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24 de Abril de 2008 às 13:59

O problema não é a lei

A legislação laboral não pode ser um instrumento de conjuntura. Mas há, no pacote apresentado pelo Governo, algumas medidas que servem como uma luva a necessidade de medidas anticíclicas. E, já agora, a gestão do ciclo eleitoral.

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Não se regateia a Vieira da Silva a inteligência e o equilíbrio da proposta de revisão do Código do Trabalho, que é patente nas reacções moderadas ouvidas até agora - com excepção da CGTP, que não deixará de capitalizar para a mobilização do próximo 1º de Maio. Mas há detalhes que mal se compreendem a não ser pela necessidade de obter efeitos de curto prazo. Veja-se a redução do conceito de desemprego de longa duração de 12 para nove meses, para promover, por via da isenção da taxa social única, a contratação de desempregados nessa situação. Fica por explicar a criação de um período transitório em que o conceito é ainda mais reduzido – apenas seis meses – para produzir efeito na fase inicial de aplicação da lei.

Como Vieira da Silva não esconde que pretende aprovar as alterações até ao Verão, para entrar em vigor no início de 2009, era difícil melhor sentido de oportunidade. Isto se as empresas reagirem conforme esperado: contratarem trabalhadores mais velhos e desempregados, contribuindo para um efeito imediato de redução das estatísticas do desemprego.

Os gatos escondidos com o rabo de fora que por aqui aparecem não desvirtuam, porém, a correcção do sentido geral das propostas. Com impacto reduzido em termos do Orçamento do Estado, a redução da contribuição social para os trabalhadores efectivos combinada com o agravamento dos custos dos contratos a prazo e recibos verdes, representa, para a generalidade das empresas, um alívio financeiro. A poupança global pode ainda ser maior se as empresas puderem transferir trabalhadores com contrato a prazo para os quadros. Não é certo que o façam, num contexto de grande incerteza económica, sem contrapartidas na flexibilização do despedimento, que não chegam ou chegam demasiado mitigadas. Num mundo em que a carteira de encomendas é cada vez mais curta, não é com contratos intermitentes que as empresas podem fazer face a picos inesperados de trabalho. Para não falar do recurso legítimo a trabalho independente que sai injustamente penalizado.

Estas medidas são, como já o foi o Código do Trabalho, o que a sociedade e as empresas quiserem que elas sejam. O despedimento fica facilitado, com o conceito de inadaptação às funções e com a simplificação do processo. O que pode ser pouco mais do que irrelevante, se se mantiver a prática dos tribunais, que têm funcionado como principal entrave à escassa flexibilidade já permitida pelo Código do Trabalho.

O mesmo se aplica às medidas para incentivar a natalidade, com licenças que podem chegar, havendo partilha de tempo entre a mãe e o pai, até 12 meses. Com as taxas de natalidade em Portugal entre as mais baixas da Europa, e o inevitável envelhecimento da população que penaliza a sustentabilidade da Segurança Social, o Governo segue as tendências internacionais. E favorece a disponibilidade de tempo para os pais estarem com os filhos no primeiro ano de vida, em detrimento dos incentivos financeiros, como os que foram introduzidos em Espanha pelo governo de Zapatero – que para dar o exemplo até integra uma ministra grávida.

Há dois problemas. O alargamento da licença de parto é feito à custa da redução do salário o que na prática restringe o acesso a famílias com rendimentos mais elevados, as que podem prescindir de uma parte que pode chegar a ser 75% do ordenado. O outro é o da própria organização do trabalho nas empresas portuguesas e de uma cultura que favorece o alargamento dos horários, incompatível com a gestão da vida familiar e a assistência aos filhos.

E isto não há lei nem políticas de natalidade que resolvam.

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