Opinião
Paz à sua alma
Vale a pena recordar como tudo começou. No início do ano, o ABN Amro, um dos maiores bancos europeus, foi o alvo de uma vaga de activismo accionista. O mais activo foi o fundo TCI (iniciais de The Children Investment Fund), liderado por Christopher Horn,
Em Fevereiro, os accionistas do ABN aprovaram um conjunto de propostas do TCI, apesar da oposição da gestão do banco, contando para isso com o apoio de outros fundos.
Foi depois deste primeiro embate que os acontecimentos se precipitaram. Em Abril, foi anunciado o acordo entre o ABN e o Barclays para a criação do quinto maior banco do mundo, acompanhado da venda do banco La Salle, a principal operação dos holandeses nos Estados Unidos. Este negócio foi interpretado como uma “poison pill” contra uma operação concorrente que viria a ser efectivamente lançada pelo consórcio entre o Royal Bank of Scotland (RBS), o Santander e o Fortis. A venda do La Salle ao Bank of America deu origem a uma renhida disputa legal, que acabou a contento da gestão do ABN. Venceu uma batalha mas acabou por perder a guerra.
A associação com o Barclays, que já vinha a ser discutida pelo menos desde um ano antes da divulgação do acordo, foi a resposta da gestão do banco holandês às críticas crescentes por parte dos fundos de investimento. Que não se resignavam face ao desolador desempenho do título do banco.
A operação Barclays ABN, promovida pela gestão dos dois bancos, permitia criar um gigante da banca europeia e foi acarinhada pelas autoridades holandesas. Viam com agrado que a sede ficasse em Amesterdão e chegaram a manifestar intranquilidade face ao aparecimento da proposta rival cujo sucesso representaria o desmembramento do ABN, retalhado entre cada um dos compradores: a banca de investimento para o RBS, o retalho para o Fortis e as operações na América Latina e Itália para o Santander.
Percebe-se que o desfazer de um dos seus principais bancos em fatias só podia ser visto com maus olhos pelas autoridades holandeses. Mas, à mistura com os avisos à navegação por parte de Bruxelas, o processo nunca descarrilou para os caminhos que seguiu, por exemplo, com a oferta da E.On alemã sobre a Endesa.
À medida que o tempo passou, foi-se tornando claro que o Barclays ia perder porque a sua iniciativa concertada com o ABN tinha aberto a porta a uma oferta rival que os accionistas consideraram mais favorável.
E assim chega ao fim o ABN Amro, tal como até hoje o conhe-cemos. Na semana passada, o Barclays reconheceu formalmente a derrota, pois não conseguiu convencer os investidores a venderem-lhe acções. Preferiram vender ao consórcio RBS/Santander/Fortis, que tem até ao final da semana para concluir a operação.
Enquanto entre nós a OPA do BCP sobre o BPI agonizava em morte lenta, na Holanda tudo se passou de forma exemplar. Em menos de seis meses, uma oferta foi lançada, enfrentou a concorrência de uma oferta rival, a guerra também se travou na frente mediática e jurídica mas foi no mercado que se resolveu.
A segunda conclusão remete para o futuro dos intervenientes da OPA bancária nacional. O caso ABN pode ser premonitório para o BCP. A falta de coesão accionista, a indefinição estratégica e a incapacidade criar valor para os accionistas aguçam o apetite a potenciais compradores. A situação no ABN já teve reflexos indirectos, com a saída do Fortis da sua estrutura accionista. O Barclays, que falhou uma operação de consolidação, pode virar-se para outros lados. Não há, em Portugal, exemplo de activismo accionista com a persistência do que se abateu sobre o ABN. Mas já se esteve mais longe. E as autoridades, banco central incluído, pouco poderão fazer.