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O mau da fita não estará em Belém

Há expressões em que o significado exacto só se consegue perceber através da observação empírica.

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Há expressões em que o significado exacto só se consegue perceber através da observação empírica. É o que sucede com a promessa de uma "magistratura activa" feita por Cavaco Silva durante a campanha eleitoral que culminou com a sua reeleição.

Colaboradores do actual Presidente que o conheceram bem por terem ocupado funções de relevo durante os governos que liderou, deram conta, nos últimos dias, de qual é a sua visão sobre o que poderá ser o seu segundo mandato na chefia do Estado que hoje se inicia. Sublinharam a natureza institucionalista de Cavaco, a sua repugnância por crises políticas e o seu apego à estabilidade. De Belém, garantiram, não há grandes hipóteses de ser desencadeada a queda do Governo de José Sócrates. Mas isto não significa que as circunstâncias não venham a forçá-lo a carregar no botão.

Num regime que faz do Presidente da República uma espécie de figura decorativa, é a personalidade de quem ocupa o cargo e a sua capacidade para ler a realidade do país que determinam o rumo. A "bomba atómica", que na gíria política designa o poder de dissolver a Assembleia da República e provocar eleições antecipadas, é vista como uma arma de último recurso que Cavaco Silva não usará de ânimo leve. Apenas será útil para o país se a intuição política do Presidente estiver correcta e o resultado eleitoral fornecer soluções mais sólidas do que aquelas que tenha decidido extinguir.

A história não é tudo mas fornece lições importantes. Em 1987, quando uma moção de censura apresentada pelo partido eanista e apoiada pelo PS deitou por terra o Governo minoritário de Cavaco Silva, Mário Soares conseguiu caçar dois coelhos de uma vez. Reduziu o PRD do seu adversário Ramalho Eanes à insignificância e pôde cobrir esse objectivo com o facto de ter permitido aos eleitores escolherem uma solução de Governo mais consistente que a anterior, ao abrir a porta à primeira maioria absoluta de Cavaco Silva como primeiro-ministro.

Jorge Sampaio manchou uma decisão semelhante ao não ter dado explicações ao país quando decidiu derrubar Pedro Santana Lopes. Mas os factos provaram que a sua intuição estava correcta quando as eleições antecipadas deram a primeira maioria absoluta ao PS, numa prova de que a coligação entre PSD e CDS já não conquistava a confiança do país. Num e noutro caso, os inquilinos de Belém colocaram a cabeça no cepo mas os riscos em que incorreram acabaram por ser compensados.

Tudo indica que Cavaco Silva não terá cenários tão claros pela frente. Primeiro, porque as sondagens actuais podem dar vantagem ao PSD mas Sócrates resiste e pode beneficiar da vitimização que uma crise política lhe forneceria de bandeja. Depois, a crise económica e financeira parece gerar mais afastamento dos políticos e dos partidos do que a penalização de quem é Governo e a aposta clara em quem pretende ser alternativa. Segue-se que Cavaco Silva tem um conhecimento detalhado das graves dificuldades que o país enfrenta e sabe que uma crise política em cima de uma crise económica, financeira e social é uma mistura explosiva. E que os estilhaços podem não poupar ninguém.

A intrigante "magistratura activa" não será sinónimo da agressividade de Mário Soares no seu segundo mandato. Porque não está na natureza de Cavaco e porque as condições do país não o permitem. Haverá, vindos de Belém, discursos mais críticos para o Governo? É muito provável. Mas o derrube de Sócrates não surgirá deste lado. Se alguém quiser ser o "mau da fita" para o actual poder socialista terá que ser Pedro Passos Coelho. É o líder do PSD que pode acabar por forçar Cavaco Silva a activar a bomba.

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