de fixar os preços dos combustíveis, Carlos Tavares assinou, provavelmente, a sua melhor realização enquanto ministro.
E é positivo que não haja agora tentações de recuar neste regime. Se o Governo chamar novamente a si a intervenção neste mercado pode pagar o populismo de hoje com os «buzinões» de amanhã.
Em vez disso, o momento é de olhar a sério para a racionalização do consumo de energia e para o desenvolvimento de energias alternativas.
O Conselho de Ministros deu ontem um passo nesse sentido, ao mandatar Álvaro Barreto para apresentar, em dois meses, um relatório que aponte esses caminhos.
Este trabalho só servirá para alguma coisa se for visto como estratégico. Se não for abandonado ao primeiro sinal de descida dos preços dos combustíveis. E se evitar o facilitismo de propor algumas medidas desgarradas que podem ficar bem na fotografia mas não resolvem nada para o futuro.
E isto só se faz se caírem os tabus das discussões do acesso dos automóveis às cidades, da reconversão energética de muitas indústrias e da racionalização dos consumos domésticos.
Os benefícios ambientais da substituição do petróleo por outras fontes de energia são, só por si, óptimos argumentos para se avançar nesta reconversão.
Mas não têm sido suficientemente estimulantes para convencer agentes económicos que se esgotam na decisão para o dia seguinte e que ainda têm dificuldade, por exemplo, em aderir a processos simples como o da separação de lixos.
E o que não vai a bem, pode ir a mal. O estímulo que faltava pode estar precisamente no preço do petróleo. Com a matéria-prima a quase 50 dólares, há fontes alternativas de energia que se tornam mais baratas para os consumidores. Coisa que não acontecia há seis anos, quando o petróleo era vendido em saldos, abaixo dos 10 dólares.
Há que aproveitar esta conjuntura adversa. O dinheiro que nos custa encher um depósito de gasolina pode, afinal, ser um forte aliado. Pode ser uma factura que compensa pagar.